História: O Mundo de Zara - Fome - Por Sr Ed

Esse capítulo de Zara foi sem dúvidas o que mais me arrepiou, principalmente com a revelação no fim. Eu fui pego de surpresa e, estou sedento por mais dessa história.

Aqui, conhecemos a jovem Lana em sua sofrida sobrevida, encontrando em um amigo uma chance de finalmente vencer sua maior fome. 

É curioso como a história tem começo, meio e fim, mas também amplia ainda mais esse universo criado por Ed. Agora mostrando a natureza de uma pequena veneus, o posicionamento cronológico na composição geral da história desse mundo favorece as surpresas, e muito. Difícil não ficar perplexo com o final aqui, ao ter lido os outros contos. Mas mesmo sem ter lido, essa história se basta, e é totalmente independente, assim como as demais.

Como um todo, tudo é combinado em um contexto maior, mas seus personagens, antológicos (como amo) não precisam necessariamente se encontrar pra se influenciarem. Todos participam de uma mesma macro história, muito bem arranjada e contada, e suas pequenas histórias são como conhecemos esse vasto mundo.

Ainda tem toda a questão dramática da obra, onde se emocionar é quase obrigação. É uma história repleta de alegria cercada de tragédia, feliz, pela inocência e simplicidade dos protagonistas, mas triste pela realidade em que se encontram.

Enfim, espero que goste, pois eu amei.

Boa leitura.


Calcamor, Partemus - Ano 670 da segunda era.


    A barriga estava roncando como sempre, o corpo encontrava-se fraco e dolorido por diversas causas. Havia tomado uma surra das outras crianças recentemente, uma vassourada de um comerciante irritado e como sempre havia dormido em um chão duro e frio. De todas essas dores, a dor da fome era a que mais se destacava. 

Considerava como sua maior desvantagem o seu tamanho, pois, sendo veneus sabia que não cresceria mais do que um metro e quarenta quando fosse adulta, sendo ainda menor que isso agora que tinha apenas 13 anos. Essa desvantagem poderia ser usada a seu favor, já que assim ela podia fazer uso da furtividade para afanar alguns condimentos, mas um dos últimos ensinamentos que sua mãe lhe passou antes de partir foi a nunca roubar, que isso era uma coisa muito feia de se fazer, que roubar era artifício de pessoas ruins e que as pessoas ruins não entrariam no paraíso, teriam que iniciar um novo ciclo assim que morressem e estavam condenadas a repetir até que se tornassem pessoas melhores. Lana já estava cansada do ciclo atual e lhe amedrontava a ideia de iniciar outro. Se a fome lhe matasse, pelo menos iria ao paraíso e reencontraria sua mãe em um lugar onde segundo ela a fome não existia. Por outro lado, se deixar morrer também não era permitido, então ela precisava dar o seu melhor.

Calcamor é a capital do reino de Partemus, abrigando a cidade homônima mais rica do mundo. Escondida atrás de todas aquelas construções de mármore branco, comércios luxuosos e teatros enfeitados ficavam as regiões periféricas da cidade, onde crianças e animais de rua precisavam disputar de igual para igual os alimentos que sobravam no chão ao final do dia, quando os comerciantes da feira retiravam suas bancas. O que sobrava normalmente eram frutas estragadas e alimentos pisoteados, tendo ainda que disputar com um grande número de crianças. Havia a possibilidade de pegar do chão durante o dia, enquanto a feira ainda estava movimentada, mas Lana já acumulava uma variedade significativa de cicatrizes advindas de vassouradas, chutes e chicotadas que recebera ao tentar adquirir o seu sustento diário.

Vasculhando a lixeira de alguns restaurantes também era possível encontrar nutrientes valiosos, e era exatamente isso que estava tentando no dia. Esperou que os funcionários se retirassem e entrou no beco ao fundo de um restaurante conhecido da cidade. Lana já havia ganhado uma boa surra lá então aprendeu que devia esperar os funcionários irem embora antes de tentar algo. Para ela, aquilo não fazia sentido, até compreendia quando uma outra criança lhe agredia enquanto disputava por um pedaço de pão, mas não conseguia imaginar aquelas pessoas com tanta fartura tendo que comer do lixo, sendo assim, por quê se importavam tanto com o que ela pegava? Pensava talvez que fosse a sua aparência suja e maltrapilha que causava desconforto nas pessoas, assim elas sempre se apressavam em expulsá-la de qualquer lugar onde ela estivesse. Aproximando-se das lixeiras, precisava virá-las para ver o conteúdo, já que não tinha altura para pegar por cima. Virou a grande caixa de madeira lentamente, para que assim o líquido e o chorume que estava ao fundo não se misturassem com a comida mais nova que estava em cima. Dentre a mistura nojenta que havia ali, conseguiu ver uma fatia de uma torta doce já mordida que podia ser salva, alguns restos de macarrão, pedaços de pão recheado sem o recheio e uns restos de peixe frito que ainda não estavam tão estragados. Lana comeu ali mesmo o que conseguia, mordiscando uma coisa ou outra que não estavam tão ruins e descartando o resto. Entre as mordidas sua fome ia embora, dando lugar à sede, mas que ela conseguiria saciar assim que fosse ao rio, só precisava caminhar mais de um quilômetro até lá. Decidiu guardar o pedaço da torta na sua bolsinha de tecido grosso que carregava ao lado do corpo, caso sentisse fome durante a noite teria algo para mordiscar. Dentro da bolsa havia também algumas flores, algumas pedrinhas que achou no chão e que tinham uma cor diferente que lhe agradava, uma colher de madeira com o cabo quebrado e um pequeno espelho que sua mãe lhe deu de presente. Quando estava prestes a sair do beco, duas crianças humanas estavam entrando, ambas parando ao ver a veneus mexendo na bolsa.

    - Ô, o que tem aí dentro? - uma das crianças perguntou. Ambos eram maiores que ela, provavelmente tendo a mesma idade ou até mesmo sendo mais jovens. Os dois tinham uma pele morena, provavelmente de pegar sol e um deles era um pouco mais alto que o outro.

    - Na.. Nada - Lana gaguejou, fechando a bolsa.

    - Se fosse realmente "nada" não estaria escondendo, me dá a bolsa - o garoto maior disse.

    - Estamos com fome também, você já mexeu na lixeira aí de trás né? - o garoto menor apontou, com uma postura menos agressiva que o seu companheiro.

Lana havia comido da lixeira e sabia que restava pouca coisa aproveitável, então decidiu entregar o pedaço da torta que havia guardado na bolsa, assim ninguém saía perdendo. Antes que pudesse tirar, o garoto maior tomou a bolsa de sua mão e a empurrou.

    - Me dá isso! - ele disse enquanto abria e olhava o conteúdo - Olha só, isso aqui é "nada" pra você? Vamos ficar então.

    - Não! - Lana gritou - Pode pegar a comida, mas a bolsa foi minha mãe que deu, me devolve!

    - Cid, dá a bolsa pra ela, não tem mais nada aí dentro além da torta - o garoto menor falou.

    - Não, ela não queria entregar pra gente. Além disso, esse reino é nosso, quem tem que comer somos nós. Se a gente cortar essa essa orelha pontuda dela, será ela que vira humana?

Lana estremeceu diante da ameaça, suas orelhas pontudas eram características da sua raça, assim como seus olhos ligeiramente maiores. Se ela não estivesse coberta de sujeira, Lana seria uma criança veneus bem aparentada, seus cabelos eram crespos e pretos, sua pele era negra e seus olhos eram de um castanho bem claro, além de andar sempre com uma flor diferente acima da orelha esquerda.

