História: O Mundo de Zara: Ganância - por Sr Ed

  

O Mundo de Zara: Ganância

O Mundo de Zara - Capa - Ganancia - 2 monstros verdes atacando um cara montado num animal com chifres

Hoje trago mais um texto escrito por Sr Ed, e mais um capítulo desse grande conto, agora sobre um pequeno jont chamado Luger, e como uma história pode moldar a realidade nas mãos dos vencedores.

É um conto de guerra, mas seu objetivo principal não está na violência ou tramoias, e sim na composição de uma narrativa distorcida com o tempo, e a honrada oportunidade de permitir ao leitor conhecer a verdade.

Bem, espero que gostem tanto ou até mais do que eu gostei! E, boa leitura.



Ganância

"No princípio, todas as raças foram criadas. A Mãe desejou que vivessem em harmonia, de forma que kruigs, vanar, veneus, humanos e jonts convivessem pacificamente, num emaranhado bem ordenado de cores e formas como somente a grande Mãe poderia moldar. Devido à biologia distinta das raças, além dos diferentes hábitos alimentares, cada uma criou para si seu próprio nicho e uniram-se nele para que sobrevivessem às adversidades oferecidas pelo trajeto da vida. Com isso, as raças se separaram. Anos se passaram, novos idiomas surgiram. O estilo de vida nômade ainda era prevalente, até que os vanar mudaram o cenário. Por conta de sua capacidade em digerir folhas, os vanar podem sobreviver alimentando-se exclusivamente de plantas, portanto, foi fundado o primeiro assentamento agrícola, de forma que a caça e coleta pôde ser deixada de lado e um estilo de vida mais estável se tornou possível. Marcando o ano 1 da primeira era, Zir Aldrich Galiel fundou o primeiro grande reino vanar, nomeando-o de Vanahar, mas que seria rebatizado futuramente para Zirael, em homenagem ao nome do fundador. Com o surgimento do primeiro reino, novos foram fundados ao longo da primeira era. Claro, quando falamos em grandes reinos não podemos deixar de falar em Kristtalia… Ah, como eu gostaria de a ter visto em toda sua glória. Diferente das outras raças, os jonts não acreditam que foram criados pela Mãe, mas sim que vieram diretamente de Zara, a terra. Dessa maneira, a cultura jont acredita que seus antepassados possuíam uma conexão tão forte com a terra que a podiam sentir como uma extensão do próprio corpo. Fazendo uso dessa conexão, Kalamur Frein fundou o reino de Kristtalia no ano 123 da primeira era, o qual tornou-se monopólio global do comércio de minério e pedras preciosas, crescendo e enriquecendo. O conhecimento e a tecnologia empregada foi tamanha que superou até mesmo o reino de Zirael, este que perdura até os dias de hoje. Muito se discute sobre a ascensão e queda de Kristtalia, mas, se permitem a este humilde escritor expor suas próprias ideias e pensamentos à respeito do caso, acredito que Kristtalia, assim como Zirael, possuía total capacidade para atravessar as eras e perdurar aos dias atuais, mesmo após a era do terror. Isso, claro, se os seus governantes não tivessem sucumbido à ganância.”

~ A História do Mundo e Suas Grandes Figuras. Karlach van Bolch, publicado no ano 85 da terceira era.



Steiner, Reino de Kristtalia
- Ano 967 da primeira era

Ilustração de Ganancia, criaturas grandes verdes atacando um cara pequeno montado num animal com chifres

Luger encontrava-se imensamente apreensivo. Desde a infância, sempre desejou participar das grandes reuniões com seu pai, movido principalmente pela vontade inocente de se tornar adulto. Como único príncipe da família Flei, sempre lhe foi esperado muito, pois era um herdeiro importante da maior família de Kristtalia. Luger era filho de Norman e sobrinho de Gordon, ambos patriarcas da família Flei. Seu tio havia sido o último governante do reino de Kristtalia, tendo se casado com Joslena Blut, na tentativa de unir as duas maiores famílias do reino. No último ciclo lunar, Gordon Flei veio a falecer, vítima de complicações intestinais. Por não ter deixado filhos, Norman Flei, seu irmão, tornou-se o herdeiro legítimo do trono de Kristtalia, segundo a cultura Jont. Por outro lado, os Bluts tinham outra visão sobre o caso, pois se o casamento entre Gordon Flei e Joslena Blut era legítimo, então ela possuía total direito de governar como rainha. Com a aproximação de um conflito, Norman Flei reuniu todos os seus aliados e preparava-se para marchar em direção à Riss, a capital, para reivindicar o que era seu de direito.

Luger havia completado 25 anos naquele ano, ingressando oficialmente na vida adulta, o que o tornava apto a participar das famosas reuniões secretas de seu pai. Para azar de Luger, atenção nunca fora o seu forte. Desde a infância, Luger sempre teve dificuldade em se concentrar, distraindo-se com os próprios pensamentos e com qualquer estímulo visual que lhe aparecia. Devido a sua natureza observadora, captava sinais e detalhes que poucos notavam e que normalmente não possuíam qualquer importância, então sentia-se frustrado por isso, além de considerar o seu próprio intelecto inferior aos demais, mesmo que isso estivesse longe de ser verdade. Seu pai nutria grandes expectativas sobre ele, esperando que o filho um dia se tornasse um grande líder. Luger não via a menor possibilidade de isso acontecer, pois suas habilidades sociais eram medíocres e não possuía autoconfiança o suficiente para tomar grandes decisões. Ainda assim, seu pai nunca sequer demonstrou qualquer sinal de desapontamento, mesmo quando o surpreendia distraído durante atividades importantes. Pelo contrário, seu pai sempre o colocava no mais alto patamar e lhe cobria de elogios na presença de outras pessoas, enchendo o peito de orgulho e tratando-o como se fosse o ser vivo mais inteligente que já caminhou sobre Zara. Luger era muito feliz com o pai que tinha, mas acreditava que tudo o que o pai dizia sobre ele era apenas para agradá-lo ou enganar a si próprio, não conseguindo enxergar em si tamanhas qualidades. Essa visão o levava a aumentar significativamente sua auto cobrança para que pudesse suprir as expectativas do pai e orgulhá-lo de verdade.

Naquele dia, havia jurado que não haveria distrações. Aquela era uma reunião muito importante e Luger precisava provar ao pai que estava comprometido com a família. Talvez ele tivesse conseguido realmente se concentrar em tudo o que estava sendo dito, se não fosse aquela mesa. A sala em que estavam era espaçosa, as paredes eram de pedra, adornadas com escudos, candelabros de bronze e estantes contendo bebidas alcoólicas diversas. A janela era voltada para o precipício, então o que quer que fosse discutido naquela sala, permanecia naquela sala. Essa sala ficava no castelo Flei, localizado no topo da montanha dos lírios, em Steiner. No centro da sala havia uma mesa, feita de madeira de lei, onde todos os chefes das grandes casas estavam sentados, discutindo os próximos passos. O tampo da mesa era ornamentado, como se fosse uma maquete representando o mapa de Kristtalia, esculpido à mão e coberto por uma camada espessa de resina, que tornava o tampo da mesa plano e translúcido. Luger não podia deixar de se impressionar, pois aquilo era o trabalho de um verdadeiro artista. Quando se tratava de arte, Luger impressionava-se apenas com o que ele não conseguia fazer, pois, segundo opinião própria, se ele conseguisse então não era tão impressionante assim. Olhando para a mesa, não conseguia mensurar o trabalho que devia ter dado, ele sabia que jamais teria a capacidade de fazer algo do tipo, nem sequer chegar perto, provavelmente ele não teria nem…

- Não é mesmo, Luger? - Seu pai interrompeu seus devaneios em relação ao tampo da mesa.

- Hã… - Luger pensou no que dizer. Sabendo que estava distraído, seu pai certificou-se de repetir o que havia dito para evitar constrangê-lo.

- Seu tio sempre repetiu que não queria ser velado em Riss, não é verdade?

- Sim - Luger lembrou-se das antigas conversas que teve com seu tio durante a infância, ainda antes de ele se tornar o rei - Steiner era o lar dele. Meu tio sempre disse que gostaria de ser enterrado entre os lírios.

- E agora não posso nem ao menos me despedir - Norman disse com uma certa tristeza, ainda de luto pelo falecimento do irmão.

- Se eles não respeitam nossas tradições - disse Kuma, o patriarca da família Noken - Como saberemos que o corpo do rei foi devidamente enterrado? Até onde sabemos ele pode ter sido jogado aos animais.

- Não diga isso lorde Noken - Norman disse, juntando os cinco dedos e os abrindo para o alto, em um gesto como se jogasse um punhado de algo para cima.

