História: O Mundo de Zara: Solidão - por Sr Ed

 Solidão


Boa leitura


Gerunda, Partemus - Ano 169 da terceira era

Voltando ao passado, o menino lembra de ter ouvido seu nome pela última vez quando sua mãe o escondeu dentro do guarda roupas. Naquela noite, homens de armadura negra com uma estrela vermelha e tortuosa estampada no peito invadiram sua casa e atacaram seus pais com espadas, supostamente usando o pretexto de que caçavam baratas. O menino não lembrava de ter baratas em sua casa, mas sabia que pessoas ruins fazem coisas ruins e nem sempre dava para compreender o motivo.

Enquanto estava escondido, ouviu sons de gritos e de objetos se partindo, para logo em seguida o silêncio. Quando um dos invasores abriu a porta do guarda roupas, o menino apenas fechou os olhos, mas o que ouviu em seguida foi um golpe seco e o som do corpo do soldado desabando no chão. Sem tempo para pensar, seu pai o agarrou nos braços e correu, com a mãe logo atrás. Seu pai era o homem mais forte do mundo, segundo palavras do próprio pai, então não era surpresa que ele o tivesse salvado.

Enquanto corriam para fora da casa, ouviram um assobio alto, seguido do som de botas se chocando contra o chão. No quintal da casa havia uma pequena área florestada que precisaram atravessar às pressas, enquanto do outro lado das árvores o rio Gerunda fluía, dividindo o reino humano do reino dos kruigs. Chegando na margem, seu pai o colocou numa canoa e puxou os remos, enquanto a mãe o abraçou, protegendo com o próprio corpo. Flechas voaram em direção a eles, dezenas, mas nenhuma os atingiu. Como aquela era a única canoa na margem, seus perseguidores não puderam continuar e foram deixados para trás.

A travessia foi lenta, levando mais de uma hora para chegarem na margem oposta do Gerunda, mas conseguiram. Agora, a floresta de Tar Katan se erguia imponente diante deles, parecendo desafiá-los por ousarem adentrar em território kruig. Grande surpresa teriam os kruigs quando descobrissem que aquela floresta não os pertencia mais.



Tar Katan, Galagan - Ano 169 da terceira era


Enquanto estavam no rio, a luz da lua lhes permitia ver a outra margem, mas agora que estavam em meio à vegetação densa da floresta de Tar Katan não conseguiam ver sequer um palmo à frente. A copa das árvores agia como um grande cobertor, cobrindo toda a diversidade daquela floresta tropical da fraca e constante luz da lua.

- Onde estamos indo? Onde estamos agora? - O menino perguntou, assim que seus nervos se acalmaram.

Em silêncio, os pais do menino apenas continuaram a andar, enquanto a mãe o segurava no colo e o pai ia na frente abrindo caminho pela vegetação. 

- Eu não vejo nada, como vocês sabem pra onde estamos indo? E se a gente bater com a cara em uma árvore? E se a gente cair em um buraco? E se aparecer algum monstro? - O menino parou de falar quando pensou na última possibilidade, não tendo obtido resposta para nenhuma das perguntas anteriores.

O menino tinha ainda os seus catorze anos, mas devido ao seu físico subdesenvolvido, era facilmente confundido com uma criança de 10. Era magro e baixo, tinha cabelos castanhos escuros como os da mãe, ondulados e sempre bagunçados, enquanto as sobrancelhas eram grossas como as do pai e os dentes da frente eram ligeiramente tortos. Naquele dia, saiu de casa apenas com uma bermuda curta e uma camiseta sem mangas, então, estava começando a sentir frio. O clima na região de Tar Katan e Gerunda era habitualmente quente e úmido, com temperaturas um pouco mais frescas durante a noite. Porém, havia chovido recentemente e as roupas que estavam usando não eram as mais adequadas para o ambiente, então era completamente justificável o que estava sentindo.

- Vocês não estão com frio? Eu estou com tanto frio - O menino abraçou mais forte a mãe enquanto falava - Por que não me respondem? Estão bravos? Foi algo que eu fiz? Vou ficar de castigo?

Novamente, sem respostas. Ainda, conforme a noite avançava, o frio ia se tornando cada vez mais insuportável para ele.

- Mãe, eu não… eu não consigo - O menino precisou falar enquanto o queixo tremia, batendo seus dentes - A gente tem que parar!

Ouvindo isso, a mãe sentou-se no chão e o abraçou, deixando o mais perto possível do próprio corpo. Em seguida, o pai sentou ao lado e também o abraçou, fazendo com que o menino ficasse no meio dos dois. Curiosamente, seus pais não pareciam sentir frio e seus corpos estavam sempre quentinhos. Talvez não estivesse realmente tão frio assim.

- Nossa, isso é tão… bom - O menino falou, percebendo agora o quanto estava cansado e vagarosamente se entregando ao sono.

Quando acordou, já estava sendo carregado novamente. Ainda fazia frio, mas a luz do sol já se infiltrava em meio às folhas das árvores, proporcionando um certo alívio térmico e permitindo que o menino pudesse ver pela primeira vez onde estava.

- Uau! Que florestão - O menino olhava admirado - Mas e aí? Onde estamos indo?

Sem obter respostas, continuou observando. A vegetação era densa e as árvores eram colossais, parecendo cada vez mais altas conforme iam avançando. O som de pássaros era constante, vez ou outra era possível ouvir sons de pequenos animais se movendo pelas folhas no chão e de outros que saltavam de galho em galho. Não havia um caminho a seguir, nenhuma estrada ou qualquer coisa que se parecesse com uma, apenas vegetação densa e alta, variando entre folhas e galhos. Para caminhar, era necessário abrir caminho, tarefa que o pai do menino desempenhava incansavelmente, utilizando um grande galho seco para bater na vegetação e poder passar.

- Mãe, eu quero caminhar! Me coloca no chão?

Mesmo sem lhe responder, a mãe o colocou cuidadosamente no chão.

O menino sempre foi muito recluso, conhecendo pouco do mundo real, fato que lhe aguçava ainda mais a curiosidade. Foi criado longe da cidade grande e teve contato com poucas pessoas, nem mesmo conhecia outra criança da sua idade, tendo pedido aos seus pais diversas vezes para que “comprasse” um irmãozinho novo para ele. Ao contrário do que era de se esperar devido à sua reclusão, o menino não era introvertido, pelo contrário, falava o tempo todo sobre tudo e torrava a paciência dos pais, sendo raramente acompanhado pelo silêncio. Os poucos momentos em que parava de falar era quando dormia ou quando estava com medo, às vezes burlando o primeiro caso. Quando estava com medo seu pai sempre lhe confortava, afirmando que era o homem mais forte do mundo e que lhe protegeria de qualquer coisa. No entanto, não era incomum que os pais perdessem a paciência e o deixassem falando sozinho, só que aquele silêncio já estava ficando estranho.

- Estão chateados comigo? - O menino perguntou, mas não achava que fosse o caso, já que os pais continuavam dando o melhor para cuidar dele. Como criança, não pensava que mesmo chateados os pais ainda cuidariam dele.

- Já sei! Vocês fizeram um voto de silêncio! É um voto de silêncio, não é? Igual daquela história de herói que você leu para mim? - O menino falou entusiasmado olhando para a mãe, essa que apenas olhou de volta pra ele, mas sem responder - Eu sabia! Mas por que fizeram isso?… ah, se fizeram não vão me responder… claro, mas sabe… podiam pelo menos ter me avisado antes de começar…

Ficou triste por uns dois segundos, quando logo se distraiu com outra coisa. Agora que estava no chão, podia sentir as folhas úmidas sob os seus pés.

- Eita! - Falou, meio sem jeito - Mãe, eu esqueci os chinelos em casa, aqueles que você fez para mim! Não foi de propósito, a gente teve que sair rápido… será que aquele bicho vai entrar no meu pé? Aquele que precisa tirar com espinho. Aqui não parece muito limpo… mãe, me pega no colo de novo, por favor, por favor, por…

Quando se deu conta, a mãe já o havia colocado no colo de novo, segurando-o de frente com as pernas do menino entrelaçando o seu tronco e os braços em volta de seu pescoço.