    - Para Cid, tá assustando ela, pega só a comida e vamos - o menor disse ao companheiro.

    - Tanto faz - o outro respondeu - mas vou ficar com esse espelho também - ele disse enquanto retirava o espelho e logo em seguida jogava a bolsa de pano no rosto de Lana.

    - Não! Devolve! - Lana segurou a bolsa e correu para cima do garoto, se esforçando para recuperar seu pertence.

   - Sai daqui - o garoto tentou afastar a pequena veneus colocando a mão aberta em sua testa e a segurando.

O garoto menor se colocou no meio dos dois e afastou Lana com um empurrão, dizendo:

    - Sai fora, você disse que queria a bolsa e ele te devolveu, deixa a gente comer também!

Lana ignorou o que foi dito e continuou avançando para cima do maior na tentativa de recuperar seu espelho, gritando:

    - Devolve, devolve!

    - Quer saber!? - O garoto maior gritou levantando a mão para dar um tapa no rosto da criança. Antes de completar o golpe, inesperadamente, foi atingido na cabeça por uma ripa de madeira.

    - Por que não tenta roubar de alguém do seu tamanho? - Quem disse isso não era bem do mesmo tamanho, mas a ripa de madeira na mão equilibrava as coisas. O menino que atacou de surpresa também parecia um garoto de rua, seus cabelos eram pretos e lisos, mas estavam imundos e bagunçados, sua pele era branca mas estava completamente manchada de poeira e suor, suas roupas eram bege mas já estavam totalmente amareladas. Para Lana não restava dúvidas de que era um menino de rua, só era estranho alguém aparecer para lhe ajudar.

    - Vai querer também? - Ele disse para o garoto menor enquanto balançava a ripa de madeira no ar.

    - Você é doido? Você machucou ele - O garoto menor disse - A gente só quer comer, você devia entender isso.

    - Se querem comer então vão roubar de alguém que tenha, deem o fora daqui senão acabo com os dois - Os olhos do menino e a arma improvisada na mão pareciam assustadores para Lana, mas não apenas para ela.

O garoto menor rapidamente ajudou a levantar o seu companheiro e se retirou do local, deixando a fatia de torta e o espelho jogados ao chão. O que antes possuía uma postura agressiva, agora estava atordoado e apenas seguiu o direcionamento do companheiro menor.

Tendo os dois sumido de vista, o menino largou a ripa de madeira para o lado e se abaixou diante do pedaço de torta, enquanto Lana corria e agarrava o espelho, rapidamente limpando nas roupas e guardando na bolsa.

    - Sujou um pouco - O menino disse - Mas se bater um pouquinho a terra ainda dá pra comer, pega - ele estendeu a mão com a fatia de torta na direção de Lana.

    - Obrigada - Ela disse limpando as lágrimas do canto dos olhos e pegando de volta sua fatia -  Obrigada por me ajudar também, esse espelho foi presente da minha mãe.

    - Você conheceu sua mãe? Isso é legal, eu queria ter conhecido a minha. Aliás, meu nome é Bart, desculpa se te assustei com a ripa de madeira, era o que eu tinha pra usar - O menino disse de modo risonho enquanto coçava a parte de trás da cabeça.

    - Tudo bem, desculpa por não conseguir me proteger sozinha - Lana disse com o olhar baixo.

    - Não peça desculpas por isso, eles quem deveriam estar se desculpando - o menino se virou - Venha, estou indo pro rio Zimbro limpar a fuça, não vou deixar mexerem contigo.

Lana não entendeu bem a razão, se o convite viesse de outra pessoa provavelmente recusaria, mas simpatizou com o menino assim que ele disse a primeira palavra, talvez por ambos estarem em situações semelhantes, talvez pela forma que ele falou, de alguma maneira sentiu algo familiar vindo dele. Fez um meio positivo com a cabeça e o seguiu.

A cidade mais rica do mundo não era tão bonita quanto muitos pensavam, as áreas periféricas da cidade acumulavam toda a negligência do reino com a população pobre, mas que era maquiada por toda a beleza do centro e que facilmente passava despercebido pelos visitantes. Da entrada principal até o grande castelo rubro, a residência real, era como uma espinha dorsal de luxuosidade, com ruas bem pavimentadas, construções suntuosas e pessoas bem vestidas. Ao longo dessa espinha dorsal haviam os comércios de produtos mais finos e o centro cultural do reino, com teatros e musicais famosos. Ao redor de toda essa luxuosidade haviam as residências mais ricas, com arquitetura da primeira era, marcada pela presença de construções em mármore e grandes colunas decorativas. Ao redor das residências mais ricas haviam as consideradas mais simples, mas não tão simples assim, feitas de madeira envernizada e famosas pelos telhados vermelhos e bem ornamentados. Ao redor dessa área residencial havia outra área comercial, um pouco mais acessível, normalmente onde Lana conseguia obter o seu sustento, tendo feiras, restaurantes, lojas de roupas e outras variedades. Ao redor dessa área comercial havia o submundo do comércio, onde vendia-se produtos roubados e ilegais, lugar onde a maioria das crianças na mesma situação que Lana construiriam sua carreira futura. Ao redor do comércio ilegal haviam barracas e residências mais pobres, sem qualquer infraestrutura e saneamento básico. Ao redor dessas residências pobres havia a muralha. Essa muralha cercava toda a cidade de Calcamor, possuindo algumas pequenas passagens ao longo dela, além da entrada principal. Essas pequenas entradas eram protegidas, mas não pela guarda. Por se encontrarem em locais desfavorecidos, o próprio rei contratava mercenários para protegerem essas passagens, garantindo que as defesas da cidade permanecessem intactas. Na prática, essas pequenas passagens foram formas paliativas de manter a integridade da muralha, já que devido ao seu grande comprimento, ficava difícil protegê-la da constante depredação por parte dos comerciantes ilegais que sempre davam um jeito de abrir pequenas passagens por onde seus produtos circulavam, além da entrada e saída de pessoas. Havendo essas passagens, Lana e os demais indivíduos da periferia eram proibidos de transitarem pela área que circulava a "espinha dorsal", já que a presença dessas pessoas perto da entrada principal prejudicaria a imagem da cidade mais rica do mundo. Havia um passe que todos deveriam possuir para transitar na área nobre, mas que era pouco utilizado na prática, pois a guarda julgava quem poderia transitar apenas pela aparência das roupas.

Ao lado de fora da muralha também era apinhado de residências pobres e seguindo mais ao norte passava o rio Zimbro, que servia de abastecimento para a grande cidade.

Lana e Bart atravessaram por uma dessas pequenas passagens e depois seguiram ao longo da muralha até chegar ao rio. Não costumavam ter problemas com a guarda mercenária dali, só não permitiam que pessoas entrassem com armas, vez ou outra até pediam para ver o conteúdo da bolsa de Lana. No caminho, o menino foi puxando assunto:

    - Você não me disse o seu nome, o meu na verdade é Bartolomeu, mas gosto de ser chamado de Bart só - Ele dizia sempre com um tom bem humorado.

    - Eu sou Lana, sou uma veneus.

    - É, eu percebi, suas orelhas denunciaram.

Lana colocou as mãos nas pontas das orelhas e abaixou o rosto com vergonha. Sua orelha não era maior do que a de nenhum indivíduo de sua espécie e idade, mas como convivia sempre entre humanos era comum que achasse elas grandes demais e se envergonhava daquilo.