Os demais rapidamente repetiram o gesto, algo que na cultura jont era comum quando se queria espantar algum mal ou repreender pensamentos ruins.

Para os jonts, todo corpo deve obrigatoriamente ser devolvido à terra, pois foi de onde vieram. Ter o seu cadáver jogado aos animais selvagens é considerado a pior punição que um jont pode sofrer, pois isso acarreta em não retornar aos braços da criadora, o que significa que seu espírito estaria por conta própria no pós vida e jamais encontraria o caminho para o paraíso, sendo condenado a vagar sem rumo em um limbo de escuridão eterna. No passado, tiranos já utilizaram desse tipo de método para amedrontar seus inimigos, mas é considerado algo vil até mesmo entre rivais.

- Por isso vos reuni em meu castelo, senhores - Continuou Norman - Marcharei em direção à Riss, pois não posso admitir que meu irmão sofra tamanha desonra. Entrar em guerra com a família Blut nunca foi o meu intento e sei que isso entristeceria grandemente meu irmão, mas a situação nos obriga a tomarmos medidas extremas. Suas famílias foram leais aos Flei por séculos, portanto, preciso saber se contarei com o apoio de vocês em um momento tão crítico para nossa família.

Todos os demais no salão estavam empertigados em suas poltronas, ouvindo as palavras de Norman Flei. Ele continuou:

- Sei que segundo nossas tradições eu sou o herdeiro legítimo ao trono de Kristtalia, mas também respeito o suficiente nossa tradição para saber que até o momento da cerimônia de posse eu não sou rei algum. Assim sendo, não posso obrigá-los a me apoiar, nem sequer gostaria de fazê-lo. Pelo contrário, venho solicitar vossos auxílios como um amigo, pois assim os considerei durante todos esses anos.

Mesmo Luger, com sua mente distraída, naquele momento não pôde deixar de prestar atenção nas palavras do pai.

- Os ossos unem-se à carne - Kuma Noken foi o primeiro a se pronunciar em favor de Norman.

- As veias unem-se à carne - Sumnar, o patriarca da família Ven, repetiu em seguida.

- A mente une-se à carne! - disse Hod, o patriarca da família Gist.

- O espírito une-se à carne! - Por último, Himmlar, o patriarca da família Steeler, afirmou seu apoio à família Flei.

- A carne aceita essa união - Norman disse, alegrando-se em poder contar com o apoio das demais famílias.

- Assim sendo - continuou - Não há tempo a perder, precisamos alinhar nossos próximos passos.

Com isso, os cinco patriarcas decidiram quantos soldados poderiam enviar para a capital, considerando um possível confronto. Os Flei possuíam 12 mil soldados em Steiner, mas não possuía tempo hábil para reuni-los antes do sepultamento de Gordon, então, reuniram-se apenas 5 mil, sendo que alguns poucos ficaram para manter o castelo Flei protegido. Os Noken e os Ven forneceram 3 mil cada, os Gist mil e os Steeler, como uma família apenas de sacerdotes, enviaram apenas 800 dos seus. Todos possuíam mais do que conseguiram enviar, mas tirando o fato de não terem tempo de reunir este contingente, também havia a necessidade constante de protegerem suas próprias casas, frente ao clima hostil que pairava sobre o reino. O que se sabia era que os Bluts possuíam no máximo 10 mil combatentes. Sumnar insistiu em enviar um batedor, mas Norman não aguentaria aguardar o seu retorno, então marcharam o mais rápido que puderam, dois dias depois da reunião. Para otimizarem o tempo, as tropas marcaram um ponto de encontro em comum no trajeto rumo à capital. No total, possuíam um pouco mais de 12 mil soldados, o que incluía os marteladores, os cortadores, a infantaria montada e os calinas, nomeados assim em referência aos espinhos venenosos de uma flor chamada "caliena". Os marteladores e cortadores eram a infantaria pesada, ambos com malha de aço e com armaduras de placas e elmos, o que não lhes atrapalhava tanto na locomoção devido à grande força e resistência física dos guerreiros jonts. Claro, carregavam machados de batalha ou martelos de guerra, de acordo com sua unidade. A infantaria montada era composta por guerreiros com armadura de couro cozido, recobertas por uma outra camada de nucos, um tipo de madeira resiliente de caule oco, semelhante ao bambu, com uma grande resistência a impactos e que lhes protegia de quedas. Essa infantaria utilizava alabarda e montava em capres, um animal quadrúpede de casco fendido e chifres retorcidos, com grande força e capaz de fazer escaladas em terrenos íngremes mesmo ao carregar um jont de armadura, além de derrubar inimigos com golpes de cabeça tão fortes quanto um aríete. Por último, os calinas eram a unidade de longo alcance dos jonts, composta por guerreiros de armadura leve portando arco e flecha, sendo que alguns deles montavam em capres e atiravam com precisão mesmo em movimento. Estando na primeira era, muitas unidades de longo alcance ainda utilizavam fundas, enquanto os jonts utilizavam arcos. Além disso, os calinas utilizavam flechas com pontas de aço, recobertas ainda por uma toxina paralisante. Todos os calinas carregavam três frascos escondidos em suas vestimentas, sendo que um contém o antídoto para o caso de algum acidente e os outros dois contém uma toxina mortal com coloração e odor semelhante ao antídoto. Assim, nenhum adversário poderia utilizar o antídoto do cadáver de um jont caído sem arriscar a si mesmo. Nenhuma das unidades militares dos jonts utilizavam escudo, isso pois além da grande resistência física, suas armaduras eram feitas com tamanha qualidade que eram capazes de suportar um golpe de machado de duas mãos sem sequer danificá-las, então, normalmente os guerreiros se defendiam utilizando o próprio avambraço. Quanto às espadas, apenas os líderes as usavam, normalmente forjadas apenas pelos melhores artesãos de armas dentre os jonts e com o melhor material: o aço terroso. Luger, como príncipe, não recebia uma espada, mas apenas uma adaga, afinal, não estava pronto para entrar em combate direto ainda e a carregava apenas para proteção pessoal, em caso de emergência. Sua adaga era feita de aço terroso, chamado assim por ser considerado o melhor aço que a terra poderia oferecer. Em sua composição, possuía uma baixa porcentagem de carbono, cromo e tungstênio, sendo considerada o melhor aço da primeira era, pois resistia à corrosão, seu fio não desgastava ao colidir com outras armas em combate e também podia inutilizar as lâminas dos oponentes. Todas as espadas dos grandes líderes também eram feitas com esse mesmo aço e os cabos possuíam gemas incrustadas, contendo alguns detalhes em ouro.

Durante a marcha, Luger, seu pai e os grandes líderes seguiram montados em capres, em direção à capital. Levou quatro dias para chegar até Riss, considerando a velocidade de transporte das unidades de cerco. Como esperado, os portões da frente estavam trancados. Porém, por mais que os portões fossem de extrema resistência, jamais suportariam a engenharia robusta das unidades de cerco construídas pelos jonts e os Bluts sabiam disso. Como prova cristalina de que fariam oposição ao avanço dos Flei, todas as tropas dos Bluts estavam à postos em frente aos portões, trajando vermelho vivo, a cor do sangue.

- Enviem o mensageiro! - Norman gritou.

Em seguida, um jont deslocou-se em direção ao exército adversário, montado em um capre. A estrada que dava para a entrada de Riss era de cascalho, muito bem estruturada. Porém, os arredores eram pedregosos e irregulares, dificultando a movimentação de tropas invasoras. Além disso, a cidade ficava em um terreno mais elevado, o que dava vantagem para o exército dos Bluts se defenderem. Ainda assim, eles estavam em menor número, então as chances de resistência eram baixas.

Os portões da cidade eram de madeira, mas foram revestidos em aço, enquanto a muralha era feita de basalto. Devido à elevação, era possível ver o topo do castelo, mesmo estando fora das muralhas. Essa elevação também tornava possível que a cidade fosse atacada por pedras, quando lançadas por trabucos, assim, o exército defensor optava por sempre manter a luta do lado de fora das muralhas. Essa clara desvantagem estratégica se dava devido à antiguidade do castelo e da cidade que foi construída antes da invenção das armas de cerco. Da mesma forma, o topo das muralhas também era guardado por calinas, apenas, pois as balestras ainda haviam de ser inventadas, por outra raça.

Tendo retornado o mensageiro, tratou de entregar a resposta:

- Eles irão lutar - Disse, de forma direta.

- Como esperado - respondeu o lorde Steeler.

- Então não temos escolha - completou Norman, sacando sua espada de metal terroso. Levantou-a para o céu e preparou-se para dar a ordem, enquanto todo o exército assumia posição de combate.

Luger segurou firme sua adaga, ainda embainhada, enquanto seu coração parecia querer pular para fora do peito.