- Obrigado mãe, mas… acho que estou com fome, o que vamos comer?

Ouvindo isso, o pai parou de caminhar, olhou em volta e depois mudou a direção. Agora não estavam mais em uma mata tão fechada e não era preciso abrir caminho entre a vegetação alta. Depois de mais alguns minutos caminhando e o menino tagarelando, pararam em frente a uma palmeira baixa com o caule cheio de espinhos. Dela pendia um cacho de um fruto de cor roxa, do tamanho de uma azeitona com formato arredondado, coberto por uma grande folha cheia de espinhos.

- Marajá!? - O menino se entusiasmou.

O marajá não era uma fruta muito comum no continente, especialmente por crescer apenas na floresta de Tar Katan, onde poucos entravam. Alguns humanos arriscavam entrar na floresta para caçar, por necessidade. O pai do menino era um desses, então vez ou outra trazia de volta alguns cachos da fruta que o menino tanto amava. Por baixo da casca roxa havia uma polpa branca, levemente rosada e de sabor que variava entre doce e azedo, com uma semente no meio que não era comestível.

- Mas como você vai pegar? Não tem nada para cortar os espinhos.

Sem se importar, o pai apenas afastou a folha com os espinhos e puxou com força o cacho da fruta, arrancando da palmeira.

- Uau, ele é muito forte mesmo.

Quando o pai lhe entregou o cacho de frutas inteiro, percebeu que a mão dele estava com alguns espinhos cravados.

- Pai, sua mão! Você tem que… - Agora que parou para ouvir bem, havia barulho de água por perto - Tem um rio! Vamos lá pai, você limpa sua mão e eu limpo meus pés!

No mesmo momento o pai começou a arrancar os espinhos da mão e a caminhar em direção ao som da água. No caminho, o menino tentou colocar algumas das frutas na boca da mãe, sem sucesso.

- Vocês não querem comer? Tem bastante, é um cacho pesado, vocês comeram enquanto eu dormia? O que vocês comeram? - Enquanto falava, ia tentando aproximar a fruta da boca da mãe que apenas virava o rosto para o lado.

Em pouco tempo e depois de muito monólogo, chegaram a um pequeno rio, esse que era uma ramificação do rio Gerunda e recebia o nome de Gurdun pelos kruigs.

- Uau, deixa eu descer, deixa eu descer!

Tendo sido colocado no chão, o menino correu para a água, onde brincou, pulou, bebeu um pouco e logo em seguida caiu e foi arrastado pela correnteza, mas não sem tempo de o pai o agarrar pelo braço e puxar para fora da água novamente. Com a mesma velocidade com que ficou animado, o menino se frustrou.

- Ah, chega disso! Eu só quero ir pra casa! - Gritou.

Em seguida, a mãe o pegou novamente no colo, fez um carinho em sua cabeça e voltou a andar, agora na direção em que o rio fluía.

- Não! Parem! Eu não quero continuar aqui! - Gritou novamente.

A mãe parou de andar e o pai voltou-se para ele, encarando-o.

- Eu já disse, eu quero ir pra casa!

Assim, os pais voltaram a andar.

- Aaah! Tá bom, façam o que quiserem - Resmungou emburrado.

Tendo andado por alguns minutos, o menino percebeu algo estranho.

- Está silêncio aqui, não é? Silêncio demais.

De fato, os pássaros não cantavam mais, os insetos não faziam barulho, nem mesmo o vento parecia chacoalhar as folhas das árvores.

- Alô!!! - O menino gritou, sem respostas.

Andando mais um pouco, surge uma visão inesperada. No meio da floresta, uma grande construção de tijolos se destacava. Ali, longe de qualquer traço de civilização, uma mansão de aparência centenária destoava de todo o cenário. Os tijolos das paredes externas estavam cobertos de musgo, o telhado mal podia ser visto pela quantidade de folhas que o cobria. As janelas eram de madeira e estavam podres, enquanto a porta da frente mal podia ser vista devido à vegetação alta que tomou o lugar. O pai precisou abrir caminho na grama alta para chegar na porta da frente, esta que não estava trancada. Abrindo, havia um cômodo espaçoso e de grande comprimento, com duas portas em cada lado, assim como um lance de escadas na esquerda e um na direita, levando ao segundo andar. Na outra extremidade do cômodo havia uma cadeira grande de madeira, bem acolchoada. Parecia ter sido adornada com flores, mas que há muito já haviam ressecado e dado lugar às diversas teias de aranha. Quem quer que habitasse ali, já não voltava há muito tempo.


Tar Katan, Galagan - Ano 170 da terceira era


Passados alguns meses e após uma virada de ano, o menino já havia se habituado ao local. A casa era enorme, possuía dois andares com cinco quartos e três banheiros. A cozinha era grande e possuía todo tipo de utensílio que se podia imaginar, coisas que o menino nunca havia visto. Os quartos tinham guarda roupas lotados, mas nenhum com roupa de criança, obrigando-o a se cobrir com roupas grandes mesmo. Havia um mecanismo que permitia que a água do rio chegasse até a casa por meio de algumas tubulações, mas o menino não compreendia como ainda funcionava, apenas aceitava. Pela aparência do local, fazia muito tempo que ninguém ia alí, então não viram problemas em se estabelecer e reivindicar o lugar. Quando chegaram, todos os cômodos estavam com um cheiro forte de mofo e uma camada de poeira cobria os móveis, inclusive as camas, mas os três trabalhando juntos rapidamente tornaram o lugar habitável.

Durante o dia o pai coletava frutas e caçava animais com um dos vários arcos que encontraram no local. A mãe preparava os alimentos na cozinha e cuidava do menino enquanto o pai não estava, costurando até mesmo um novo par de sandálias com a pele de um dos animais que o pai caçou. Tudo isso sem dizerem uma única palavra. Na falta de alguém para se comunicar, começou a dar nomes para objetos e móveis, estes com os quais conversava o tempo inteiro. Tobias era o favorito do menino, um travesseiro encardido que ele arrastava para todo lado. Brincava bastante com ferramentas também, mas ficou meio chateado quando Amos, o martelo, machucou seu dedo, então passou a brincar com outras coisas. O salão principal tinha várias armaduras decorativas, enquanto o andar de cima possuía um grande relógio, todos com seus próprios nomes. Gostava muito de Gina, o sofá, apesar de ela estar sempre ao lado de Débora, a mesa de centro que era extremamente rabugenta, talvez por ser velha demais, era o que pensava. 

Diferente do cubículo em que moravam antes, agora o menino tinha até o próprio quarto, cheio de objetos para conversar. Ter o próprio quarto foi algo que ele mesmo fez questão, pois se sentia mais adulto assim, mas era com frequência que pegava Tobias e ia de fininho para o quarto dos pais, onde dormia entre os dois.

Certa noite, o menino dormia em seu próprio quarto quando ouviu um farfalhar de folhas do lado de fora. Pensou ser algum tipo de animal noturno e ficou curioso para ver. Em sua inocência, não imaginou que pudesse oferecer algum risco, então foi investigar com Tobias enquanto seus pais repousavam em outro quarto. O menino abriu uma fresta na porta e colocou a cabeça para o lado de fora, porém, a escuridão engolia tudo. O menino pensou em apenas desistir e voltar para o quarto, quando viu algo se movendo. Eram duas luzes verdes, pequenas e que piscavam juntas vez ou outra, como vagalumes. Logo surgiram outras e outras, sempre em pares, piscando ocasionalmente e se movendo, algumas lentamente, outras bem rápido. Para ele era uma surpresa, pois nunca havia visto vagalumes ali, na verdade, não costumava ver qualquer tipo de inseto. Para maior estranheza, todas as vezes que aquelas luzes se moviam rapidamente, folhas farfalhavam, como se passos estivessem sendo dados. Percebendo isso, ficou com medo, abraçou Tobias com força e rapidamente fez menção de fechar a porta, pensando em voltar para o quarto e chamar seus pais. A porta, no entanto, ofereceu resistência. Ao olhar para baixo, viu duas daquelas luzes bem próximas dele e em seguida sentiu um puxão forte para fora. De repente, ouviu muitos farfalhares, enquanto um conjunto de dezenas de mãos o seguravam em todos os lugares e erguiam-no do chão. Era como ser atacado por um enxame de insetos, mas com mãos que o seguravam, erguiam e carregavam rapidamente. Agarrou forte para não soltar Tobias no caminho, sentiu folhas batendo em seu corpo e o próprio vento sacudia seu cabelo, como se alguém o carregasse em grande velocidade. Tentou chamar seus pais, mas as mãos cobriram sua boca. Tentou se debater, mas seus braços e pernas foram imobilizados. Passou alguns minutos nessa situação, sendo arrastado no meio da floresta escura, mas sem que lhe infligissem qualquer dano físico. Quando perdeu as esperanças de que aquilo acabaria, seus captores o soltaram gentilmente no solo e se afastaram.