    - Não fique com vergonha, acho suas orelhas bonitas, assim como os olhos dos vanar e a pele dos kruigs, como humano acho que não tenho nada especial.

    - Vocês dominam esse reino - Lana disse ainda com vergonha, principalmente depois de o garoto elogiar suas orelhas - Os veneus não tem reino.

    - Não deixa o que esses garotos burros falam entrar na sua cabeça. Do que adianta dizer que o reino é dos humanos se a gente está aqui com fome? Eu particularmente não tenho nada, não posso dizer que o reino é meu.

Lana não se considerava muito sábia, então recebia as palavras do menino com grande admiração, principalmente considerando que os dois deviam ter a mesma idade. Como se lesse os pensamentos de Lana, ele perguntou:

    - Quantos anos tem? Com a diferença de altura fica difícil saber, com todo o respeito, já conheci um veneus adulto antes e achava que ele tinha a minha idade.

    - Tenho treze - ela disse, interrompendo os pensamentos.

    - Viu só? Nossa, você tem um ano a mais que eu, completei doze faz duas semanas, comemorei fugindo do abrigo - o garoto deu uma gargalhada depois de contar.

    - Do abrigo? Como você fez pra entrar no abrigo? - Lana perguntou com curiosidade, atraída pelo próprio significado da palavra.

    - Fui deixado lá quando era bem pequeno, mas o abrigo não é o que parece, nenhum de nós precisa de lá.

    - Eu gostaria de ter um lugar quentinho para dormir - Lana respondeu pensativa.

    - Não compensa as surras que eles nos dão, estou muito melhor aqui - o menino apontou para frente - Olha o rio ali, quem chegar por último é um bebê mijão.

Ele disse isso e saiu disparado na frente.

    - Ei, isso é injusto, você saiu antes! - Lana começou a correr atrás para chegar ao rio. Não tinha muitas oportunidades para se divertir, mas ainda era uma criança e como tal era facilmente atraída por qualquer tipo de brincadeira.

Bart correu à frente, sempre controlando a velocidade para não ir muito distante de Lana e acabar desanimando a menina, mas ainda assim rápido o suficiente para vencer, pois não queria ser o bebê mijão. Lana chegou logo atrás dele, não percebendo que Bart havia pegado leve e sentindo que quase conseguiu vencer. Frustrada por chegar tão perto da vitória, jogou um pouco de água em Bart, que logo devolveu com mais um pouco.

Ambos riram e brincaram por um tempo, mas logo decidiram pegar leve na brincadeira de jogar água, eles sabiam que dormir com a roupa molhada não era uma boa ideia.

Terminando de brincar, os dois sentaram-se em algumas pedras na beira do rio, já era noite e a luz da lua era a única coisa que iluminava as crianças. 

    - Você conseguiu comer hoje? - Lana perguntou para o seu novo amigo.

    - Consegui de manhã, mas tá tudo bem, amanhã vou ter mais sorte - Bart respondeu, recostando-se na pedra.

    - Pega - Lana entregou a fatia de torta que havia guardado - Eu consegui comer um pouco antes dos meninos me acharem, acho que você precisa mais.

    - Não - respondeu ele, desviando os olhos da fatia - nem estou com tanta fome, pode comer.

Um longo e ruidoso ronco na barriga de Bart traiu as palavras que saíram de sua boca. Lana não conseguiu segurar o riso, em seguida, os dois estavam gargalhando daquela situação trágica e cômica.

    - Tá bem, me dá aqui - Bart pegou a fatia da torta e dividiu em duas, devolvendo metade para Lana - come comigo, assim ninguém sai perdendo.

Lana gostou daquilo, a última pessoa que havia dividido alimentos com ela havia sido sua mãe. Lana achava que aquela bondade era algum tipo de magia que ligava mãe e filha e que nunca mais encontraria alguém que também se importasse.

Os dois comeram o pouco que tinham, mas ficaram satisfeitos, mesmo que ainda aguentassem comer o quíntuplo daquilo. 

    - Posso te contar uma coisa? - Lana perguntou.

    - Claro, já te contei tantas - Bart respondeu, mas sem dar muita atenção para a importância que aquilo tinha.

Lana levantou-se da pedra e pegou um montinho de terra que estava na beira do rio. Em seguida, uma pequena flor brotou do montinho de terra, ela arrancou e colocou acima da orelha, onde antes havia uma que se perdeu enquanto brincava no rio.

    - Uou, como você fez isso!? - Bart exclamou, admirado - Você estudou com os arcanos?

    - Não, eu só consigo fazer - Lana respondeu inocentemente - aprendi a mais ou menos um ano.

    - Espera, então você é selenita? - Bart admirou-se ainda mais, arregalando os olhos e um largo sorriso - Nossa, isso é muito legal, você é da realeza? Todos os reis são selenitas, talvez seus pais sejam da realeza.

    - Não acho, já conheci selenitas que eram pobres, talvez só os mais fortes sejam da realeza e eu só consigo fazer isso - Lana falou desanimada, fazendo uma nova florzinha brotar do montinho de terra.

    - Bom, eu achei incrível - Bart pegou a flor que havia brotado do montinho e arrancou, em seguida colocando acima da orelha, da mesma forma que Lana - dá pra dizer que somos uma gangue agora? Estamos iguais.

    - Acho que pra chamar de gangue precisa de mais gente, não? - Lana perguntou.

    - Não, não precisamos de mais ninguém, podemos ser uma gangue só de dois - Bart respondeu, também sem saber o que realmente significava uma gangue.

    - Vem, tem uma ponte logo ali, podemos dormir debaixo dela se não houverem outras crianças lá - Bart disse apontando na direção de uma ponte ao longe e fez menção de pegá-la pelo braço para guiar a menina, mas ao tocar no braço dela um calafrio subiu pela pele de ambas as crianças, fazendo com que ele rapidamente soltasse o braço dela e se desculpasse.

    - O que foi isso? - Lana perguntou, passando a mão no pulso.

    - Não sei - respondeu Bart - Mas lá no abrigo eles diziam pra um menino nunca encostar em uma menina sem a permissão dela, não sabia que ia ser estranho assim, desculpa. Mas vamos lá, é por ali.

As crianças rumaram em direção a ponte, que estava vazia. A maioria das outras crianças dormiam em barracas improvisadas, seja com familiares ou em grupo. Vez ou outra alguma carruagem ou algumas pessoas passavam sobre a ponte, mas as crianças não se incomodavam e o abrigo lhes servia muito bem.

Apesar das condições precárias, ambos tiveram uma noite tranquila.



    Depois daquela noite, passaram a fazer tudo juntos. Bart não parecia ter problemas em roubar, contanto que não fossem de outras crianças ou pessoas com fome. Lana entendia as razões e sabia que precisavam comer, mas pegava constantemente no pé do amigo alertando-o que ele estava se colocando em risco de ter que reencarnar em um novo ciclo. Bart sempre respondia com bom humor e dizia que dificilmente reencarnaria com tanto azar quanto no ciclo atual.

Certo dia, tiveram uma ideia.

    - Sabia que em Zirael tem muito mais veneus? - Bart perguntou, em uma das noites que passaram juntos na beira do rio comendo o que conseguiram pegar.

    - Como que defe cher lá? - Lana perguntou de boca cheia, enquanto mastigava um pedaço de pão velho.

    - Dizem que é um reino mágico, que as casas são em árvores, que elas falam com as pessoas e que têm fadas lá, acho que você ia gostar - Bart respondeu entusiasmado.