- Respire e se concentre, meu senhor - Lorde Steeler lhe falou em voz baixa - Mantenha-se longe do confronto direto e tenha cuidado com os calinas. Se for atingido, me manterei por perto para cuidar do senhor.

Luger acenou positivamente com a cabeça, tomando um novo fôlego de coragem. A espada de Norman inclinou-se ligeiramente em direção às tropas adversárias, os arcos dos calinas se retesaram, apenas aguardando pelo comando verbal do líder. O silêncio tomou conta do campo de batalha, permitindo que cada combatente pudesse ouvir seu próprio coração, batucando como se estivesse em contato direto com os tímpanos. Assim, antes que os pulmões de Norman pudessem soltar o comando, o silêncio foi interrompido por um zumbido. Era baixo, como uma abelha, mas rapidamente foi aumentando de tom. Não apenas isso, mas o zumbido ia assumindo um tom musical, sem fala, mas que claramente era produzido por cordas vocais. Unindo-se àquela melodia tenebrosa produzida pelos zumbidos, ouviu-se também o som de solas colidindo com a terra, em marcha rítmica, que parecia ficar mais alto conforme a moral das tropas ia diminuindo. Não era preciso muita sabedoria para entender que novas tropas estavam se reunindo no local, muitas tropas, considerando o som. O que poucos sabiam era o que aquilo significava. O zumbido produzido tinha como objetivo cadenciar a respiração, permitindo que tropas marchassem por longos períodos sem necessitar de descanso. Algumas tropas militares selecionavam canções, as quais eram gritadas a plenos pulmões durante corridas ou treinamentos intensos, mas apenas uma raça fazia isso sem qualquer pronúncia verbal. Himmlar Steeler havia estado em uma batalha em que teve o desprazer de ouvir aquela melodia. Agora não havia qualquer dúvida.

- Kruigs!!! - gritou.

- Kruigs!… Kruigs… Kruigs… - Ouviu-se à distância, conforme a mensagem ia sendo passada para todos os demais soldados, à partir de oficiais estrategicamente posicionados.

- Atacar! - A ordem, porém, não partiu de Norman, como esperado, mas sim de Fergon Blut, patriarca dos Bluts, que berrou do topo da muralha.

Aos olhos de Luger, o que houve em seguida foi puro caos. O zumbido cessou, sendo substituído por gritos animalescos. Os calinas do topo da muralha atiraram contra os Flei e seus aliados, enquanto estes últimos atiravam de volta nos Bluts que estavam dispostos em frente ao portão. Os guerreiros montados em capres avançaram, buscando quebrar a linha inimiga com alabardas e golpes de cabeça dos animais. Lorde Steeler pediu que Luger o seguisse, afastando-o do campo de batalha, mas ao virar-se para a retaguarda percebeu que estavam cercados. Kruigs armados com machados corriam de todas as direções, tentando fechar um cerco em volta do exército de jonts. A maioria utilizava mais de um machado, um em cada mão, correndo de peito aberto para a luta. A qualidade das armas era medíocre comparado à dos jonts, com alguns deles utilizando lâminas de pedra lascada ou metais de baixa qualidade. A força e a resistência dos combatentes, no entanto, equilibrava as coisas.

Quem estava na retaguarda eram as tropas dos Gist, então Luger e Himmlar se uniram a eles, buscando uma abertura na formação inimiga. Como os kruigs estavam correndo em êxtase, a linha de avanço não era perfeita, permitindo que lorde Gist identificasse regiões de falha por onde poderiam avançar caso precisassem recuar. Não tendo outras opções, cada família foi obrigada a se dispersar para um ponto da batalha. Os Noken foram à esquerda, combater os kruigs, mantendo um pequeno contingente para ajudar os Flei, que avançaram para lutar contra os Bluts em frente ao portão. Os Ven foram para a direita, tentar conter o avanço dos kruigs e os Gist recuaram para proteger o futuro príncipe. Os Steeler, como sacerdotes, estavam espalhados em meio a todas as famílias, fornecendo suporte médico.

Ao identificar a falha na formação, lorde Gist enviou a infantaria montada para tentar abrir passagem à força, como os Flei estavam fazendo na vanguarda. Em auxílio, os calinas atiravam chuvas de flechas nas regiões mais frágeis, buscando dispersar ainda mais os kruigs. Para azar dos calinas, não apenas a pele dos guerreiros kruigs era extremamente resistente, como seus corpos também possuíam resistência à toxina paralisante, necessitando pelo menos três flechadas para inutilizar um único kruig, que nem ao menos ficava paralisado, apenas caía e convulsionava no chão, grunhindo de ódio.

Conforme a passagem ia se abrindo, os cortadores e marteladores iam se expandindo para as laterais, em uma formação semelhante à de uma ponta de flecha, impedindo que os kruigs voltassem a se reunir. Para Luger aquilo não parecia real, ou melhor, estava parecendo real demais para o que estava habituado. Mesmo com todo aquele contingente reunido, Luger não esperava que fosse haver de fato uma batalha, pois achou que serviria apenas como tática de intimidação e logo conseguiriam recuperar o que lhes era de direito. Agora, no meio do combate, seus braços e pernas pareciam não querer lhe obedecer e o que antes parecia natural, agora estava lhe exigindo muito esforço para manter-se montado no capre.

Lorde Gist ia na frente, Luger no meio e lorde Steeler na retaguarda. Conforme o cerco ia se fechando, o avanço ia sendo travado, então precisaram reduzir a velocidade dos capres e aguardar a infantaria forçar alguma passagem.

Luger olhou para trás, em busca de seu pai, mas não conseguiu identificá-lo em meio à multidão.

Os kruigs lutavam com ferocidade, atirando-se para cima dos jonts. A altura média de um kruig era de dois metros, enquanto o jont mais alto chegava a um metro e quarenta. Apesar disso, a força de um jont não deixava a desejar, menos ainda a robustez de sua estrutura física. 

Luger era observador, sabia que os números não definiriam o fim de uma luta, mas uma estratégia bem elaborada sim. Infelizmente, além de não estarem em número para enfrentar dois exércitos, os jonts foram pegos de surpresa e não estavam com as tropas devidamente posicionadas para defender um ataque na retaguarda, então não possuíam nenhuma das duas coisas. A infantaria montada teria sido a unidade ideal para lidar com os kruigs, pois conseguiam anular a desvantagem da altura com o alcance das alabardas afiadas. Porém, poucas dessas unidades haviam ficado na retaguarda e pelo que podia observar, quase todas já haviam sido abatidas, podendo contar apenas com cortadores, marteladores e calinas, esses últimos que possuíam pouco efeito e estavam morrendo aos montes. Para Luger, o pessimismo sempre predominava em suas predições, mas mesmo em seu momento mais otimista, ele sabia que não havia como vencer aquela batalha.

- Recuar… Precisamos recuar! Recuar! - Gritou.

- O príncipe ordenou! Recuar! - Himmlar Steeler também gritou.

- Recuar! Recuar! - A ordem foi sendo passada adiante.

A maior preocupação de Luger, no entanto, era seu pai. Norman Flei estava no coração da batalha, talvez a ordem de recuar nem chegasse até ele, ou talvez ele até discordasse daquele comando. Precisava convencê-lo a recuar. De acordo com o seu cenário pessimista, Luger sabia que não tinha chances de sobreviver, mas seu pai sim. Se o patriarca conseguisse sair com vida, reuniria o dobro de tropas e com uma estratégia mais elaborada talvez tivesse alguma chance de vencer o exército de kruigs. Pensando dessa maneira, puxou os arreios de seu capre e deu meia volta.

- Senhor, temos que recuar! Você mesmo disse! - Lorde Steeler gritou, assim que Luger passou por ele.

Naquele momento, seus braços voltaram a responder normalmente. Agora não precisava apenas ultrapassar o terreno íngreme e pedregoso, tinha também que saltar sobre os inúmeros corpos que se acumulavam no campo de batalha. Usando a velocidade da montaria, desviou o máximo que pôde do combate, rumando sempre em direção ao centro, até que se tornasse impossível. A horda de kruigs havia cercado as tropas de Norman. Luger avançou com o capre, acelerando e incitando-o a golpear com os chifres.

- Pai! Precisamos recu… - Antes que pudesse terminar o que ia dizer, foi atingido em cheio no peito por um golpe de machado, sem conseguir prever. A lâmina era precária, feita de pedra, de forma que Luger pôde ver alguns estilhaços voando com o impacto do golpe. A velocidade em que estava o capre, unindo-se à força do próprio golpe e o ponto de impacto reduzido foi mais que o suficiente para tirar Luger de cena. 