O menino se viu cercado por dezenas daqueles pontos de luz verde, encarando-o no meio da escuridão, alguns na altura dos seus olhos e outros mais altos que um homem adulto. Tendo consciência que seus pais estavam longe demais para ajudá-lo e que Tobias estava mais assustado que ele, o menino pôs-se a chorar. Era apenas uma criança de 14 anos, afinal. Entre soluços e gemidos, ouviu uma voz.

- Ele chora. Ele chora. Chora, ele chora - Curiosamente, depois que uma voz falou, aquilo era repetido por várias outras vozes.

- A culpa é sua, você assustou.

- Assustou.

- Nós assustamos.

- Você!

- Nós!

- Você!

As vozes eram finas e baixas, como se fossem crianças tímidas. Em momentos, pareciam estar discutindo, em outro pareciam estar falando a mesma coisa. Com medo, o menino apenas segurou o soluço e abraçou forte Tobias, esperando para ouvir o que mais diriam.

- Finzzo pode mostrar? - Uma das vozes perguntou.

-  Menino ter medo - Outra voz pareceu protestar, seguido de muitas outras - Medo, medo, chorar.

- Menino já tem medo - repetiu o dono da primeira voz.

- Sim, medo, medo - várias outras disseram.

- Finzzo vai mostrar.

Em seguida, uma luz surgiu. Uma pequena flor se abriu no momento em que foi tocada e passou a emitir luz própria numa cor verde fluorescente. Assim que essa flor se iluminou, várias outras foram se abrindo e emitindo sua própria luz, conforme iam sendo tocadas. Agora, com a luz, o menino pôde ver de quem eram as vozes.

Pequenas criaturas de pele verde se amontoavam ao redor do menino, com olhos maiores do que qualquer outra raça que ele já tenha visto e com bocas largas que iam quase de orelha a orelha, mas sem nenhum dente visível. A pele deles parecia verde, talvez pela iluminação das flores, enquanto os olhos brilhavam em menor intensidade agora na presença de luz. Suas cabeças tinham formatos diferentes e pareciam usar chapéus feitos com folhas, alguns com cabeças mais redondas, outros com cabeças mais quadradas ou achatadas no topo, mas todos com algum tipo de folha na cabeça. Ainda, todos eles possuíam orelhas enormes e extremamente móveis, mudando de posição toda vez que um deles falava algo. Apesar da baixa estatura, os membros inferiores eram bem torneados e pareciam fortes, sendo que ainda possuíam dois pares de braços cada um, com mãos grandes de quatro dedos. Alguns carregavam seus companheiros montados nos ombros, fazendo pilhas de até quatro daquelas criaturas, uma em cima da outra, o que explicava a diferença de altura dos pontos verdes que o menino viu antes.

- O quê? O que são vocês? - O menino perguntou, assustado - Vocês vão me comer?

- Comer?

- Comer menino? Finzzo não come meninos.

- Eu sou Finzzo!

- Eu sou Finzzo.

- Somos Finzzo, Finzzo.

- Tudo bem, tudo bem - O menino deixou a curiosidade vencer o medo, afinal, precisariam de dentes para comê-lo e essas criaturas não pareciam ter, foi o que pensou - Não consigo entender todos ao mesmo tempo. Você! Qual seu nome?

O menino apontou para o mais próximo deles, que tinha a cabeça redonda e uma grande quantidade de folhas verdes, finas e compridas no topo, pendendo para baixo.

- Eu sou Finzzo.

- E você? - O menino apontou para outro, um de cabeça comprida com folhas largas no topo.

- Finzzo, eu sou Finzzo.

- Mas vocês todos são Finzzo? - Perguntou confuso.

- Finzzo, Finzzo, eu sou Finzzo - Vários deles falaram, entusiasmados.

Não havia como o menino saber ainda, mas Finzzos se comunicam entre si através de diferentes timbres. Cada Finzzo possui um timbre único em sua voz e quando iam se referir uns aos outros, falavam a palavra “Finzzo” como nome próprio enquanto mimetizavam de forma exata o timbre do indivíduo ao qual se referiam.

- Tá bom, eu dou nomes para vocês - O menino falou, pensando - Que tal letras do alfabeto? Você foi o primeiro que conheci, então vai ser o “A” de… Açaí?

O menino falou, pois as folhas na cabeça do Finzzo lembravam a de um açaizeiro, estas que a mãe do menino usava para fazer artesanato, como cestos e chapéus. Quanto ao açaí, era uma fruta roxa com sabor terroso, mas que dava um suco e um pirão delicioso.

- “A” de Açaí - O Finzzo de cabeça redonda repetiu.

- E eu? - Perguntou o Finzzo com cabeça comprida.

- “B” de Banana.

- E eu? E eu? E eu? - Vários Finzzos perguntaram.

- “C” de… Caju? - O menino já estava confuso sobre quem era quem - Acho que podemos deixar isso para depois, na verdade. Primeiro, queria saber por que me trouxeram aqui se não vão me comer… ainda bem.

- Finzzo queria salvar menino… salvar menino… salvar, salvar - Alguns deles falaram.

- Salvar? Mas salvar do quê? - O menino perguntou.

- O necromante… necromante… de volta para casa… o rei necromante voltou - Falaram.

- Necromante? O que é necromante? - O menino nunca havia ouvido falar naquela palavra.

- Mau… homem mau… mata Finzzos, trás Finzzos de volta e mata Finzzos… trás de volta e mata Finzzos… agora voltou - Diziam em várias vozes diferentes.

- Ele quer matar vocês? - O menino não tinha entendido bem, mas estava tentando - Se for isso meu pai pode proteger vocês, ele é o mais forte do mundo, se a gente voltar pra casa eu explico pra ele.

- Não tinha outro humano na casa do necromante - “A” de Açaí falou - Menino era único vivo lá. Finzzo queria salvar menino.

- Isso não é verdade, meus pais estavam no quarto ao lado, vão ficar preocupados se eu não voltar.

- Finzzo sente, Finzzo ouve, na casa só tinha menino, ninguém mais - “A” de Açaí falou.

- Necromante pegou eles… foi o necromante… vai matar Finzzo - Outros Finzzos começaram a falar, inquietando-se e correndo de um lado a outro.

- Não vai, meu pai é forte, eu sei que ele está bem - O menino falou, sem se preocupar - Vamos achar meu pai primeiro e depois achamos esse necromante, daí meu pai acaba com ele.

- Mestre vai saber o que fazer - “A” de Açaí falou.

- Mestre sabe, Mestre sabe - “B” de Banana e “C” de Caju repetiram, logo sendo seguido por todos os outros na mesma fala.

- Quem é o mestre de vocês?

- Finzzo mostra, árvore grande, Finzzo mostra - Falaram, já agarrando o menino com várias mãos para levar.

-Espera, espera!

-O que Finzzo fez? - Perguntaram.

- É que… só tem uma coisa - O menino bocejou - Isso não pode esperar? Eu estava dormindo quando vocês apareceram, tô com… muito… sono.

- Hora do… descanso? - Um deles falou.