    - Fadas existem? - Lana rebateu com mais uma pergunta, feita com toda a sua sinceridade.

    - Claro, talvez você até seja filha de uma - Bart sorriu - Isso explicaria o negócio das flores. 

    - Eu bem que gostaria de conhecer um dia - Lana disse, enquanto refletia sonhadoramente.

    - E por que não vamos agora? Estou cansado desse lugar, cansado de ser tratado dessa maneira, sei que você também merece muito mais do que isso.

    - Mas não é longe? Como a gente iria? - Lana nunca havia considerado a ideia, a distância sempre lhe pareceu algo impossível de alcançar, principalmente estando sozinha.

    - Algumas carroças chegam na cidade vez ou outra vindo de lá, a gente só precisaria seguir elas na volta, talvez subindo em uma a gente consiga.

    - Subir na carroça é uma boa ideia, não acho que eu conseguiria ir andando, minhas pernas são curtas e minha mãe dizia que era muito longe. Mas e se o dono da carroça ver a gente?

    - Aí nós corremos, é o que sempre fazemos né? Se precisar, eu defendo você.

Não era um plano tão elaborado, mas para eles era um plano.

    - Então tudo bem, mas como vou saber que carroça está indo para Zirael?

    - Se for um vanar conduzindo a carroça então a gente vai saber - Bart respondia com confiança.

    - E se o vanar morar em outro lugar?

    - Bem, aí pelo menos ele vai saber nos dizer para onde ir em seguida…



    Depois de muita deliberação, ambos decidiram pôr o plano em prática. Nos dias que se passaram, juntaram o que dava de alimentos dentro da bolsa de Lana e combinaram algumas das atitudes que deveriam tomar durante a execução do plano. Observando as carroças que passavam, nem todas era possível entrar furtivamente, algumas possuíam várias pessoas e outras eram totalmente abertas, de forma que o condutor logo perceberia a presença deles. Sendo assim, aguardaram até que uma delas coubesse nos requisitos: Uma carroça guiada por um vanar, tendo ela um único condutor e com a traseira coberta, além de ter os fundos fechados com cortinas, de forma que não era possível ver o conteúdo interno. As crianças esperaram a carroça passar pela ponte e depois se aproximaram furtivamente por trás, aproveitando-se da redução da velocidade da carroça ao atravessar. Se aproximando, tentaram ouvir algum som, temendo que houvesse alguém na traseira. Não tendo ouvindo nada e pressionados pelo aumento crescente da velocidade na carroça, ambos subiram. Lana teve dificuldades, mas Bart lhe segurou pelo pulso e a puxou para dentro, gerando novamente aquele calafrio quando os dois se tocaram. Uma vez dentro, agora só precisavam aguardar. O ambiente era pouco iluminado e estava bem cheio, um fio de luz que vinha da parte da frente da carroça permitia ver o condutor por uma pequena fresta no tecido e essa luz que entrava permitia observar que o conteúdo transportado se tratava de algumas caixas e que dentro dessas caixas haviam garrafas, contendo alguma substância que ela não reconhecia. O cheiro, porém, lhe trazia alguma recordação, só não sabia bem o quê.

O que ambos sabiam é que precisavam permanecer em silêncio, sob risco de serem descobertos e enxotados dali, então mantiveram o plano. A viagem, porém, durava um pouco mais do que o esperado. Guiadas pela inocência da idade, as crianças esperavam que a viagem terminasse rapidamente, talvez em um dia ou dois. O condutor da carroça parava para descansar em pousadas e sempre deixava a carroça em um local seguro. As crianças precisavam descer furtivamente quando queriam realizar suas necessidades, torcendo para encontrarem a carroça no mesmo lugar quando voltassem. Com um odre encontrado no lixo, conseguiam armazenar água e beber de forma racionada. No entanto, ao final do terceiro dia de viagem já não havia mais o que racionar. A fome, velha conhecida dos dois, estava presente novamente, torturando suas barrigas. Bart abriu uma das garrafas, na esperança de encontrar algo que fosse consumível, mas o cheiro que saiu de dentro fez as crianças desistirem do plano. As garrafas continham um líquido branco e viscoso dentro, Lana sabia que conhecia aquele cheiro, já havia sentido ele em Calcamor, mas não lembrava em quais circunstâncias, apenas que não lhe agradava. Em uma das vezes que saiu da carroça com Bart, perguntou a ele se lhe recordava alguma coisa e o menino teve a mesma impressão, mas também não sabia dizer com precisão do que se tratava.

Em outros momentos, tiveram que se esconder atrás das caixas, quando o condutor resolveu checar a mercadoria e por pouco não os descobriu. Com o aumento da fome, Lana quase desejou se comunicar com o condutor, talvez assim ele compartilhasse um pouco dos mantimentos que carregava consigo, mas conhecendo a natureza das pessoas, provavelmente só estaria se expondo a uma bela surra.

Lana estava apreensiva com tudo aquilo, a fome lhe apertava o estômago e a sede lhe rachava os lábios, mas Bart parecia confiante de alguma forma, o que incentivava Lana a manter-se firme também. A esperança de chegar ao reino mágico de Zirael lhe dava forças, lá poderia encontrar outros de sua espécie e estes compreenderiam melhor sua posição. Bart também havia lhe dito que era uma terra abundante, onde não precisariam se alimentar com coisas do lixo. Tudo aquilo era combustível para a esperança de Lana.

Na metade do quinto dia, surgiu um imprevisto. A carroça parou diante de três homens à cavalo, estes que cumprimentaram o condutor enquanto desciam de suas montarias, guiando os cavalos pelas rédeas.

    - A lua lhe ilumina? - Um deles perguntou.

    - Sempre a lua cheia! - respondeu o condutor, como quem se comunica por códigos.

    - Claro, assumiremos daqui então, leva esse rajado aqui, o pagamento está no alforge. Só vamos conferir antes a mercadoria.

    - Sim, senhor! - o condutor pegou sua bolsa que sempre carregava consigo e desceu da carroça, em seguida se aproximando de um dos cavalos, enquanto os demais já haviam descido e se aproximavam da carroça.

Bart era mais alto e conseguia ver com mais facilidade pela fresta, Lana precisava ficar na ponta dos pés para ver alguma coisa. Com alguns relances, pôde perceber que dois deles vestiam armaduras médias com o símbolo de Partemus, enquanto o do meio usava vestes azuis de manga comprida, feitas de tecido leve, uniforme clássico dos selenitas à serviço do reino.

Lana não gostava nada daquilo, primeiro que ela esperava já estar longe o suficiente para não encontrar nenhum humano carregando o símbolo de Partemus, segundo que se a carroça mudasse de condutor então o destino também mudaria e ela não podia saber para onde estariam indo. Ao perceber que um deles se aproximava da carroça pela esquerda, Bart rapidamente pegou no pulso de Lana e a puxou para fora, de forma que pudessem contornar pela direita e fugir. Os dois evitavam de se tocar desde o último incidente, mas dessa vez não pensaram muito, a sensação de calafrios subiu pelo braço de Lana enquanto ela era puxada para fora da carroça.

Antes de virarem pela direita, percebeu que um dos soldados com espada se aproximava por ali, Bart rapidamente se abaixou e se arrastou para debaixo da carroça, trazendo Lana consigo, por pouco não sendo percebidos, talvez escapando apenas pelo fato de a atenção dos homens estarem no conteúdo da carroça.

    - Quanto tem aqui? - o homem de azul perguntou.