O que ouviu em seguida foram gritos, sons de passos, cascos e barulhos de lâminas ou hastes se chocando. Na boca sentiu um gosto forte de sangue. Seu peito doía quando tentava respirar e era como se seu pulmão não conseguisse mais encher completamente. Tentou gritar, mas nada saiu. Sentiu mais alguns solavancos, tentou abrir os olhos mas tudo parecia girar e se mover com velocidade. Levou a mão ao peito, mas não sentiu sangue, sua armadura de couro e a cota de malha devem ter impedido o corte, mas não aliviaram em nada o impacto. Se estivesse usando uma armadura de nucos talvez tivesse ajudado. Tentou recobrar os sentidos, percebeu que estava sendo carregado por alguém em um capre, mas não sabia quem. Havia estado no centro do campo de batalha e os únicos que montavam capres eram os jonts. Bom… considerando um cenário pessimista, talvez tivesse sido capturado por um Blut, mas não conseguia mais se manter desperto. Teria que descobrir quando acordasse.





Abriu os olhos com dificuldade. Quando revisitou suas últimas lembranças, sua garganta pareceu fechar. Tentou se erguer com pressa, mas o peito doeu. Olhando para o lado, o ar pareceu voltar aos pulmões, pois estava diante de um rosto amigável.

- Lorde Steeler! - chamou, mas logo seu coração apertou de novo - Meu pai, cadê meu pai!?

- Sinto muito senhor - Himmlar Steeler respondeu - O senhor é o nosso líder agora.

A ideia não parecia querer penetrar em sua mente, então demorou alguns segundos para processar.

- Não - respondeu - Isso não é verdade. Vocês viram o corpo?

- Não precisamos, senhor - Lorde Steeler continuou - O senhor mesmo viu o campo de batalha, não havia como sair dali com vida.

- Ele pode ter sido capturado, ele seria um refém valioso - insistiu Luger - se esse for o caso, uma intimação será enviada ao castelo Flei, precisamos retornar!

- Já estive em uma batalha com kruigs, eles não são do tipo que fazem reféns.

- Os Noken e os Ven contiveram os kruigs por um tempo enquanto meu pai enfrentava os Bluts, com sorte ele pode ter sido derrotado por um jont.

Sabendo que não conseguiria convencê-lo, Himmlar Steeler prosseguiu:

- Partiremos em breve, meu senhor, logo estará em casa.

- Precisamos reunir mais tropas.

- Essa também será uma árdua empreitada - continuou lorde Steeler - lorde Noken e lorde Ven também mor… digo, também não conseguiram recuar… Não sabemos se suas casas continuarão a nos apoiar.

Aquele era o pior cenário possível para Luger assumir a liderança. Mesmo que fosse um bom líder, não saberia como superar essa adversidade. Considerando que não era um bom líder, possivelmente sua casa estava arruinada. Com esses pensamentos aflorando, Luger retraiu-se durante toda a viagem de volta, evitando falar com os demais e ignorando os crescentes burburinhos que se formavam sobre o estado mental do jovem jont. Em sua mente, refletia sobre todas as inúmeras possibilidades que poderiam lhe tirar daquela situação devastadora.




Chegando ao castelo Flei, pediu para se reunir com os chefes das casas. Hod Gist e Himmlar Steeler foram os únicos patriarcas a retornarem, enquanto os demais foram substituídos temporariamente por seus herdeiros. Luger assumiu o lugar de Norman, como patriarca da família Flei.  Hur, filho mais velho de Summnar Ven, assumiu a posição do pai. Hur tinha quase o dobro da idade de Luger e não se alegrava em receber ordens de um príncipe recém adulto. Os Noken já eram um novo problema, pois Kuma Noken tinha apenas uma filha, dois anos mais velha que Luger. Com a situação atual envolvendo Joslena Blut, era de grande desagrado para a família Noken ser comandada por uma matriarca. Griselia Noken pouco se importava, pois herdou o gênio forte da mãe. Além do temperamento, seus cabelos e sua barba ruiva também denunciavam sua herança como descendente do clã do fogo e não estava disposta a abaixar a cabeça para nenhum jont, seja de fora ou da própria família.

- Se meu pai está morto, então os Ven precisam se restabelecer primeiro, não podemos guerrear - Hur se pronunciou.

- Covarde - disse Griselia de forma despreocupada.

- Quem está chamando de covarde!? - Hur Ven se levantou, batendo com as duas palmas da mão no tampo da mesa.

Griselia continuou sentada no lado oposto, encarando-o como se não se importasse com a ira do jont mais velho.

- Vamos nos acalmar - Himmlar interrompeu - Já estamos em guerra lá fora, não precisamos iniciar outra aqui dentro.

- Não vou ser desacatado por uma criança que mal formou as barbas!

O rosto de Griselia possuía barba, mas ainda bem rala. No geral, as fêmeas jont possuíam menos pelos faciais que os machos, mas muito mais que as fêmeas das demais raças, que no geral não possuíam nada. Diferenciar um macho e uma fêmea jont podia se tornar uma tarefa desafiadora para os integrantes das demais raças, pois ambos possuíam cabelos longos e pelos faciais abundantes. Os jonts acreditavam que aparar os pelos corporais era uma violação do corpo, portanto, o que nascia no corpo, permanecia no corpo até que precisasse retornar à terra. Griselia possuía cabelo cacheado e ruivo, com uma barba ainda por fechar, enquanto Luger possuía uma barba fechada e seu cabelo era liso e preto, amarrado em um coque com duas tranças pendendo em cada lado do rosto. Para surpresa dos demais que ainda discutiam na mesa e ignorando os pensamentos intrusivos sobre barba e cabelo, Luger falou:

- Retire-se da sala lorde Hur.

- Como é? - Hur pareceu surpreso, assim como os demais que pararam de falar imediatamente.

- Retire-se. Esse recinto é destinado a discutir temas confidenciais. Se não pretende ser útil, retire-se de uma vez.

As mãos de Luger tremiam e suavam sob a mesa, mas a expressão dura se mantinha, sustentada pela raiva que sentia. A falta de preocupação de Hur Ven em relação ao pai perdido em batalha ofendia Luger a ponto de doer.

- Que seja, lutem a maldita guerra de vocês, mas quando caírem não venham rastejando para mim - Hur respondeu, levantando-se e saindo da sala, batendo a porta de supetão.

- Senhor, acha que foi uma decisão sábia? - Himmlar perguntou.

- Se os Ven se unirem aos Bluts, teremos ainda menos chances do que já temos - Completou lorde Gist.

Antes que Luger pudesse responder, quase a ponto de admitir sua decisão emotiva e precipitada, Griselia se interpôs:

- O príncipe tomou a decisão correta! Um covarde em nosso meio apenas nos enfraqueceria. Além disso, os Ven tomaram um golpe firme em seus números, não creio que seriam de grande ajuda no campo de batalha.

- Atualmente os Ven possuem tantos soldados quanto os Noken - insistiu lorde Gist - além disso, não temos como vencer com o pouco que temos, desprezar ajuda é insensato.

- Teremos que conseguir mais - Luger respondeu, apertando os joelhos abaixo da mesa - E meu pai sempre disse que números não são tudo.

- Parece que pensamos igual - Griselia respondeu com animação - afinal, eu não possuo apenas os Noken.

- Está se referindo ao clã do fogo? - Himmlar se surpreendeu.

- Achei que a relação entre vocês não era boa, desde… você sabe… - Gist falou.

- A única coisa que havia entre nós e o clã de fogo era o orgulho de meu pai - Griselia disse - não pretendo desonrar suas decisões, claro, mas todos sabemos que os Noken já teriam ruído à tempos se não fosse a sabedoria do clã de fogo.

- Bem… - Himmlar refletiu.

- Nada disso importa agora - Griselia interrompeu - afinal, parece que o príncipe tem seus próprios.

“Eu?” Luger pensou em responder, mas forçou sua mente a focar no porquê de estarem ali.

- Ora, vamos ouvi-lo então - Gist falou.

- Bom… É… Conseguiríamos lidar com os Blut, nosso maior problema sãos os kruigs - Luger iniciou, sabendo que até então não tinha dado nenhuma informação nova, então apressou-se em completar - Eles usavam pinturas corporais na batalha… eram azuis, espiraladas, como ondas.

- E o que isso significa? 

- Deixe-o completar lorde Gist, acho que sei onde o rapaz quer chegar - Himmlar disse.

- Essas pinturas representam discípulos de Oásis - Luger continuou - Então não eram do exército do al’Kahur, eles são discípulos de Falco ou Bradock, vermelho ou amarelo.

- É verdade, eu vi os espirais - Confirmou Himmlar.

- Mas ainda não entendi onde quer chegar - Gist falou.

- Todos os clãs são subordinados ao al’Kahur, mas lutam suas próprias guerras, a não ser que estejam apoiando o al’Kahur em sua própria guerra. 