- Hora do descanso, hora do descanso - Vários deles repetiram ao mesmo tempo.

De repente, vários deles correram para várias direções e se entocaram em arbustos, deixando apenas o topo da cabeça de fora, onde haviam as folhas que rapidamente mimetizaram o formato das folhas do arbusto.

Sem muito tempo de reação, o menino foi novamente agarrado por uma dezena de mãos que o arrastaram e deitaram sobre um monte de folhas. Em seguida, vários Finzzos se jogaram por cima dele e o abraçaram, formando um amontoado de Finzzos em formato de arbusto. Apesar de dificultar um pouco a respiração, os Fizzos não eram nem de perto tão pesados quanto deveriam ser. Ainda, o ambiente formado pelo amontoado de Finzzos era quentinho e confortável, então não levou muito pro menino se sentir aconchegado.

- A propósito, esse é o Tobias - O menino falou, agarrando o travesseiro. Entretanto, ninguém o escutou, pois todos os Finzzos já dormiam pesadamente.



Pela manhã, todos os Finzzos acordam ao mesmo tempo, nos primeiros raios de sol. Inevitavelmente, o menino também foi obrigado a acordar.

- Comer, Comer, Comer, Comer - Todos eles falaram e começaram a correr para todos os lados, em grande velocidade. Em poucos instantes, todos estavam de volta, mastigando alguma coisa, ainda que não tivessem dentes.

Um deles, um Finzzo de cabeça achatada e com folhas pequenas e abundantes, se aproximou do menino e o entregou um cacho de frutas.

- Uau, isso é murici? - O menino perguntou - Eu sei que não nomeei o “D” ainda, mas posso te chamar de “M”? de Murici…

- “M” de Murici, meu nome é “M” de murici - O Finzzo gritou e saiu correndo pra contar aos outros Finzzos.

Murici era uma fruta do tamanho de uma acerola, amarela, com polpa macia e sabor agridoce e único, diferente de qualquer outra fruta. Segundo os pais do menino, quem comia murici não ficava doente, então ele se empanturrava sempre que via, pois odiava ficar doente.

Terminando de comer, os Finzzos se reuniram em volta do menino. Agora que estava dia, o menino podia ver melhor. A cor da pele deles variava entre diversos tons de verde e amarelo e as folhas na cabeça não eram um chapéu, mas brotavam literalmente deles. Não havia qualquer distinção entre machos ou fêmeas e havia pelo menos duas dúzias deles ali presentes.

- Menino precisa ver mestre… precisa conhecer mestre - Alguns falaram.

- Vocês… me levam? - O menino perguntou inseguro, já imaginando que seria arrastado novamente.

Sem grande novidade, várias mãos o agarraram e arrastaram floresta adentro em grande velocidade. Agora que sabia que ficaria bem, até que o menino achava divertido. Em pouquíssimo tempo, o menino foi colocado de pé no chão em frente a uma árvore colossal. Desde que entrou na floresta, tudo que o menino via era maior do que os seus olhos haviam se habituado. Todas as árvores pareciam monstruosidades na frente dele, até mesmo a casa que ele havia se abrigado era maior do que todas as casas que havia visto. Essa árvore, no entanto, parecia uma monstruosidade quando comparada a todas as outras árvores. O caule possuía quase o mesmo diâmetro da mansão que o menino estava morando, enquanto o topo nem sequer podia ser visto, criando uma grande sombra sobre todas as outras árvores próximas. Antes que pudesse sequer raciocinar sobre a grandiosidade daquilo, “A” de Açaí falou:

- Finzzo chama, menino fala.

- Eu o quê?

Sem explicações, todos eles fizeram um som único com a boca, quase como um grasnar. Ao terminar, todos saíram correndo e sumiram de vista, exceto um.

- Finzzo precisa… ir ali - “A” de Açaí falou, desaparecendo na corrida logo em seguida, deixando apenas o menino e Tobias para trás, diante da imponência daquela árvore.

Sem saber o que esperar, o menino começou a olhar para os lados, esperando para ver o que aconteceria.

- Olá? - Chamou, começando a sentir medo.

De repente, começou a sentir uma tontura, quase como se seus olhos estivessem lhe pregando uma peça. As folhas das árvores começaram a ganhar novas cores, enquanto os pássaros começavam a cantar mais alto e o menino podia jurar que o som do canto tinha um sabor doce. Ainda, um cheiro semelhante ao de manga madura subiu no ar.

- Bem vindo aos meus domínios, Keledor.

A voz não era ruim, mas era estranha ao menino, enquanto o nome tinha um sabor azedo.

- Como sabe meu nome? Eu não gosto desse nome - O menino sempre detestou o próprio nome, mas aceitava pois não tinha escolha de mudar - Pode só me chamar de menino, como os outros?

- Seu nome já lhe pertencia antes mesmo de você nascer, seus pais só fizeram o favor de lhe entregar o que era seu. Não acha de mau tom recusar um presente assim?

- E como eu posso ter algo antes de nascer, se eu nem existia? - Ele falava olhando para a grande árvore, pois acreditava que ela estava falando de volta .

- É uma pergunta muito grande para uma mente ainda em desenvolvimento.

- E o que isso quer dizer?

- Quer dizer que deve esperar - De repente, uma mão tocou no ombro do menino - Todas as suas respostas virão no tempo certo.

Olhando para trás, deparou-se com uma criatura humanoide tocando seu ombro. O rosto era humano, bonito e bem delineado, com olhos de um verde quase fluorescente. Os cabelos eram brancos e encaracolados, com um par de chifres emergindo da região acima da têmpora. No lugar da barba, haviam penas brancas que subiam da mandíbula até o topo das orelhas, dando a elas o aspecto de serem pontudas como a de um veneus, ainda que não fossem. O corpo era esguio, parcialmente coberto em cerdas macias e brancas, estas que cobriam os braços, as pernas e as costas. A pele exposta do peito e do rosto era como de uma fruta madura, variando entre o rosado e o vermelho. Não possuía genitália ou mamilos, enquanto suas mãos e pés tinham apenas quatro dedos cada. O cheiro de manga madura certamente vinha dele.

Ainda atordoado pela visão, o menino tentou recuar, sentindo uma grande vertigem e caindo de costas no chão.

- Me perdoe por confundir os seus sentidos - A criatura falou - Garanto que os efeitos passarão em pouco tempo.

Em seguida, a criatura estendeu a mão ao menino, para que pudesse se levantar. O menino não pegou, não por medo, pois a visão que tinha da criatura era mais bela do que assustadora. Estranhamente o menino se sentia mal em tocar aquela criatura com suas mãos sujas de terra, como se pudesse manchá-la de alguma forma e destruir aquela beleza.

- Quem é você? Você é a árvore? - O menino perguntou, ainda no chão.

- Eu sou muitas coisas e tenho muitos nomes - Enquanto a criatura falava, uma cama de folhas se formava abaixo do menino - Eu sou o orvalho, as frutas e flores de cada estação. Eu sou o som da chuva e o canto dos pássaros. Eu sou o que você é, o que foi e o que sempre será. Eu sou a natureza, em todas as interpretações da palavra. Aqui, você pode me chamar de Tar Katan, pois eu também sou a minha própria morada.

- Uau, isso foi confuso. Mas isso quer dizer que você é a floresta inteira? - O menino falou, surpreso, enquanto a cama de folhas crescia e o levantava, colocando-o de pé.

- Pode ver dessa maneira, se for mais fácil - Tar Katan falou, enquanto andava em direção à árvore e a acariciava com a ponta dos dedos - Mas não é sobre quem eu sou que devemos falar, é sobre quem você é, foi para isso que veio.

- Então… na verdade eu queria achar meu pai, pra depois ele bater em um rei que quer matar meus novos amigos - O menino falou, pois achou que Tar Katan estava confuso e não queria que ele pensasse que estava ali por outro motivo.

- Sente-se, quero lhe contar uma história.