    - Duzentos e oitenta e oito litros - o condutor respondeu, ainda voltando do cavalo no qual pendurou sua bolsa.

    - Uau - Um dos soldados disse, depois de soltar um ruidoso assobio de admiração e entrar na carroça para checar o conteúdo.

Lana estava nervosa e prendia a respiração, desvencilhando seu pulso e em seguida segurando firme na mão de Bart, fazendo com que o calafrio aumentasse ainda mais. Não era tão desagradável afinal, também esperava obter algum conforto de todo o seu nervosismo.

    - São 24 caixas, cada uma com 12 garrafas de 1 litro. Não ache que foi fácil passar com isso tudo pelos portões da frente da cidade - O vanar condutor afirmou.

    - Ambos sabemos que foi fácil - o homem de azul respondeu - As mãos dos guardas estavam bem molhadas para que não interferissem em nosso negócio. Está tudo certo, Remo? Pode voltar, vamos sair logo daqui.

    - Tudo sim, senhor - O guarda que estava lá dentro pulou para fora.

Aos poucos, Lana sentiu suas forças se esvaindo. Achou que fosse o efeito do medo, então apenas fechou os olhos e torceu para que aquilo acabasse o mais depressa possível. Quando percebeu, estava sonhando. No sonho ela estava em um local completamente deserto e cinza, tanto a areia nos seus pés quanto o céu, sendo a única coisa colorida uma pequena flor amarela que voava para longe, como que carregada pelo vento, mas que Lana não conseguia sentir. Decidida a se agarrar àquele pequeno resquício de beleza, Lana correu em direção à flor na intenção de guardá-la consigo, porém, conforme corria suas pernas iam afundando no solo arenoso, dificultando sua locomoção. Conforme Lana se esforçava, seu corpo afundava cada vez mais, até que a areia chegou ao seu pescoço, lhe impedindo de respirar. Quando seu rosto estava prestes a ser completamente engolfado pela areia, Lana acordou com um susto, puxando o ar com força e batendo a cabeça na parte de baixo da carroça, emitindo um baque seco.

    - Ô quê!? - Um dos guardas exclamou.

Sua mão não estava mais atrelada aos dedos de Bart, então o calafrio havia sumido. Antes que pudesse pensar melhor, seu corpo estava sendo puxado para fora por uma força sobrenatural, enquanto ouvia Bart gritar:

    - Para! Larga ela!

Lana foi erguida no ar por um movimento de mãos do selenita de roupa azul, enquanto os dois guardas armados puxavam Bart para fora e o mantinham de joelhos ao chão.

    - Ora, vejam bem - o homem de azul a encarava com suas sobrancelhas grossas e seu olhar frio - Achei que a gente tivesse sido bem específico sobre trabalhar sozinho. Quem são seus companheiros?

    - Não os conheço, senhor - O condutor da carroça apressou-se em responder - Nunca os vi antes, não sei como foram parar aí.

    - Era de sua responsabilidade não ser seguido - O homem de azul continuava falando com frieza, sem desviar os olhos de Lana, que levitava no ar diante dele - Seus serviços estão dispensados.

vanar ficou um tempo sem entender, quando viu um dos soldados desembainhar a espada, tentou protestar:

    - Espera… - sua fala foi interrompida por uma estocada na barriga. Lana e Bart trocaram um olhar de assombro, temendo pelo que estava por vir. Ela não sabia como aquilo havia acontecido e se sentia estúpida, uma pessoa havia sido morta na sua frente e a culpa era dela, a única coisa que precisava fazer era ficar quieta, mas se deixou ser dominada pelo medo.

    - Coloque-o na carroça - O selenita novamente deu ordens - a gente despacha o corpo junto da carga. Quanto a vocês dois…

    - Não machuca ela! - Bart protestou e tentou se soltar, recebendo um tapa no rosto logo em seguida.

    - Quieto aí! - O guarda que lhe bateu falou.

    - Não achem que me alegro em fazer isso - O homem de azul disse, dessa vez desviando o olhar para Bart - Mas vocês são testemunhas, se fossem mais velhos, talvez entendessem.

    - Nós não vamos contar, nem conhecemos ele, só entramos na carroça para tentarmos ir a Zirael! - Lana gritou, ainda suspensa no ar pelo poder sobrenatural do selenita.

    - Zirael hein? - o homem de azul riu, levando os outros dois guardas a rirem também - Estão com azar, o comércio de rox não é muito comum por lá. Ótimos produtores, péssimos consumidores.

Ouvindo aquela palavra, agora fazia sentido para Lana, fazendo-a se sentir mais estúpida ainda por não ter percebido antes. Ao trocar olhares com Bart, soube que ele também sentia o mesmo. Rox era uma maneira popular de se referir à ropsitox, uma substância entorpecente comercializada ilicitamente nas periferias de Calcamor, extraída de uma flor chamada Rhopsi rops. Lana sabia que já havia sentido aquele cheiro antes, mas só agora conseguia lembrar das figuras magras e decrépitas que se largavam pelas periferias de Calcamor e diariamente inalavam aquela substância. Lembrava-se do nome justamente por sua mãe gostar de lhe ensinar sobre flores, inclusive associava o seu poder como sendo um presente de sua mãe para que nunca se esquecesse dela. Porém, no momento não tinha muito tempo para se lembrar de flores.

O selenita moveu as mãos e Lana girou no ar, ficando de cabeça para baixo. Em seguida, sentiu que a pressão que a mantinha no ar começava a lhe comprimir, como se estivesse tentando esmagá-la.

    - Infelizmente nosso diálogo se encerra por aqui - O homem começou a fechar os dedos lentamente. Sentindo a pressão aumentar, Lana gritou:

    - Eu posso te ajudar! - Talvez aquele fosse sim o momento para lembrar de flores - Eu sei produzir flores!

O aperto logo diminuiu, mas seu corpo permanecia levitando no ar de cabeça para baixo.

    - Me ajudar? - O homem perguntou, sem expressar muita reação - Eu pareço precisar de ajuda?

    - Aquilo que você está transportando, vem de uma flor chamada Rhopsi rops, eu sei produzir flores. Se você soltar a gente eu faço pra você.

    - Agora você tem minha atenção - O homem disse, franzindo suas grossas sobrancelhas.

Agora que podia vê-lo melhor, o selenita em sua frente era um homem de estatura mediana, com porte magro e seu cabelo era preto, com leves ondulações e uma pequena franja pendia para o lado esquerdo.

    - Você é alguma aprendiz de botânica? onde aprendeu isso? - Ele prosseguiu nas perguntas.

    - Não, eu sou como você, também sou selenita.

No mesmo instante o homem a largou do seu domínio telecinético, fazendo com que ela caísse feio ao chão.

    - Ou, toma cuidado com ela! - Bart exclamou.

O homem calmamente se virou para ele e lhe apontou o dedo, dizendo:

    - Da próxima vez que abrir a boca eu mando eles cortarem sua língua.

Em seguida, virou-se novamente para Lana e se abaixou, esperando ela se recompor.

    - Eu só preciso… de um pouco… - Lana falava tentando conter a dor no ombro que por pouco não se deslocou com a queda de mau jeito - de terra…

Lana virou-se para o lado e apontou as duas mãos abertas para a beira da estrada. Em seguida, começaram a brotar várias margaridas.

    - Certo… não posso negar que é selenita - o homem disse, passando a mão no queixo completamente raspado - mas isso aí não é uma Rhopsi.