- Isso quer dizer que se a gente declarar guerra a esses brutamontes, não vamos estar declarando guerra ao al’Kahur diretamente, certo? - Griselia perguntou.

- Certo - conforme ia falando, suas mãos iam parando de tremer - Mas não só isso. Se forem quem eu estou pensando que são, eles já estão em guerra.

- Espera… espirais - Himmlar - Você tem toda razão senhor, tem um clã assim em guerra, mas…

- Sim, eu sei que é estranho, mas eu proponho forjarmos uma aliança com os Zitas.

- Os Zitas!? - Exclamou Hod.

- Mas estamos falando de humanos - Completou Himmlar.

Depois de um longo assobio, Griselia disse:

- Bem, não esperava ter que me aliar a humanos, mas guerra é guerra.

- É isso que vai dizer? - Hod disse, completamente revoltado e soltando gotículas de saliva em toda a mesa - Guerra é guerra? Estamos falando de humanos, gananciosos, sorrateiros, uma verdadeira corja de bandidos e vagab…

- Já compreendemos lorde Gist - Himmlar interrompeu - nem mesmo me oponho às suas palavras, não mesmo, mas admito que estamos sem opções.

- Os ossos se uniram à carne e pretendo manter essa união - Griselia disse - Não me agrada esse envolvimento com humanos, mas Norman Flei sempre elogiou a sabedoria do filho, então confiarei.

O rosto de Luger corou ao lembrar de seu pai o bajulando publicamente.

- Acreditar na sabedoria do príncipe é também uma forma de honrar a memória de Norman - Ela completou.

- Tá, tá, supondo que aceitemos - Hod falou, ainda impaciente - Nenhum da minha casa se agradaria dessa união, não posso lhe oferecer nenhum embaixador que seja imparcial e duvido muito que ache algum jont em toda Kristtalia que seja.

- Os Steeler são sacerdotes, eles precisam ser imparciais - Himmlar disse - Posso lhe oferecer alguns dos meus embaixadores.

- Não - Luger interpôs - Não posso pedir para fazerem isso por mim, eu mesmo irei.

- E novamente Norman estava certo - Griselia falou enquanto se levantava da mesa pra pegar uma das bebidas que estava na estante - Essa é a decisão mais sábia, eu mesma terei que ir pessoalmente para ao clã do fogo.

Enquanto falava, Griselia distribuía pequenos copos de bronze em frente aos demais na sala e preenchia com um licor frutado.

- Temos um plano - Ela disse levantando o copo - Um brinde à nossa união.

Os demais pegaram o copo e ergueram.

- À união - Luger disse.

- À nossa integridade - Himmlar disse.

- À nossa vitória, eu espero - Hod disse.

Em seguida, todos beberam o conteúdo em um só gole, menos Luger, que não apreciava bebidas alcoólicas.

- O quê? Não bebe? - Griselia perguntou - Então passa pra cá.

Assim, ela pegou o copo de Luger e também entornou em um só gole.

- Lorde Gist - Luger falou - Sei que precisa proteger sua própria casa e não tenho direito de lhe pedir, mas preciso que cuide do castelo Flei enquanto eu não estiver, seria possível?

- Bem, você é o nosso príncipe - Hod respondeu - Você tem todo direito de pedir. A sua vontade será feita, sua casa estará segura quando voltar, tem minha palavra.

- Quando o senhor partirá? - Himmlar perguntou.

- Em dois dias.

- O senhor negociará essa união, mas não deve ir sozinho, leve pelo menos uma guarnição.

- Não se preocupe, já sei quem irei levar.




Nos dias anteriores à viagem, preparou sua bagagem, sua montaria e distribuiu ordens entre os servos e soldados da casa Flei para garantir que tudo estaria em ordem quando voltasse. Ainda se via como um estranho naquele papel, mas era algo que precisava ser feito. Diferente da última vez em que foi até uma batalha com uma armadura de couro, dessa vez preferiu algo mais resistente, feita de aço, mas que também não lhe restringisse completamente os movimentos. Havendo chegado o dia, pegou apenas dois soldados e montou em seu capre. Ainda estava de luto pelo capre anterior que se chamava Bulg, então não quis nomear o novo, com medo de perdê-lo novamente.

- Tem certeza que quer levar apenas dois, meu senhor? Não parece sábio - Himmlar disse - Além disso, tinha que ser esses dois? Com todo respeito.

- Eu tenho meus motivos para ter escolhido os dois - Luger respondeu - Ainda, se as coisas não terminarem bem com os humanos, uma única guarnição a mais ou a menos não fará a menor diferença.

- Nem vamos cogitar essa possibilidade - Himmlar disse, juntando os dedos e jogando para o alto em sinal de repreensão - Vou orar para que o Zara abençoe sua viagem e o traga de volta a salvo.

Despedindo-se e tomando certa distância, Zula falou, quando percebeu que já não podia mais ser ouvida pelos que ficaram:

- Eles não o considerariam tão sábio se soubessem que se a coisa apertar eu vou sair correndo.

- Aliás, se você morrer eu posso ficar com o seu capre? - Kraemer, o segundo soldado que o seguia, riu e disse - O meu aqui já é tão velho que logo vou precisar mastigar pra ele comer.

- Vocês deviam me agradecer por lhes dar um trabalho de verdade, senão todo mundo ia perceber que vocês não fazem nada - Luger respondeu.

- É, vamos mesmo te deixar morrer - Zula falou.

- Com certeza - Kraemer concordou.

- Já deixei avisado que se eu morrer a culpa é toda de vocês - Luger disse - então me protejam com suas vidas.

- Até parece, só não te pego agora mesmo porque meu capre é velho demais para acompanhar.

- Pelo menos combina com essa bota que seu avô lhe deu, jurava ter ouvido você dizer que nunca usaria - Luger lembrou.

- Isso é verdade! - Zula riu - Falou a infância toda que não ia usar e agora está aí, levando adiante a frieira do seu avô.

- Vão rindo mesmo que eu uso essa bota pra chutar a bunda dos dois.

- O Kraemer falou alguma coisa, Zula?

- Acho que não, deve estar engasgando com a poeira dos nossos capres jovens e rápidos.

Assim, trocando farpas inofensivas e fazendo piadas, os três seguiram seu destino.

Zula e Kraemer eram amigos de infância de Luger, sendo os únicos com quem ele conseguia perder completamente a timidez e agir como ele mesmo. Por essa razão, Luger os levou, pensando que talvez conseguisse agir com mais confiança quando encontrasse os humanos. Para ele, estar perto dos amigos era reconfortante e parecia aliviar um pouco o aperto que estava em seu peito naquele momento.

A responsabilidade como próximo líder da casa Flei sempre pousou pesadamente sobre os ombros de Luger. Certa vez, enquanto ainda era criança, Luger desabafou com seus amigos sobre o assunto e destacou a possibilidade de precisarem se afastar quando fossem adultos. Assim, ambos decidiram alinhar seus objetivos de vida de forma que sempre pudessem estar presentes um na vida do outro. Luger precisou iniciar seus estudos para poder liderar a casa Flei, enquanto Kraemer treinaria para se alistar à cavalaria montada e Zula para se tornar calina. Os nobres andavam sempre com uma guarda pessoal ao lado, então seus dois amigos se ofereceram para assumir esse papel quando ele se tornasse adulto. Havia sido uma promessa de criança, afinal, cada um possuía suas próprias qualificações e anseios. Zula possuía um grande talento artístico para ilustrações, enquanto Kraemer curiosamente possuía exímios dotes culinários. Ainda assim, mantiveram a promessa. Com o tempo, Luger passou a se culpar pelas decisões que os amigos tomaram, não achando justo que desperdiçassem seus próprios talentos apenas para segui-lo em um caminho que nem ele escolheu. Mas agora não havia o que ser feito, além de cumprir a sua própria parte do acordo.

A viagem levou cinco dias e teve noites difíceis. Sempre que paravam para acampar em algum lugar, Luger tinha a sensação que seria pego de surpresa, como no dia em que foi separado de seu pai. Para piorar, o zumbido rítmico cantarolado pelos kruigs sempre atormentava seus sonhos, fazendo com que acordasse no meio da noite com a sensação de que estava sendo emboscado. Por vezes, chegou a acreditar que estava ouvindo o zumbido no meio da noite, mesmo acordado. Para sua sorte, seus amigos estavam ao seu lado e compreendiam sua condição, acalmando-o sempre que os pesadelos o atormentavam e garantindo a ele que os sons não eram nada além dos seus próprios anseios. Dessa maneira, a viagem pôde ser concluída. 