Falando isso, as folhas que levantaram o menino logo tomaram a forma de uma poltrona confortável, como se todas as fibras houvessem se entrelaçado de forma perfeitamente natural. Enquanto isso, o centro do próprio caule da árvore assumiu a forma de uma cadeira grande e com várias flores, muito semelhante ao que tinha na casa, só que muito mais belo. Tendo sido formado, Tar Katan se sentou.

Não vendo outra escolha e interessado pela história, o menino também se sentou na poltrona de folhas, esta que era tremendamente confortável.

- Pois bem - Tar Katan iniciou - Diferente do que pensam, a natureza não existe por minha causa. Ao contrário, eu somente existo pois ela era antes de eu ser e será quando eu não for…

- Senhor Katan - O menino interrompeu, um pouco tímido dessa vez - Eu ainda sou criança, não entendo algumas coisas que diz. Achei que fosse outro tipo de história…

- Não se preocupe, jovem Keledor - Respondeu - Tudo fará sentido quando for o tempo de fazer.

- Acho que… tá bom então, quero ouvir o resto.

Sabendo que o menino gostava de falar, Tar Katan fez brotar diversas frutinhas do braço da poltrona de folhas do menino, essas que manteriam a boca dele ocupada enquanto ouvia.

- De todas as coisas, somente uma depende de mim para ser - Tar Katan falou - Aqueles que você conhece como Finzzos são fruto do meu espírito e estão intimamente ligados a mim.

- Então eles shão sheus filhoss? - O menino perguntou de boca cheia.

- Precisamente - Tar Katan falou, sorrindo - Esse é o lar deles, o único lugar em toda Zara onde eles existem e estão inteiramente sob meus cuidados.

- Eu entendo, shenhor - O menino disse, balançando a cabeça positivamente - O meu pai também cuida de mim.

- Infelizmente, eu não pude cuidar dos meus.

- Você está falando do rei necromante? - O menino agora aproveitava para mastigar e engolir enquanto Tar Katan falava, ao passo que novas frutinhas iam brotando.

- Sim, jovem Keledor, o rei necromante esteve nessas terras há não muito tempo. Aqui, ele me aprisionou e usou sua magia em meus Finzzos, profanando nossa conexão e impedindo que retornassem a mim.

- Uau, parece uma história de herói que minha mãe lia, só que de verdade - O menino falou - Você foi preso pelo vilão, algum herói libertou você?

- De fato, foi o que ocorreu - Tar Katan confirmou com um sorriso - Mas também não é sobre a heroína que devemos falar. O fato é que por crueldade do acaso, um necromante está de volta, exatamente nessa floresta.

- Mas agora que sabe que ele é mau, podemos impedir ele, os Finzzos são meus amigos também, não quero que se machuquem.

- Eis o meu dilema, jovem, a maldade não faz parte do que sou. Não existe e nunca existiu nenhum ser vivo naturalmente maligno, portanto, a maldade é um conceito que não compreendo.

- Eu sei o que é mau, homens maus caçaram baratas na minha casa. Se você me mostrar o necromante, eu digo a você se ele é mau.

- Contarei com a sua ajuda então - Tar Katan disse - Mas preciso lhe alertar de algo. Os homens que lhe fizeram mal sabem que está aqui e já estão na floresta. Infelizmente eles o encontrarão em breve, então serei compreensivo se quiser partir.

- Você pode me ajudar, senhor Katan? Só queria ficar com meus pais, você tem vários poderes legais, conseguiria se livrar deles rapidinho.

- Sinto muito, pequeno, eu não tenho permissão para causar qualquer prejuízo intencional a um mortal.

- Que chato então - O menino falou, fazendo bico - Você também precisa da permissão de alguém mais velho? Achei que já fosse grande.

- Dentre nós, ninguém é maior do que aquele que nos guarda - Tar Katan respondeu, referindo-se a outro conceito de tamanho.

- Então você também não vai poder derrotar o necromante? - O menino perguntou genuinamente confuso.

- Não posso, mas posso manter meus filhos afastados, se for necessário.

-Então tudo bem, eu acho - O menino pensou por alguns segundos - Vou ajudar você, senhor Katan, meu pai com certeza pode acabar com ele e aí não vai ter que esconder ninguém.

- Assim sendo, creio que já falamos sobre o que havíamos de falar - Tar Katan se levantou, enquanto o assento vagarosamente ia deixando de existir e ser apenas um caule de árvore - Ainda que não me veja, saiba que eu estarei com você. Quando decidir, quero que me diga se o necromante é bom ou mau.

- Mas espera! Senhor Katan, eu não sei onde ele está! - O menino gritou, quando viu que Tar Katan começava a se desmaterializar no ar - E eu preciso saber onde estão meus pais!

- Não se preocupe Keledor, você já sabe onde eles estão…

- Outra coisa senhor, esse aqui é o Tobias, eu esqueci de… - O menino parou quando percebeu que não sentia mais o cheiro de manga madura - Poxa… Desculpa Tobias.



Depois que Tar Katan desapareceu, o menino voltou para procurar os seus amigos Finzzos, mas eles haviam desaparecido.

- Gente, eu preciso voltar pra casa! - Chamou.

- Pessoal! “A” de Açaí! “B” de banana! - Gritava a plenos pulmões, sem obter qualquer resposta - “M” de Murici! Gente, onde vocês foram?

Antes de ir, Tar Katan falou que estaria com ele, ainda que não visse, mas o menino estava mais preocupado em fazer perguntas do que obter respostas, então não deu a devida importância a essa fala e só se lembraria muito depois.

Andou um pouco, depois mais um pouco, até que começou a ficar preocupado. Por outro lado, Tar Katan tinha razão, ele sabia onde os pais estavam, só havia ficado confuso com o que os Finzzos disseram, mas ele sabia. Os pais sempre sabiam quando ele precisava de ajuda, então era só chamar que eles com certeza viriam.

- Paaaai! Mãaaae! - Gritava o mais alto que podia.

Depois andou e andou, até ficar cansado, mas ninguém aparecia.

- Fique tranquilo Tobias, eles estão vindo, tenho certeza - Falou com o travesseiro encardido para passar o tempo - O que achou dos Finzzos?… ah, eles são legais sim, só falam muito, você não acha? Haha você tá mentindo, eu nem falo tanto assim, você que não cala a… - O menino ouviu barulho de folhas sendo pisadas - Espera, você ouviu? Acho que veio dali… pai?

Quem apareceu, no entanto, não foi seu pai. Saindo da mata, dois humanos altos de armadura negra e capa, com uma grande estrela vermelha estampada no peito. Um deles segurava uma balestra, enquanto o outro levou a mão na cintura assim que viu a criança.

- Atira! - O que estava com a mão na cintura falou, enquanto o menino paralisava de medo.

- O quê? Captura você! E se for humano? Não vou assumir a morte de uma criança inocente - O soldado da balestra respondeu.

- Que tipo de criança inocente ia estar andando tão longe na floresta? Você é estúpido? 

- Então capture, seu asno!

A essa altura o menino já tinha tomado coragem de dar meia volta e começar a correr. Porém, o soldado foi mais rápido e puxou da cintura uma boleadeira, formada por três esferas de metal prateado ligadas por uma corrente do mesmo material. O homem girou a boleadeira no ar e atirou contra o menino com bastante precisão. Antes de atingir, no entanto, o menino sentiu um repelão, obrigando-o a soltar Tobias no chão.

No mesmo momento sentiu seu corpo se mover com grande velocidade enquanto um dos soldados soava um apito bem alto.

- Menino amigo - “A” de Açaí falou enquanto carregava o menino no colo em grande velocidade - Finzzo ajuda amigo.

- “A” de Açaí? Por onde você estava? Você tirou eu e o Tobias de casa e me deixou sozinho! E agora o Tobias está sozinho! - O menino estava bravo, mas estava feliz de ver o amigo - Por que fizeram isso?

- Finzzos estão com medo de menino - “A” de Açaí respondeu -  Finzzos foram embora, mas “A” de Açaí não foi embora.

- Medo de mim? - O menino falou enquanto “A” de Açaí o colocava no chão.