    - Desculpa, eu nunca vi uma, só aprendi porque minha mãe me ensinou, mas eu juro que se eu ver vou conseguir produzir - Lana olhou para Bart, que tentava lhe alertar balançando levemente a cabeça de um lado a outro em negativa.

    - Tudo bem então - o homem disse enquanto se levantava e batia a palma da mão uma na outra - preparem-se para a viagem.




Purimar, Partemus - Ano 670 da segunda era.


    Os dois foram levados, não para Zirael, como gostariam, mas para Purimar. Purimar possuía a maior floresta do mundo, superando em tamanho até mesmo a floresta de Gilish, em Zirael, mas não em biodiversidade. Devido a esse tamanho extenso, era constantemente alvejada por exploradores ilegais, que lucravam com o comércio de madeira ou com suas próprias atividades ilícitas que realizavam na região que desmatavam. Apesar de o desmatamento ser uma atividade conhecida, a prática era rigidamente controlada pelo rei, já que o próprio secretamente encabeçava várias dessas atividades escusas, incluindo esta que Lana havia inevitavelmente se envolvido.

Durante o transporte, Lana foi sempre mantida à frente na carroça, junto de Gaio, o selenita de vestes azuis, enquanto Bart ia na parte de trás, junto do antigo condutor morto. Os dois soldados, Remo e Killigan, iam montados a cavalo. De certa forma, o encontro havia beneficiado ambos, pois pelo menos os novos viajantes compartilharam dos mantimentos com as duas crianças, mesmo que pouco, ajudando a aplacar a fome e a sede.

A carga que estava na carroça foi encaminhada em outra direção, juntamente do cadáver, enquanto as crianças foram levadas ao local onde deveriam trabalhar. Gaio deixou claro que Bart não tinha utilidade para ele, que o estava mantendo vivo apenas para que Lana pudesse fazer o trabalho, mesmo assim, obrigava-o a trabalhar limpando o solo para o cultivo.

O local era disfarçado de propriedade privada, com algumas placas de aviso ao longo de uma trilha estreita com objetivo de afugentar qualquer intrometido. Ao final da trilha, uma grande mansão era usada como base para as operações ilegais, enquanto o plantio era feito aos fundos da propriedade, de forma bem discreta.

Rhopsi rops é uma flor de pétalas vermelhas que cresce principalmente em climas mais amenos ou frios, mas com o devido cuidado pode ser cultivada em qualquer clima. Uma vez que suas pétalas caem, forma-se uma cápsula, onde as sementes ficam armazenadas. Fazendo um corte na cápsula madura é possível coletar a seiva, que após algumas etapas de preparação, torna-se sólida e pode ser ingerida, inalada ou fumada. Essa é a substância que por sua vez é chamada de ropsitox, ou apenas, rox. Assim que Lana chegou ao local e pôde ver a flor pessoalmente, o cultivo se tornou possível, quadruplicando a produção da planta. O local era supervisionado por um homem idoso chamado Linus, mas visto que o lucro aumentou drasticamente, o próprio Gaio assumiu a supervisão.

Lana era capaz de fazer a planta brotar do solo, contanto que houvesse nutrientes no mesmo. Esse último detalhe foi uma surpresa para a própria Lana, já que achou que poderia fazer brotar quantas quisessem. Por sorte, o problema podia ser resolvido com o uso de fertilizante e água.

Bart estava mais distante. Lana conseguia perceber que o menino ainda se importava com ela, mas o garoto evitava qualquer proximidade. Lana sentia-se mal, pois acreditava que Bart estava chateado pela decisão que ela tomou na estrada, mas se não tivesse tomado tal decisão, os dois certamente estariam mortos. Nas vezes que tentou se comunicar, ou foram interrompidos por algum inspetor, ou o garoto respondeu com palavras curtas e logo se afastou, o que deixava Lana frustrada.

Alguns meses se passaram desde que foram capturados, e vendo como as coisas só aumentavam em proporção, Lana percebia que as chances de escapar apenas reduziam. Como eles poderiam fugir para Zirael agora? Será que ela ainda queria mesmo? Enquanto trabalhava ali descobriu que apesar de o comércio de rox ser proibido nos três reinos, as atividades que ocorriam ali estavam sob a autoridade do rei e que o produto gerado era destinado principalmente ao reino de Galagan, dos kruigs. Considerando que Gaio disse que Zirael era um ótimo produtor, então aquele tipo de atividade também ocorria por lá, o que significava que o reino não era tão mágico assim quanto ela pensou a princípio. Todos sabiam que a droga era prejudicial para a saúde e não queriam que circulasse em seu próprio reino, por outro lado, não viam problemas em lucrar exportando para os reinos vizinhos. Lana se sentia péssima em fazer parte de tudo aquilo, principalmente percebendo a importância que tinha em toda aquela cadeia de produção, mas se fosse escapar, precisava da ajuda de Bart.

Certa noite, saiu de seu quarto no segundo andar e se esgueirou até o celeiro, onde o garoto era deixado para dormir.

    - pss.. - Lana fez baixinho enquanto cutucava o rosto do menino - psss, ou, acorda…

Bart estava desacordado em um saco de dormir, quando percebeu que Lana o estava cutucando, levantou rapidamente e se afastou com um susto, se enrolando um pouco para se desvencilhar do saco de dormir.

    - Mas por que é que você tem sido estranho assim? - Lana perguntou, indignada, mas ainda mantendo o baixo tom - nós não somos mais amigos?

    - Claro que somos - O garoto se apressou em responder - como poderíamos deixar de ser?

    - Você tem me evitado, agora corre de mim como se eu tivesse uma doença. Está chateado por eu ter colocado a gente nessa situação?

    - Não, você fez o que precisava ser feito - Bart parecia com vergonha, pois desviava o rosto de modo que Lana não pudesse ver seus olhos.

    - Então por que continua assim? Não quer mais ir pra Zirael comigo?

    - Claro que quero. Mas você acha que a gente devia? Eles te tratam bem aqui, você está segura, não quero que você sinta fome novamente.

    - Mas você não está, eles te fazem trabalhar e olha onde você está tendo que dormir. A gente devia retomar o nosso plano e fugir daqui - Lana se sentou ao chão e cruzou as pernas, encarando Bart com seus grandes olhos repletos de esperança.

    - Não devíamos, é perigoso, você nem devia estar aqui falando comigo. Se Gaio descobrir, vai punir você.

    - E se a gente for agora?

    - Não, eles mantêm a saída protegida, também não seria uma boa ideia se embrenhar pela mata - Lana percebeu que o menino mantinha distância enquanto falava, não se preocupando em afastar os cabelos pretos da frente dos olhos, assim podia desviar o olhar com mais facilidade.

    - Se não está chateado comigo, por quê continua se afastando?

    - Eu não sei, acho que… acho que sou perigoso pra você - Ele disse aquilo com uma certa angústia, como quem tenta segurar o choro, mas pareceu se sentir melhor depois de dizer.

    - Perigoso? Mas por quê? Por causa do Gaio? - Lana disse aquilo pois pensou que Gaio havia feito alguma ameaça ao menino, para que ele se mantivesse afastado dela.

    - Não… - Ele parou um pouco antes de continuar, mas ainda de cabeça baixa - Naquele dia que você pegou na minha mão, acho que se eu não tivesse soltado… acho que eu teria matado você, Lana.

    - Me matado? - Lana estava confusa, principalmente pela seriedade com que Bart abordava aquilo - Não, bobo. Aquilo aconteceu porque eu estava com medo, a culpa foi minha, eu devia ter sido mais forte.