Assim como os Flei, os Zitas também viviam em uma região montanhosa, então o auxílio dos capres foi essencial para a viagem. Ainda, ter um companheiro com habilidades culinárias no grupo se mostrou mais favorável do que o esperado. Os Zitas eram um povo humano proveniente de uma cidade batizada de Szi, em homenagem a uma divindade humana de duas faces que representava o amor e a guerra. No passado, havia uma tribo humana denominada Nodos, composta principalmente por desertores e que fundaram a tribo de Nod. Não havendo mulheres o suficiente em seu meio para procriar, homens da tribo de Nod sequestraram mulheres de uma tribo rival chamada Luricos, composta por agricultores e pecuaristas. Em retaliação, os Luricos atacaram a tribo de Nod, mas sofreram severas baixas, devido às defesas robustas da cidade de Nod. Buscando eliminar a ameaça que a tribo dos Luricos agora representava, um general Nodo fez uma nova investida na tribo dos Luricos, sofrendo uma derrota surpreendente, devido à competência da cavalaria inimiga e à ausência dos muros de Nod para protegê-lo. Percebendo que ambos os lados perdiam muito com a guerra, as duas tribos se reuniram e firmaram um acordo de paz, unificando-se. A cidade de Nod foi rebatizada de Szi e a tribo passou a se chamar Zita. Algumas gerações mais tarde, em uma guerra, a cidade de Szi foi completamente destruída por uma tribo de kruigs, forçando-os ao exílio e à peregrinação. Fugindo para uma região montanhosa, os Zitas fundaram uma nova cidade e batizaram de Nova Szi. Lá, contra todas as expectativas, os Zitas se tornaram numerosos e resistiram a diversos ataques, se aperfeiçoando e se tornando uma ameaça real para seus inimigos. Conforme cresciam em poder, também cresciam em fama, de modo que a história dos Zitas era contada entre todas as tribos vizinhas, com algumas adições fantasiosas dependendo de quem a contasse. Luger havia ouvido todo o tipo de história sobre os Zitas e sabia que eles não eram confiáveis, mas de todas as histórias, a única que possuía confirmação era a guerra entre os Zitas e uma tribo de kruigs denominada Garras da Água. Naquele momento, era só o que importava.

Chegando em Nova Szi, avistaram a grande muralha de pedra que envolvia a cidade. O terreno era acidentado e de difícil acesso, mas nada impedia o fluxo constante das caravanas de comerciantes. Vendo aquilo, algumas ideias já foram desconstruídas em sua mente. Corriam histórias que o método de subsistência dos Zitas era o roubo e a pilhagem e que não conheciam nada além da guerra. Vendo agora em primeira mão, Luger podia constatar que o comércio na cidade era bem movimentado. O portão principal da cidade era mantido aberto, mas o fluxo não era livre, pois precisava de autorização da guarda. A trilha principal que levava o acesso à cidade era bem guarnecida, de forma que tiveram que parar para dar satisfação aos patrulheiros. Tendo explicado os motivos, passaram então a ser escoltados em direção à cidade. Enquanto eram escoltados, avistaram ainda muitos outros soldados guardando a estrada, todos em duplas, com espadas embainhadas na cintura e um pequeno instrumento de sopro do outro lado, feito de bronze. Considerando que aquela era a única forma de entrar na cidade, Luger imaginou que qualquer tentativa de invasão seria facilmente avistada pela patrulha, que sopraria o instrumento e alertaria aos demais para fechar o portão. Como as espadas estavam embainhadas, Luger não pôde ver, mas imaginou que também fossem de bronze por conta dos instrumentos. Na entrada da cidade, os soldados que guardavam o portão estavam armados com escudo e lança, esta que Luger confirmou ser de bronze. Estando escoltados, não precisaram dar novas explicações, apenas umas poucas palavras trocadas entre os soldados foi o suficiente.

Apesar de o grande muro ser imponente, a arquitetura interna não era tão impressionante. As ruas não eram bem pavimentadas e as construções eram simples, mas a cidade era grande e o fluxo de pessoas era maior que o imaginado. Ao longo da estrada de terra que levava ao centro da cidade, comerciantes gritavam a plenos pulmões uma variedade de produtos e o quanto cobravam pela venda. A variedade era grande, entre frutas, carnes salgadas, peixes, especiarias e até animais exóticos. Luger ficou animado ao ouvir sobre um filhote de dragão à venda, mas rapidamente identificou como uma espécie rara de lagarto com asas, sentindo-se um tolo por acreditar por alguns segundos que dragões realmente existiam. O muro da cidade era em meia lua, de forma que a retaguarda era protegida pela rocha da própria montanha. Para Luger aquilo não era nada estranho, pois seu povo era conhecido por fundar assentamentos em volta de montanhas, onde cavavam suas minas e coletavam metais e pedras preciosas. Os humanos parecem ter usado a mesma fórmula, possivelmente assentando-se em volta de uma mina de cobre ou estanho. Levou pouco mais de meia hora a pé para chegar até o centro. Curiosamente, ao fim da estrada de terra, uma outra muralha menor estendia-se em meia lua, parecendo ainda mais robusta que a muralha externa.

- Isso é impressionante - Kraemer falou.

- De fato, não me surpreende que tenham resistido a tantos ataques.

Ouvindo o que diziam, um dos soldados disse:

- É aqui onde fica o assentamento militar, essa muralha foi a fundação da cidade. Depois expandimos e construímos a segunda.

- Em quanto tempo? - Luger perguntou.
- Ah, bastante tempo, acho que meu bisavô participou da construção da primeira muralha.

- Você não devia estar falando todas essas coisas, e se eles foram espiões? - O outro soldado perguntou.
- Tudo bem, se forem espiões eles não vão conseguir sair daqui.

Chegando ao segundo portão, soldados se aproximaram e pegaram nas rédeas dos capres, guiando-os para um pequeno estábulo à direita do portão. Os soldados da escolta estavam a pé, então desde que os encontraram, precisaram seguir a pé também enquanto iam guiando os capres. Para Luger era um pouco intimidador, não estava acostumado a andar em meio a pessoas tão altas, ainda mais em grande volume. Passando do segundo portão, a arquitetura mudava. As construções eram mais robustas e com um design minimalista, como se tudo fosse feito apenas para cumprir o seu papel da forma mais prática possível. As ruas eram limpas e bem pavimentadas, os soldados eram disciplinados e os servos eram bem vestidos, contrastando bastante com o cenário anterior.

- Então é aqui que o seu rei vive? - Luger perguntou ao soldado que parecia mais aberto ao diálogo.

- Rei? Nós não temos rei aqui.

- Então com quem falaremos? - Zula perguntou dessa vez.

- Com nosso líder.

- E quem é o líder?

Sem obter resposta, foram deixados ao lado de um campo de treinamento, onde soldados de lança treinavam seus ataques em sincronia ao comando de um outro indivíduo com espada na cintura. O método de combate dos Zitas parecia ser a clássica falange, onde os soldados se alinham em fileiras com a lança para frente e protegem-se com escudos. Era um método bem eficaz em combate frente a frente, sendo uma formação quase indestrutível, mas era bem suscetível a ataques laterais. Os jonts prezavam mais pela mobilidade, então abandonaram o método da falange há muitos anos.

- Tem certeza que seu plano vai funcionar? Eles já parecem estar muito bem - Kraemer perguntou.

- Os métodos deles não são dos melhores - Zula pontuou.
- Mas são disciplinados e não parecem estar em falta de recursos.

- Não temos escolha, então tem que funcionar - Luger respondeu, apreensivo, mas tentando parecer firme.

Trocaram mais algumas palavras a respeito do lugar e do que fariam em seguida, quando foram interrompidos.

- Sentido! - O homem que guiava o treinamento dos soldados de lança gritou.

Em sincronia, os soldados alinharam-se novamente, ajustaram suas posturas e bateram com o cabo da lança no chão, soltando um grito em uníssono.

- Descansar! - A ordem foi dada por um outro homem que agora se aproximava.

O homem possuía pele morena, tranças no topo da cabeça e a lateral do cabelo era raspada. Usava um peitoral de bronze com um desenho de uma pessoa com dois rostos na altura do peito, um rosto masculino e um feminino. Ao seu lado, um humano mais jovem de pele mais escura e com o mesmo tipo de cabelo o acompanhava, com uma armadura que parecia mais leve, seguido de um dos soldados que havia os escoltado na entrada.

Enquanto os soldados voltavam ao treinamento, o homem se aproximou, mordendo uma maçã.

- Ora ora, se eu soubesse que receberia a visita da realeza teria vestido algo melhor - O homem falou.

- Eu sou Luger Flei, legítimo príncipe de Kristtalia - Luger disse - Ao meu lado estão Kraemer e Zula, membros da minha casa e da minha guarda pessoal.

- Ora, sem tantas formalidades, eu sou o general Aníbal - O homem disse ainda enquanto mastigava a maçã - Vamos, digam o que querem.