- Menino é o rei necromante - O pequeno Finzzo falou e depois saiu correndo de novo.

- Espera! Eu não sou… volta aqui!

Mal havia acabado de gritar e o Finzzo voltou carregando Tobias.

- Teu - Ele falou enquanto devolvia o travesseiro ao menino.

- Você pegou de volta! Obrigado, mas eu não sou o rei… - O menino foi novamente agarrado pelos quatro braços da pequena criatura e carregado em grande velocidade quando dois cães de caça se aproximaram para pegá-los. Enquanto corriam, um terceiro cão se aproximou pela lateral e se jogou em cima dos dois, derrubando o menino e o Finzzo.

- Aaaah! - O menino gritou, pois morria de medo de cães.

Antes que um deles pudesse mordê-los, no entanto, “A” de Açaí abriu a boca o máximo que pôde e começou a fazer um som como de vários animais ao mesmo tempo, mas era tão estridente que o menino precisou tapar os ouvidos com as mãos. Para os cães, o efeito parece ter sido ainda pior, pois recuaram e depois saíram correndo para longe.

- O que foi isso? - O menino perguntou a tempo de ser agarrado de novo. 

- “A” de Açaí manda cão embora, mas menino não seguro, menino precisa…

Novamente o menino foi jogado no chão, dessa vez batendo com força, enquanto “A” de Açaí caía com uma boleadeira presa nas pernas. A visão do menino ficou turva por conta do impacto, mas deu o melhor que pôde para se levantar no mesmo momento.

- Não! Vem, levanta! - O menino gritou, tentando se aproximar do Finzzo enquanto ignorava a dor nos seus cotovelos e joelhos ralados.

O Finzzo rapidamente soltou as pernas da corrente, no entanto, o menino viu uma flecha atravessá-lo assim que ele ficou de pé.

- Não! “A” de Açaí, fala comigo! “A” de Açaí, a gente tem que fugir! - O menino então começou a puxar um dos braços do amigo ferido.

- Por… por favor! - O Finzzo tentou falar, então o menino desistiu de puxar, se ajoelhando ao lado dele - Por favor, “A” de Açaí não quer ficar longe do mestre dele, por favor, “A” de Açaí só queria ajudar amigo, por favor, não tira “A” de Açaí do pai dele, por favor… menino… por… - As últimas palavras do Finzzo foram interrompidas quando um dos soldados o arremessou longe com um chute.

- Sai fora, bicho feio! - O homem falou, enquanto levava a mão ao cabo da espada e o outro soldado atrás dele recarregava a balestra - Acabou, amigo, vai me mostrar agora se é barata ou não.

Olhando para baixo, no entanto, não encontrou uma presa encurralada. Apesar de estar de joelhos, os olhos do menino estavam vermelhos como brasas ardentes e o ódio em suas feições eram tamanhos que quase o colocavam na mesma altura que o soldado, obrigando-o a dar um passo para trás.

- Mas que p…

O despreparo do soldado lhe custou caro. Antes que pudesse terminar a fala, seu capacete foi arrancado da cabeça com um golpe lateral. Com os olhos da cor de brasa, o pai do menino saltou sobre o soldado, esmagando com uma pedra o rosto agora desprotegido do humano. No segundo ou terceiro golpe o soldado já estava sem vida, mas os golpes continuaram. O soldado com a balestra se apavorou e terminou de recarregar rapidamente, mas teve dificuldades em mirar sem acertar o companheiro, ainda que este já estivesse sem vida. Levou uns segundos a mais para mirar na cabeça do agressor, mas antes que pudesse atirar foi agarrado por uma mulher enfurecida. A mãe do menino agarrou-se nas costas do soldado, desferindo diversos golpes com uma faca de cozinha. A maioria dos golpes resvalaram na armadura do soldado, mas as poucas que acertaram o pescoço foram suficientes para colocar um fim ao combate. 

O cheiro forte de sangue e os respingos escarlate insistentemente traziam à superfície todas as lembranças que o menino havia tentado enterrar. Vagarosamente, os dois soldados recém abatidos se levantaram, enquanto o sangue parava de jorrar e suas feridas lentamente se fechavam. De joelhos ao lado do Finzzo morto, o menino fez silêncio, enquanto os quatro cadáveres ao seu redor gritaram de forma animalesca. O grito era angustiante, amargo, ardente e ao mesmo tempo um desafio. O menino sempre sentiu que a sua própria boca não era suficiente para expressar tudo o que tinha dentro de si, talvez por isso falasse tanto, mas agora essa limitação já não existia. Atraídos pelo grito, mais dois soldados chegaram, depois mais três, depois mais dois de novo. Espadas, lanças e balestras, nada que pudesse conter uma força da natureza, apenas moldá-la em algo ainda mais terrível. No final, só um cadáver não foi reanimado.

Apesar de agora ter diversos braços para apoiá-lo, o menino fez questão de carregar seu amigo nas costas, ainda que tenha lhe exigido muito esforço físico e pelo menos duas horas de caminhada em passos lentos. Queria que ele fosse para casa e que seu último desejo pudesse ser atendido, então colocou o corpo embaixo da grande árvore e pediu para que Tar Katan tomasse conta.

Finalizando a tarefa, percebeu que estava sem forças, então colocou-se nos braços da mãe para que ela finalmente o levasse para casa.


Tar Katan, Galagan - Ano 171 da terceira era


Por razões misteriosas, um selenita sempre conhece o seu poder, contanto que use ao menos uma vez. Usar os poderes novamente era como mover os dedos, você nem ao menos lembra como aprendeu a fazer. Mas com o menino era diferente, pois aceitar que tinha o poder era aceitar que seus pais haviam morrido e que ele estava só por todo esse tempo. Assim, contra a sua própria natureza, o menino se protegeu dentro de uma fantasia, aproveitando-se da sua solidão para mantê-la de pé. Infelizmente, a solidão não foi duradoura e ainda que tivesse voltado, não era mais a mesma pois a fantasia já havia sido destruída.

O último ano já não foi como o anterior. Sentado no grande trono de madeira da mansão, o menino viu os dias se arrastarem lentamente. As frutas não tinham mais o mesmo gosto, os móveis não lhe tratavam mais tão bem quanto antes, apesar de as roupas já começavam a querer lhe servir. Com o desaparecimento dos soldados na floresta, novos foram enviados, desaparecendo igualmente um após o outro. A cada vez apareciam em maior número, mas nunca o suficiente. Depois de muita pressão política, finalmente tomaram a atitude de enviar um exército, mas a essa altura o rei necromante já tinha o seu próprio.

Diferente das vezes anteriores, agora trouxeram novidades. Além de várias outras raças estarem presentes na investida, um novo tipo de pelotão foi enviado para a floresta, esses que ao invés de espadas ou balestras, carregavam um instrumento de madeira com um cano de metal na ponta, capazes de soltar pequenas esferas de argélio à grandes velocidades. No mundo de Zara, aquela era uma nova tecnologia, proporcionada pelo uso do que chamavam de ronorta, que significava literalmente “pó preto” em ma’la. Para o necromante, aquilo era algum tipo de magia capaz de soltar trovões sem luz, com sons terríveis que derrubavam seus soldados com facilidade. Uma vez que um ressuscitado morria pela segunda vez, não era possível trazê-lo de volta, o que gerava perdas ao necromante. Por outro lado, o argélio não possuía qualquer efeito especial nos cadáveres, não sendo capaz de interromper a magia, o que fazia o necromante desconhecer a existência do metal. De qualquer maneira, eram apenas cadáveres da Estrela de Sangue, então não precisava ter cuidado. Havia decidido que mataria o máximo deles até que chegasse sua hora e já havia matado bastante, então não se importava, apenas queria causar a eles pelo menos um pouco da dor que lhe causaram, antes que também fosse levado. As novas armas eram barulhentas e eficientes, mas demoravam a recarregar, dando brecha para que o necromante revidasse. Por outro lado, ainda que tivesse números, o rei necromante era um adolescente recluso e não tinha qualquer noção de estratégia militar, apenas atacava com ferocidade, permitindo que suas unidades se dispersassem. Quando se deu conta, havia soldados na porta de sua casa.