    - Não foi você, eu pude sentir. Enquanto segurava sua mão, eu tirava algo de você, a culpa foi minha por você ter desmaiado, você podia ter morrido e a culpa seria minha - Ele afastou os cabelos para o lado e secou os olhos com as costas da mão, ainda sem olhar para Lana.

Lana se levantou e tentou se aproximar dele, mas o menino rapidamente deu três passos para trás.

    - Não! Fica aí, é sério - Ele parecia realmente assustado com a possibilidade - Acho que eu sou venenoso para selenita, ou algo assim.

    - Venenoso? A gente já comeu junto, eu já não teria morrido? - Lana ainda considerava uma bobagem o que o amigo estava dizendo. Até achava estranho os calafrios que sentia quando tocava nele, mas não achava que aquilo a mataria.

    - Não sabemos como funciona, não vou arriscar.

    - E como saberemos?

    - Tem outra forma… - Bart parou por vários segundos antes de continuar - Olha, me encontra aqui depois de amanhã, no mesmo horário que você veio. Se tudo der certo, nós fugiremos.

    - Vai ser perigoso? - Lana temia pelo amigo, mas lhe agradava a ideia de fugir.

    - Acho que sim, mas sempre foi pra gente.

    - Isso é verdade… Promete que vai ficar bem?

O menino finalmente lhe olhou nos olhos, permitindo que Lana visse novamente sua íris negra como a noite. Melhor ainda, Lana pôde ver um pequeno sorriso se formar nos lábios dele.

    - Eu prometo.



    Os dias seguintes foram como os outros, Lana fazia as plantas crescerem e os outros produtores colhiam a seiva, armazenando em garrafas. No total, havia 17 pessoas no local, contando com ela, Bart e o próprio Gaio. Agora que tinha tempo para raciocinar melhor, começou a se arrepender do plano. Se Bart planejava testar sua estranha reação à selenitas, só havia mais um em que ele pudesse fazer aquilo. Gaio era um homem frio, não demonstrava ser agressivo com os demais e nem fazia demonstrações de poder desnecessárias, mas Lana havia sido testemunha do mesmo ordenando a morte de um homem, além de sentir no próprio corpo o quanto ele era poderoso, então temia pela segurança do amigo. Tentou alertar Bart para que ele não fizesse nenhuma estupidez, mas o menino se afastou rapidamente, assim como havia feito nos dias anteriores. Só o que podia fazer naquela posição era confiar, torcer para que o amigo cumprisse a promessa que fez.

Na noite do combinado, Lana pegou sua bolsa com o espelho dentro e saiu do quarto. Passou pelos corredores em silêncio e desceu as escadas, em seguida, encaminhou-se para o celeiro, onde encontraria Bart. Chegando lá, porém, encontrou aquilo que mais temia.

Bart estava amordaçado, com diversas marcas de escoriações pelo rosto e alguns dedos da mão esquerda quebrados, enquanto ainda levitava no ar.

Atrás dele, Gaio estava sentado, esperando.

    - Bem como eu imaginava - Gaio disse, calmamente - Você estava envolvida! Sabia que seu amigo tentaria me matar?

    - Se machucar ele, não faço mais nada pra você - Lana disse, rapidamente.

    - Você tem um ponto interessante, preciso das suas habilidades, por isso não vou te matar. Por outro lado, não quer dizer que eu não possa te machucar um pouco se falar comigo assim de novo.

    - Pode me machucar, mas deixa ele - Lana disse e Bart tentou protestar, mas a mordaça em sua boca não permitia que fosse compreendido.

    - Tenho ideias melhores. Você continua trabalhando para mim e eu deixo ele vivo, sobre não machucar, não posso prometer.

    - Tenho usado melhor meu poder, vou conseguir duplicar a produção atual, só preciso de mais tempo - Lana tentou convencer Gaio, sem saber quais outros recursos usar - Não vou melhorar em nada se você machucar…

    - Eu aceito a produção como está - Ele cortou a fala de Lana - O que não aceito é um pirralho esperando eu abaixar a guarda para me matar. Vou mantê-lo vivo, por você, mas ele não vai ter como atentar contra mim depois disso.

Com um movimento de mãos, fez com que os braços de Bart fossem puxados para trás na intenção de quebrá-los. Sem pensar duas vezes, Lana estendeu as duas mãos para frente, impulsionada pela fúria. Seus poderes haviam realmente melhorado desde que começou a trabalhar com a Rhopsi, agora conseguia controlar o tamanho e o direcionamento dos ramos, de forma que quase podia controlá-los. O que não esperava é que a raiva fosse influenciar tanto.

    Larga… ele!

Abaixo dos pés de Gaio, uma série de ramos de uma variedade de plantas diferentes começaram a brotar, enrolando-se em suas pernas e apertando com bastante força, fazendo-o cair e soltar Bart.

Os gritos de Bart, de Gaio e o dela própria atraíram atenção e Lana já podia ouvir passos ao longe com pessoas se aproximando, provavelmente alguns soldados que mantinham a vigilância do local..

A intenção de Lana era quebrar as pernas de Gaio, mas não chegou a tanto. Com um movimento de mãos, Lana foi erguida no ar e de um segundo para outro ela havia sido arremessada contra o solo, batendo com as costas e com a cabeça, fazendo com que perdesse o ar. Mais uma vez, subiu e voltou a descer contra o chão. Na terceira vez, sentiu seu corpo erguer a uma altura de quase três metros. Antes que fosse novamente jogada com força contra o solo, Bart agarrou o braço de Gaio, fazendo com que o poder sobre Lana cessasse no mesmo instante.

Livre da telecinese de Gaio, Lana caiu, batendo com força a cabeça e desmaiando logo em seguida.



    Acordou sem saber onde estava. Sentiu uma ligeira aflição, mas quando viu o rosto de Bart, ficou mais calma. Havia sido um sonho ruim? Não, os hematomas no rosto de Bart ainda estavam lá. Tentou se mover, mas sentiu dores por todo o corpo.

    - Não se mexe, você está machucada - Bart disse, enquanto a carregava no colo - Vou te levar pra um lugar seguro e vou cuidar de você.

    - Onde… - As costelas de Lana doíam um pouco enquanto ela falava - Onde estamos?

    - Longe - Bart a estava carregando a pé por uma estrada de terra, com nada além de árvore de um lado e do outro da estrada - Eu tirei você de lá, não se preocupe, o plano deu certo.

    - Eles te machucaram, onde está o Gaio? - Lana tinha medo de estarem sendo seguidos, na atual situação os dois seriam alvos fáceis.

    - Gaio não vai mais nos incomodar - Bart dizia em um tom tranquilizador, sem demonstrar dificuldades ao carregar Lana.

    - Ele morreu? Você disse que ia testar sua reação à selenitas - Lana não achava que Gaio havia realmente morrido, se houvesse, provavelmente Bart não a estaria tocando agora - Por sinal, não estou sentindo o calafrio.

    - Está tudo bem, já aprendi como funciona , não vou mais machucar você. Quanto ao Gaio, ele iria preferir ter morrido.

    - O que isso significa?

    - Significa que eu sou um selenita também - Bart disse rindo - Nós dois somos, não é legal?

    - Sim - Lana recostou a cabeça no peito de Bart, agradecendo por estar em segurança naquele momento e até esquecendo completamente de Gaio - É bem legal mesmo. Qual seu poder?

    - Você vai descobrir - Bart disse, sorrindo com o canto da boca - Quer saber o que eu estava pensando?