- Não prefere um local mais particular? - Luger questionou.

- Não é necessário - O homem respondeu de forma seca - Não tenho o que esconder dos meus homem e ninguém irá nos interromper. Vamos, diga.

Vendo que não haveria outra maneira, Luger começou a falar.

- Vim aqui propor uma aliança militar…

Antes que pudesse continuar, o homem deu uma gargalhada.

- Me aliar a você? Ora, Nova Szi tem sofrido ataques constantes desde a sua fundação, mas nunca recebeu ajuda de fora. O que mudou agora, majestade?

- Acredito que possa ser do seu interesse, já que temos um inimigo em comum - Luger disse, mantendo a firmeza na voz e ignorando a gargalhada do general.

- Temos uma lista extensa de inimigos, vai precisar ser mais específico.

- O trono de Kristtalia está na mão de usurpadores e recentemente, os Bluts se aliaram a uma tribo de kruigs adoradores de Oásis.

- Oásis? Não conheço esses deuses estrangeiros - Aníbal perguntou, dando mais uma mordida na maçã.

- Oásis, a água, seus adoradores costumam usar pinturas em forma de espirais na coloração azul - Luger respondeu - Vocês os conhecem como Garras da Água.

- Ah, malditos selvagens - Aníbal mordeu a maçã de novo, sem demonstrar preocupação - Sempre achei que eles desconheciam a diplomacia, me surpreende terem se misturado com sua gente.

Apesar de não afetar Aníbal, a informação pareceu surpreender o rapaz ao lado, pois sua postura ereta mudou e passou a transitar seu olhar entre Aníbal e Luger.

- Aliás, por que não resolvem sozinhos? Vocês não vivem se gabando por terem as melhores armas em toda Zara? - Aníbal jogou pro lado o resto da maçã quase completamente consumida - Estamos tentando varrer esses imprestáveis de Zara já tem quase um século e ninguém fez nada, agora pisaram no calo de vocês e rapidamente se tornam uma ameaça relevante?

A negociação não parecia ter começado nos melhores eixos, mas Luger não se deixou abalar.

- O fato é que você não está vendo a situação como um todo - Luger insistiu - Também estive em batalha com eles, vi o tipo de armamento precário que eles usam, ainda assim está de igual para igual com vocês. Conseguem imaginar o que poderiam fazer com armas de qualidade em mãos?

- Ora, quem disse que são iguais a nós ? Nós somos melhores. Além disso, parece que não sou eu quem estou na mira.

- Nunca tivemos problemas com os kruigs, se eles buscaram essa aliança é porque tem outro interesse em mente. Se nos vencerem, quem você acha que seria o próximo? 

- Eu não acho coisas, eu sei! O que eu sei é que temos defendido essa cidade por mais de um século e não vai ser um homem com metade do meu tamanho que vai me dizer que eu não consigo fazer isso.

- E o que eu sei é que nós dois temos coisas a perder - Luger continuou - Eu tenho um reino e você sua cidade.

- Primeiro, somos uma cidade-estado, segundo, não precisa continuar, eu já conheço sua oferta - Aníbal falou, levantando um dedo indicador para interromper a fala de Luger - Em troca do meu exército, você me oferece um estoque valioso de suas preciosas armas, não era isso? Era esse seu trunfo, não era?

Realmente era, mas Luger estava disposto a insistir, afinal, não tinha outra escolha.

- Não trate como uma oferta qualquer, nós temos as…

- Melhores armas de Zara, eu sei - Aníbal interrompeu novamente - Vocês não se sentem repetitivos?

- E você não acha que está nos subestimando?

- Hahahaha - Aníbal deu uma gargalhada profunda e duradoura - Espera aí, espera aí, agora eu não aguentei.

A gargalhada durou tempo o suficiente para Luger se sentir desconfortável e dar uma olhada para trás, apenas para confirmar que Kraemer e Zula demonstravam o mesmo desconforto. Voltando seu olhar para frente, percebeu que até o homem jovem ao lado de Aníbal estava desconfortável.

- Tá bom, tá bom, já chega - Aníbal falou, limpando com o dedo indicador as lágrimas que haviam escorrido - Vamos voltar a falar sério agora.

Luger nunca entendeu o que o fez rir com tanta vontade naquele momento, achou que mais tarde compreenderia, mas não foi o caso. Logo, Aníbal recuperou a seriedade e voltou a falar.

- O que eu acho é que uma arma não define uma batalha. O que define é quem a está usando e vocês deveriam ter aprendido a lição, afinal, foram massacrados por alguns selvagens utilizando ferramentas de pedra.

- Eles tinham a vantagem do número, do terreno e do elemento surpresa. Com uma boa estratégia, teríamos conseguido - Luger afirmou.

- Tudo bem então, senhor estrategista - Aníbal zombou - Vamos fazer um acordo.

Luger estava começando a se cansar da zombaria de Aníbal, talvez não tivesse sido realmente a melhor ideia negociar com aquele tipo de indivíduo, mas precisava insistir, ele devia isso ao seu povo.

- E qual sua proposta?

- Se você acha que suas armas definem uma batalha, então eu o desafio a vencer um de nós em um combate individual. Caso consiga, pode contar com a minha ajuda. Caso contrário - Aníbal riu - Bem… vamos ver.

- Aceita Luger, eu venço - Kraemer falou.

- Não tão rápido meio-homem - Aníbal zombou - O príncipe é quem vai lutar, ele não é o estrategista? Para ser justo, ele vai enfrentar meu filho, acho que são quase da mesma idade não são? Estou tentando balancear as coisas aqui, rapaz.

A garganta de Luger fechou na hora e seus braços amoleceram ao lado do corpo. Sabia que a situação estava em suas mãos e realmente havia criado expectativas em resolver o problema, mas não achou que precisaria contar com suas habilidades de combate medíocres para isso. Podia sentir a tensão de seus dois amigos logo atrás dele, pois ambos sabiam que Luger era péssimo em combate e se aquele acordo diplomático dependeria disso então era melhor que montassem logo no capre e voltassem para casa de mãos vazias.

- Bem… - Luger gaguejou.

- O que foi? Vai me dizer que o príncipe está com medo? - Aníbal zombou mais uma vez - Essa sua adaga aí não é de metal terroso? Não é assim que chamam? Não é o melhor metal de toda a Zara?

- Um golpe com essa adaga poderia… matar o seu herdeiro - Luger argumentou - Não se preocupa com isso?

- Deixe as minhas preocupações comigo e lide com as suas - Aníbal respondeu secamente - Ou aceita ou suma daqui.

Pensando na decepção que seria sair dali de mãos vazias, respondeu, antes que perdesse de vez a coragem.

- Aceito.

- Ora ora, não achei que tivesse colhões - Anibal bateu palmas - Formação para duelo!

Em seguida, todos os soldados que antes estavam treinando com lanças movimentaram-se e formaram um círculo ao redor de Aníbal, Luger e os demais que os acompanhavam na conversa. No decorrer da movimentação, Luger pensou em falar com Kraemer e Zula, se explicar, talvez. 

- Kraemer, Zula - Luger deu alguns passos para trás, tentando se aproximar dos amigos para falar em voz baixa - me desculpa, eu não…

- Você consegue, irmão - Kraemer falou, dando um tapa no seu ombro.

- O quê? - Luger esqueceu o que ia dizer por um momento.

- Acaba com ele, Luger - Zula disse, baixinho.

- Espera, vocês não entendem - Luger cochichou de volta.

- Você não teria aceitado se não tivesse como vencer, eu sei disso - Kraemer disse - Sempre foi o mais inteligente do grupo.

- Confiamos em você - Zula falou - Pode confiar na gente também, estaremos aqui com você, não deixaremos nada te acontecer.

“Eles estão loucos…” Luger pensou “Ou querem me ver morto”

O combate corpo a corpo nunca foi o forte de Luger e seus amigos sabiam. Havia recebido treinamento com uso da espada e da lança, mas a única arma que carregava consigo era a adaga de metal terroso, símbolo de sua posição. Assim sendo, resolveu que se dedicaria apenas com ela, mais ainda, como a única coisa que poderia fazer com a adaga em combate seria perfurar alguém, então treinou apenas isso. O único golpe que fazia sentido em sua cabeça era a estocada, assim, seu treinamento se baseou apenas em um golpe. Foi exaustivo e repetitivo, refinando o golpe para que fosse o mais forte, rápido e preciso possível. Mas no fim das contas era isso, Luger conhecia apenas um golpe. Curiosamente, o rapaz que esteve ao lado de Aníbal durante toda a discussão agora era seu adversário. Um soldado rapidamente se aproximou e o entregou um escudo, enquanto este sacou a espada de sua cintura. A espada era curta, feita de bronze, sua lâmina era quase tão larga quanto o punho, reta e de dois gumes. Luger não usava escudo, como era costume dentre os jonts. Infelizmente, a defesa também não era o seu forte.