O menino estava sentado no trono, ao lado do pai e da mãe. Quando o último ressuscitado do lado de fora da casa caiu, os demais estavam muito longe para se reagrupar. Aquele definitivamente era o seu fim, mas pelo menos deu o seu melhor. Com uma das novas armas com som de trovão, a fechadura foi destruída e a porta se escancarou. Inesperadamente, ninguém entrou. Gritos começaram a ser ouvidos do lado de fora, junto do som de diversos objetos se chocando. Sem ter soldados para olhar por ele e receoso de perder novamente seus pais, o menino se aproximou da janela da frente para ver o que acontecia, deixando Tobias no trono. Do lado de fora, parecia chover pedras sobre os soldados. Algumas vinham lateralmente, muitas outras caíam de cima das árvores, enquanto pequenas criaturas corriam de um lado a outro, derrubando e confundindo os inimigos.

- Mas… por quê? - O menino perguntou, confuso, pois os Finzzos o temiam e se escondiam dele, não tendo avistado nenhum desde a morte de “A” de Açaí.

Com a distração, o necromante pôde reunir novamente suas tropas, arruinando os planos da Estrela de Sangue. Muitas tropas foram perdidas, mas para cada um da Ordem que caía, o necromante conseguia um novo membro. Não era preciso qualquer contato físico para levantar os caídos, apenas precisava que o menino ou um de seus soldados estivessem presentes. Todos aqueles que haviam entrado na floresta antes, não haviam saído, então tudo o que se sabia sobre a floresta eram boatos a respeito de um necromante que há muito tempo havia estado ali. O despreparo da investida tornava a vitória quase impossível para a Estrela de Sangue.

Aquela foi a pior derrota da Ordem desde a sua fundação. Mesmo com novas tecnologias e com muitos investimentos, os dias de glória da Estrela de Sangue haviam passado. Forjada sobre os pilares da honra e da justiça, receberam autoridade acima de qualquer fronteira, tornando inevitável que os pilares fossem maculados pela corrupção. Os poderosos selenitas da antiga era foram mortos e os grandes desafios vencidos, tornando a nova geração de soldados preguiçosa e soberba. O que antes havia sido a elite do militarismo, fundada para derrotar os mortais mais poderosos do planeta e livrar o mundo da opressão, agora não eram mais do que infanticidas que assumiram o papel dos opressores. O orgulho de uma ordem suprema e inabalável agora havia sido estilhaçado. Subestimar os selenitas enfraqueceu a ordem e isso sairia muito caro.

Ao fim da batalha alguns sobreviventes fugiram, diferente das vezes anteriores, mas o menino não se importou. No momento, precisava se certificar que seus olhos não o enganaram. Era verdade que considerou impossível receber ajuda dos Finzzos naquela batalha e isso acabara de acontecer, mas durante a confusão jurou ter visto algo ainda mais impossível. Do lado de fora da casa, vários Finzzos corriam e falavam uns com os outros, alguns subindo nos ombros e na cabeça dos soldados ressuscitados. Vendo que o menino saiu da casa, todos correram e se juntaram ao redor dele, encarando-o com olhos grandes e sorrisos largos. Porém, apenas um deles se destacou em relação aos demais. Um pequeno Finzzo de cabeça redonda com diversas folhas verdes, finas e compridas no topo se aproximou.

- Menino amigo.

- Mas… isso não tem como - O menino falou, incrédulo - Não tem como… eu não te trouxe de volta.

- Finzzo nasce de novo - “A” de Açaí respondeu - Menino não separou “A” de Açaí do pai dele, então nasceu de novo.

O menino tinha muita coisa pra dizer e muitas perguntas para fazer, como sempre, mas concluiu de forma muito madura que nenhuma palavra traduziria o que estava sentindo naquele momento. Assim, agarrou forte o Finzzo na sua frente e o abraçou com a maior força que tinha, permitindo pela primeira vez em muito tempo que algumas lágrimas de alegria escapassem de seus olhos.

Depois de um tempo, o menino o largou, então os Finzzos começaram a falar:

- Desculpa.

- Finzzo pede desculpas.

- Desculpa Finzzo.

Todos eles falavam e entregavam uma fruta ao menino, de diferentes variedades.

- “A” de Açaí contou a Finzzos sobre menino - “A” de Açaí falou - Finzzos não tem mais medo de menino.

- Ainda… ainda bem - O menino falou, enxugando o rosto com as costas da mão e pegando algumas frutas - Eu estava com fome mesmo, acho que vou aceitar o pedido de desculpas. “C” de Caju, “M” de Murici, eu senti saudades…

Depois de um tempo, o menino aproveitou para nomear outros Finzzos de acordo com as frutas que lhe deram, todas nativas da floresta. 

- A propósito, esse aqui é o… ai, poxa, deixei o Tobias lá dentro - Antes que pudesse voltar pra pegar sua mãe já estava saindo com ele nas mãos - Aqui, gente, quero que conheçam o Tobias.

Finalmente, havia conseguido apresentá-lo a alguém. Com incredulidade, os Finzzos encararam o travesseiro mais imundo de toda Zara. Mais tarde, ainda naquele dia, os Finzzos não suportaram o mau cheiro e roubaram Tobias do menino, devolvendo dois dias depois completamente lavado.



Após a batalha o exército do rei necromante cresceu ainda mais. Aqueles que eram revividos cumpriam os desejos do menino, não dormiam, não se alimentavam e não sentiam cansaço, sendo sustentados pela fonte inesgotável de magia que fluía dele. O menino também podia ver e falar através dos cadáveres reanimados, sem qualquer desgaste. Unindo isso à audição e grande velocidade dos seus novos aliados, a presença do rei necromante na floresta de Tar Katan se tornou quase absoluta. Para os de fora, o rei necromante era como uma entidade onipresente da floresta, curiosamente, isso não era muito distante da realidade. Ainda, os poucos soldados que escaparam da última investida relataram o ocorrido e a notícia logo se espalhou pelos três grandes reinos, tornando a floresta de Tar Katan um território perdido.

Dias depois, após muita conversa paralela e confusão, o menino compreendeu como o seu amigo voltou. Por mais que os corpos dos Finzzos pudessem morrer e serem devorados pela terra, o espírito retornava à Tar Katan, que podia permitir a eles nascerem novamente do próprio solo, como um fruto. Sabendo agora que nunca mais estaria sozinho e sem poder mais negar a própria natureza, o menino tomou uma decisão importante. Chorou por muitos dias antes de conseguir, mas foi abraçado por seus amigos e finalmente cavou duas covas no quintal da casa, onde deixaria seus pais descansarem em paz. Sentiu-se privilegiado, pois não são todos que podem dar um abraço nos pais uma última vez antes de perdê-los para sempre. Naquele momento todos colocaram flores sobre as sepulturas e fizeram silêncio. Apesar de todas as flores e algumas frutas no meio, o cheiro de manga madura era o único que se sobressaía, relembrando o menino das últimas palavras que trocou com Tar Katan.

- Acho que… acho que ele não é mau, senhor Katan - O menino falou em voz baixa, finalmente cumprindo sua promessa.



Tar Katan, Galagan - Ano 174 da terceira era


Em uma tarde qualquer, três indivíduos entraram na floresta de Tar Katan, procurando por alguém.

- Tem certeza que é por esse caminho? - Um deles perguntou, um kruig adulto de pele azul claro.

- Estou seguindo exatamente o mapa que ela desenhou - Um humano adulto de cabelos longos e loiros respondeu.

Ao lado dele, um menino humano de pele morena e cabelos cacheados caminhava com certa insegurança.

- Daqui a pouco vai escurecer - A criança falou.

- Não se preocupe, logo logo ele vai nos encontrar.

- Como assim nos encontrar? não somos nós que estamos procurando por ele? - O kruig perguntou.

- Isso mudou quando entramos aqui - O humano respondeu, com calma.

Passado algum tempo, ouviram um barulho de algo caindo entre as folhas.