    - Claro - Lana virou o rosto para o lado e observou o horizonte, já estava amanhecendo, o céu ao longe já estava com um tom alaranjado e a estrada em que estavam não parecia ter fim.

    - Já que nós dois somos selenitas, acho que a gente devia ser da realeza.

Lana não conseguiu conter o riso, até nos piores momentos o amigo parecia sonhador. Primeiro com um reino mágico, agora com a possibilidade de viver na realeza.

    - Você é bobo, não é assim que funciona - Lana disse, ainda rindo baixinho e sentindo as costelas doerem.

    - E como deve ser? - Bart não abandonou o tom sério, mas com ar sonhador - Acho que seríamos muito melhores do que os reis atuais, principalmente o Giulio.

Bart se referia a Giulio Armancius III, o atual rei de Partemus, o reino dos humanos.

    - Para ser rei, tem que nascer na realeza Bart, a gente não tem nem sobrenome.

    - Se você pudesse ter um sobrenome, qual teria? - Insistiu o garoto.

    - Um sobrenome? Nunca pensei nisso, tem alguma sugestão?

    - Escolhe algo que você goste bastante, pode ser qualquer coisa, desde que tenha um significado.

    - Florida então, já que eu gosto de flores.

Bart achou engraçado e sorriu, mas não de forma zombeteira.

    - Lana Florida, combina com você - Agora que Lana observou melhor, Bart carregava uma flor de Rhopsi acima da orelha, provavelmente por ser a única que ele encontrou antes de sair.

    - E o seu, qual seria?

    - Klaus… Esse vai ser o meu.

    - Klaus… - Lana refletiu um pouco sobre o nome -  É um nome diferente, mas combina com você, você é diferente… diferente bom. O que significa?

    - Guardião. É uma palavra em goli, a única que conheço.

    - Guardião, o deus? - Lana se referia ao quinto primordial, também referido como Guardião.

    - Não, apenas guardião. Começarei sendo o seu, depois serei guardião de todo o mundo.

    - O mundo estaria mais seguro se você estivesse guardando, teriam menos valentões - Lana riu, lembrando-se de quando ele a defendeu de outras crianças usando uma ripa de madeira.

    - Então é isso, Bartolomeu Klaus e Lana Florida - O menino abriu um sorriso que ia quase de orelha a orelha - Um dia nossos nomes vão ser conhecidos por todos. Rei Klaus e rainha Florida.

Lana corou ligeiramente com a ideia de ser rainha ao lado de Bart, mas alegrou-se também com a possibilidade, mesmo que nada indicasse qualquer chance mínima que ambos tinham de chegar até lá. Seria como uma história infantil, mas ao invés de ser a princesa, ela seria a rainha.

    - Sabe, estou com um pouco de fome - Lana disse.

    - Eu trouxe um pouco de comida, trouxe sua bolsa também - Bart deu uma leve levantada no ombro para mostrar a alça da bolsa que estava pendurada - Eu estou bem saciado no momento.

Com o sol já despontando no horizonte, as duas crianças seguiram, caminhando por uma estrada que nenhum dos dois sabia onde chegaria, mas que com um pouco de sorte os levaria a um futuro melhor. Naquele momento eram apenas crianças sonhando com um futuro impossível, mas no futuro, o mundo inteiro seria impactado pelo peso daquele sonho.


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5 Comentários

  1. Puxa vida... Realmente o fim foi mesmo surpreendente. Foi mesmo um cap e tanto embora me atreva a dizer que foi o mais tranquilo até aqui, também. E pensar inclusive que há pouco tempo eu tava pensando em "Os Miseráveis" inclusive na história da Cosette, e aí me vem um cap com este nome, "Fome". Os Miseráveis é um livro e tanto também e olha que só uma versão adaptada... Enfim, foi mesmo um cap ótimo, com destaque pra revelação no fim.

    Realmente a história é profunda, pesada e cheia de coisas pra se pensar. Confesso que até agora talvez o quê mais me tenha chamado a atenção seja a questão do egoísmo. Até onde se vai para conseguir o que quer? Qual exatamente o ganho de você conseguir isso às custas da desgraça de outros? Isso que já vivemos num mundo onde podemos obter coisas que provavelmente têm uma origem obscura, e onde infelizmente alguém teve que sofrer e se sacrificar para nos proporcionar aquilo...

    E por se espalhar a iniquidade, o amor de muitos se esfriará. Cada vez mais este versículo se faz realidade, viu? Com cada um mais focado em si mesmo e o quê quer já não há mais espaço para amar. Empatia, solidariedade e o próprio amor são coisas muito mais faladas do quê feitas, em um ciclo quase infindável de sofrimento, onde a vítima de hoje amanhã será a culpada, realizando atos os quais ela mesma sofreu mas agora em outras pessoas que no futuro provavelmente farão a mesma coisa...

    É um ciclo que tem que ser rompido. A Bíblia já nos adverte a não irmos com o padrão deste mundo mas sim a nos renovar. Por mais doloroso que seja devemos permanecer firmes na fé, no amor. Aprendendo a nunca repetir o mal do qual já fomos vítimas, sob o risco de trazer sofrimento aos outros e condenação a todos nós.

    "Doía o coração ver a menina, que ainda não tinha seis anos, vestida com farrapos, varrendo a rua ao amanhecer. As mãos roxas de frio. Uma lágrima nos olhos. O povo a batizou de cotovia.
    Mas a pobre cotovia nunca cantava".

    Um trechinho de "Os miseráveis" que até hoje ficou na minha cabeça. Que este sofrimento ao qual tantos de nós fomos vítimas jamais sirva de justificativa para causarmos o mesmo nas outras pessoas.

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    1. Os miseráveis... Vou adicionar à minha lista de leitura. Inclusive, recomenda o filme?
      Esse capítulo foi um pouco mais curto que os demais, ia ser inclusive menor, mas as coisas simplesmente foram fluindo e deu no que deu. Falando novamente em amor, o amor tem um papel fundamental em minhas histórias, mas que vai se revelar no tempo certo. Ou será que sempre esteve aí? Vamos ver...
      Como já percebi que também aprecia as palavras da Bíblia, gostaria de deixar aqui as que mais me confortam:
      "Provérbios 12:25 - As preocupações roubam a felicidade da gente, mas as palavras amáveis nos alegram".
      Dito isso, obrigado pelas palavras Sr Marcio, também pela sua leitura e por mais uma recomendação.

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    2. Sua interpretação da obra consegue ser tão profunda. Suas palavras estão chegando fundo sr Ed.

      Gostei da comparação, e se parar pra pensar, os sentimentos se equiparam.

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  2. O filme eu não vi mas tenho certeza que muita coisa ficou de fora, digamos que o conteúdo afinal é realmente pesado, digamos assim... Mas enfim, acho que ainda deve ser um bom filme.

    E sim, este realmente foi um cap diferenciado, a revelação ao fim realmente espanta. E mais uma vez já fico imaginando o quê vem a seguir. Acho incrível como a história vai se desenrolando e se conectando ao mesmo tempo, e sou muito grato por ter a chance de ler! É realmente muito bom poder testemunhar algo assim, agradeço muito a você e ao Shady por isso!

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    1. Os Miseráveis... é aquele musical do Hugh Jackman? É bom... eu não sou de assistir obras do tipo mas eu tenho boas sensações ao relembrar aquele filme. A história é excelente.

      Aliás, sr Marcio, eu que devo agradecer a vocês. O que seria de mim sem vocês?

      Sr Ed, obrigado por me permitir conhecer e partilhar suas histórias. Tá sendo um prazer gigantesco.

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