- Já estava na hora - O humano loiro disse.

- Mas o quê exatamente foi isso!? - O kruig perguntou, tentando abaixar o tom de voz.

- Ali, tem um saco ali - A criança apontou com o dedo em direção a uma árvore.

No chão, em frente à árvore, havia um saco de pano, cheio com alguma coisa.

- Sua vez, vai lá ver - O humano adulto falou para o kruig.

- Eu!?

- Claro que é você! Quem mais seria? A criança? Honre o seu nome!

- Eu não sei mais porque eu ainda ando com você - O kruig resmungou, andando em direção ao saco de pano - Se eu morrer aqui no meio desse mato...

- Fique tranquilo, se você morrer ele te traz de volta - O humano brincou.

- Ha Ha… muito engraçado - Zombou o kruig, agora de frente para o saco.

Abaixando-se, desatou a corda que amarrava a boca do saco, olhando ao redor em busca de quem podia ter jogado aquilo ali. A mata era muito densa e a luz do sol já estava indo embora, então não era uma tarefa fácil. Vendo que não tinha escolha, apenas abriu logo para ver o conteúdo.

- Aaaah! - O kruig gritou, caindo de bunda no chão e se arrastando para trás enquanto uma grande quantidade de baratas saía de dentro do saco.

- Cara… é sério isso? - O humano perguntou, com ar de decepção - Está envergonhando toda a sua raça.

A criança pensou em rir, mas se conteve pois também estava com medo.

- O quê? Eu me assustei! Você também teria…

- QUAL O PROBLEMA? NÃO ERA O QUE PROCURAVAM? - Uma voz alta veio de todas as direções, como se várias pessoas falassem ao mesmo tempo.

- Aaaah - O kruig deu um novo grito de susto, mas totalmente contrário ao que se esperaria, ele rapidamente se levantou e se colocou em frente aos dois humanos, sacando uma espada e se colocando em posição de defesa.

- ACHEI QUE TODOS VOCÊS CAÇASSEM BARATAS! - As vozes falaram.

De repente, diversos soldados da estrela de sangue saíram da mata, encurralando os três invasores. Dentre eles havia humanos, kruigs, vanar e até jonts. Alguns deles estavam sujos de sangue seco, com suas armaduras deformadas, mas nenhum parecia ter ferimentos mortais. Alguns possuíam grandes cicatrizes no rosto, como se tivessem sofrido um ferimento muito grave que se recuperou, mas todos seguravam alguma arma na mão. As armas variavam entre espadas, lanças, machados, arcos, balestras e até as novas armas de fogo usadas no último grande ataque.

- Não se preocupe - O humano falou - Nós não caçamos baratas, nós somos as baratas.

Um soldado humano se aproximou, curiosamente, seus olhos eram vermelhos como o fogo.

- E o que quer dizer com isso? - O soldado de olhos vermelhos perguntou, dessa vez os demais mantiveram silêncio - Sempre caçam baratas, mas somente matam pessoas.

- É assim que eles nos chamam, é assim que nos vêem, como baratas - O humano não parecia ter medo, apesar de estar encurralado.

- E POR QUE EU NÃO DEVERIA JUNTÁ-LOS AO MEU EXÉRCITO IMEDIATAMENTE? - As vozes falaram em uníssono novamente.

- Mas foi exatamente para isso que viemos.

- O quê!? Tá ficando maluco? - O kruig perguntou, irritado - Falando assim ele vai interpretar errado.

- Mas acho que tenho mais serventia vivo. Eu e você temos o mesmo objetivo - O humano falou, ignorando os protestos do kruig - Nós estamos na mesma guerra.

- Uma… guerra? - O soldado dos olhos vermelhos perguntou.

- Nós contra eles, as presas contra os predadores. Nós, os selenitas, contra eles, os malditos soldados da Estrela de Sangue. Estes animais abomináveis que nos caçam, nos matam e destroem tudo que amamos.

- O que é… um… selenita? - Perguntou com a voz de um soldado kruig que estava atrás deles.

- É o que nós somos, é por isso que temos poderes - O humano explicou, sem demonstrar espanto - E nós não somos os únicos, outros da nossa espécie estão tendo que viver escondidos pelo mundo por conta dessa mesma escória que invadiu sua floresta.

- Quantos outros? - Apenas alguns dos mortos vivos perguntaram, em voz baixa.

- Não muitos, infelizmente, mas é por isso que precisamos de você.

De repente, os olhos do soldado deixaram de ser vermelhos, enquanto todos os outros apenas ficaram parados, encarando os três invasores.

- E agora? - O kruig perguntou - Eles tem aquelas armas novas, não vou conseguir proteger a gente se atirarem.

- Dê tempo a ele, não esqueça que ele é mais jovem do que nós dois, não deve ser fácil para ele processar isso tudo.

Passados alguns minutos, os olhos do soldado voltaram a ser vermelhos.

- Mas o que querem de mim?

- Refúgio, para nossa espécie. Um lugar livre das mãos da Estrela de Sangue. Um lugar onde não precisaremos apenas nos defender, mas poderemos revidar.

- Não… temos… como… vencer! Eles… nunca… param - Cada palavra foi dita por um soldado diferente em voz alta - Nunca!

- Bem… talvez você mude de ideia - O homem loiro falou, colocando as duas mãos sobre os ombros da criança - Quero que conheça o Corah, nossa maior arma contra a Estrela de Sangue.

A criança reagiu timidamente à fala, não parecendo muito confiante do que era dito. Ao lado dele, o kruig fez um aceno positivo com a cabeça e levantou o polegar direito. Inclinando a cabeça lateralmente, o soldado de olhos vermelhos analisou a criança de cima a baixo.

- Não parece muito impressionante - Falou de forma natural, como se abandonasse o teatro de tentar parecer assustador com os estranhos - E você, quem é?

- Bem, quanto a mim… você pode me chamar de Sabre.


...


Fim!


Espero que tenha curtido mais este capítulo de Zara! 


E lembrando que há vários outros aqui:


A luta de um Kruig em "Ambição"


A jornada de um Selenita em "Sofrimento"




Todas essas histórias fazem parte desse vasto universo de Zara, e ainda há muito mais pra contar.

Obrigado pela leitura, sempre.

Vlw!

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2 Comentários

  1. Saca, essa foi uma das histórias que me fez chorar não por tristeza, mas por pura alegria. Eu amei o pirralinho ressuscitador de mortos, ele é um fofo, e merecia ficar livre pra viver na dele. Infelizmente pelo que parece o pessoal não respeita ele e já tão querendo arrastar o tadinho pra uma guerra da qual ele nem precisa participar.

    Ele já venceu a própria guerra! Aliás, é bom poder comentar em algo pra variar huahua (FIRST!!!!)

    Então sr Ed, essa história é bem rápida, cheia de fantasia e muito agradável, mesmo tendo umas reviravoltas pesadas. Confesso que tá ali no pódio das favoritas, mas fico temeroso com relação ao garotinho no futuro.

    E, eu amei os Finzzos! Cara, eles são tipo os Kokiri misturados com os Kiwi e os Koroks da franquia Zelda, mas com suas próprias características. Poxa me lembraram até as bolinhas pretas espirituais do Kena - Bridge of Spirits (os Rots), e ainda assim eles são tão únicos, com esse jeito de se esconderem na floresta... lembrou os gnomos de Bramble - King of the Mountain (esses dois jogos são meus indies favoritos). Mais um ponto da mitologia de Zara que me apaixonei.

    E, nem dá pra esconder meu gosto pela arte de invocar os mortos né? De todos os poderes que conheci de Zara, esse é meu predileto.

    De resto, história impecável como de costume. Aliás muito obrigado por permitir ilustrar a capa e pela ajuda também.

    See yah!

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    1. Irmão, muito obrigado por todo o apoio que tem dado pra que essas histórias ganhem vida! Os Finzzos agradecem também, todos eles.
      Sinto muito por te deixar apreensivo com o futuro hahaha prometo me esforçar pra que valha a pena.

      Excluir

Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.

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