Estando todos posicionados, Aníbal falou, com um grande sorriso:

- Quem cair, perde. Quem largar a arma, perde. Quem morrer… perde.

Seu adversário estava com feições sérias e já estava com o escudo erguido. Algo em seus olhos indicava que não ia tentar apenas lhe derrubar ou desarmar. Enquanto isso, toda aquela disciplina vista nos soldados parecia ter se esvaído, eles agora gritavam, batiam palmas e pisavam forte no chão, em êxtase pelo espetáculo iminente. Kraemer e Zula se afastaram de Luger, aproximando-se do círculo formado pelos soldados animados.

Ter que retornar para casa após essa derrota já seria suficientemente humilhante, ser derrotado em frente a essa quantidade enorme de pessoas era quase como jogar o nome de todos os jonts na latrina. Portanto, como suas preces para que Zara o engolisse na terra não foram atendidas naquele momento, Luger ergueu o antebraço em posição de defesa e armou a adaga com a ponta para frente em posição de ataque.

- Preparados? - Aníbal perguntou em voz alta, recebendo um aceno positivo de ambos - Então… Lutem!

O rapaz rapidamente avançou em sua direção, sem muito tempo para Luger reagir. Com um golpe na diagonal de cima para baixo, Luger foi obrigado a se defender com seu avambraço, deixando seu rosto desprotegido, que logo foi golpeado com o escudo. Desnorteado, Luger deu dois grandes passos para trás tentando se afastar. Dois passos de Luger, no entanto, eram apenas um do humano, que avançou para desferir outro golpe com a espada. Assim como o golpe anterior, o rapaz abriu ligeiramente a guarda antes de atacar. Isso havia sido observado por Luger, mas seu corpo não era capaz de acompanhar seu próprio raciocínio. A armadura do humano era de couro, algo que a adaga de Luger facilmente atravessaria, mas matar o filho do general não seria nada diplomático. Pensando dessa forma, girou a adaga na mão de forma que o cabo ficasse para frente, enquanto dava novamente alguns passos rápidos para trás, esquivando-se do próximo golpe por muito pouco. Essa era sua última esquiva, visto que suas costas já estavam quase encostando nos soldados que formavam o círculo ao seu redor, então, estava na hora de contra-atacar. Aguardou o adversário preparar o próximo golpe, esperando que fosse novamente um golpe diagonal. Ao ver que seria atacado, Luger avançou, com o braço esquerdo erguido em defesa e o direito pronto para estocar com o cabo da adaga. Para seu engano, o golpe não foi igual, pois agora o humano deu uma estocada e não um golpe de cima para baixo, o que tornou sua defesa com o braço inútil. Porém, o rapaz não esperava que Luger tentasse se aproximar, reduzindo a distância entre os dois rápido demais, de forma que o golpe da espada não se encaixou com a potência total, resvalando na cota de malha de Luger sem causar qualquer dano. Ainda, aquela pequena brecha na defesa do humano se abriu novamente, suficiente para Luger aplicar toda a sua força em uma estocada com o cabo da adaga de forma precisa um pouco acima do estômago do rapaz, na altura do diafragma.

Ao ser atingido, o homem deu um passo para trás e ergueu o escudo rapidamente, voltando a baixá-lo um segundo depois, ajoelhando-se e posteriormente se largando ao chão, enquanto se debatia.

- Eu não… consigo… respi… - O rapaz tentava falar de forma entrecortada, enquanto se esforçava ao máximo para encher os pulmões de ar, sem sucesso.

O ambiente foi tomado por um silêncio, com alguns cochichos breves sendo disparados aleatoriamente como “já acabou?”. O final repentino da luta não surpreendeu apenas aos espectadores. Luger não conseguia parar de pensar “Acabou mesmo!? que sorte, que sorte, que sorte, que sorte, que sorte…”

Enquanto Luger processava a informação, o ar voltou a preencher os pulmões do jovem humano, mas longe de acabar com a agonia do garoto. O olhar de decepção de Aníbal era inegável e parecia querer fulminar o rapaz. Adiantando-se para parecer que não foi sorte, Luger se aproximou e estendeu o braço:

- Não fomos apresentados devidamente, posso saber o nome do meu adversário? - Luger perguntou.

O garoto hesitou, mas pegou na mão de Luger e se levantou, em seguida, guardando a espada na bainha.

- Eu sou Lucius, filho de Aníbal.

- Bem… Lucius, obrigado por me deixar vencer, prometo que valerá a pena para todos nós - Luger falou em voz baixa.

- Mas eu… - Lucius tentou falar, mas Luger continuou, virando-se para Aníbal.

- E então? Acordo é acordo, quando poderemos partir?




Luger considerou aquela vitória um grande golpe de sorte, enquanto seus amigos discordavam e diziam que chamar de sorte era uma ofensa à benção que Zara lhe concedeu. No fim das contas, não importava como, o que importava é que em pouco tempo Luger estava voltando para o castelo Flei com nada menos que 20 mil soldados Zitas. O exército Zita era composto por centúrias, que por sua vez eram unidades contendo 100 guerreiros comandados por um líder, denominado centurião. As centúrias possuíam lanceiros, que carregavam lança e escudo ou gladiadores, que usavam a mesma espada que Lucius usou contra Luger, denominada gládio, juntamente do escudo. Ainda, haviam as tropas auxiliares, compostas por cavaleiros, que montavam em cavalos e usavam lanças e os arqueiros, que usavam arcos de madeira e flechas com pontas de bronze. Lucius contou a Luger que antes os Zitas usavam bigas em combate, um modelo de transporte de duas rodas puxado por cavalos, no entanto, o terreno íngreme e irregular onde Nova Szi foi estabelecida tornava inviável a utilização desse transporte, especialmente para batalha, o que os levou a optar apenas pela cavalaria.

Durante a viagem, Luger pôde conhecer Lucius melhor, enquanto Aníbal manteve-se distante, liderando o exército. Lucius era o filho mais novo de Aníbal, dentre três filhos, no entanto, Lucius era o único homem, então Aníbal esperava dele nada menos que a perfeição, devido à cultura patriarcal dos humanos. O rapaz tinha seus 19 anos de idade e não parecia contente com a situação, pois sentia que a todo momento desapontava o pai, esperando muito que aquela união de fato trouxesse resultados positivos para seu povo. Ouvindo Lucius falar, Luger sentiu-se mal por algum dia ter reclamado de como seu pai o tratava, elogiando e enaltecendo sempre. Ainda sentia vergonha ao lembrar, mas nem se comparava ao que Lucius precisava viver. Por outro lado, Lucius parecia fazer qualquer coisa para agradar o pai, algo que fazia Luger lembrar de si mesmo.

A viagem de volta levou uma semana, chegando ao final do sétimo dia por conta da velocidade de marcha. Aproximando-se do castelo Flei, no entanto, uma surpresa os aguardava. Milhares de guerreiros batalhavam ao lado de fora da muralha, enquanto no topo, fileiras de calinas atiravam na tentativa de atrasar os invasores. No campo de batalha, um grande número de jonts de cabelo vermelho lutavam, indicando que Griselia obteve êxito em sua negociação com o clã do fogo. No entanto, as tropas estavam mal posicionadas e pareciam ter chegado tarde na luta, assim como Luger. Por outro lado, apesar de danificado, os portões ainda resistiam, demonstrando que Hod Gist conseguiu cumprir sua promessa. O número de kruigs era tão grande quanto da última vez que foram atacados, talvez maior. “Teriam os Bluts prometido o castelo Flei aos kruigs como parte do acordo?” Luger pensou. Mas agora não havia tempo para conjecturas, eles precisavam derrotar os kruigs, com aquela vitória, a derrota dos Bluts seria apenas o próximo passo. Sentindo a raiva subir do peito para a cabeça, Luger começou a murmurar para si mesmo a canção que ouviu, no dia em que foi derrotado. O zumbido que tanto lhe assombrava e que esteve em seus sonhos durante todos os dias após a derrota em Riss agora não lhe causava mais nada. Entendendo do que se tratava, seus dois amigos o acompanharam na melodia macabra. Lucius não entendeu, mas Aníbal já havia batalhado contra os Garras da Água antes e sabia do que se tratava. Com um meneio positivo de cabeça, Aníbal também começou a murmurar a canção, incentivando os soldados a fazerem o mesmo, enquanto marchavam. Logo, o zumbido tornou-se um coro, alcançando o campo de batalha. O zumbido foi recebido com êxtase pelos kruigs, surpresos pela chegada do reforço, enquanto os jonts enrijeceram ainda mais os nervos preparando-se para algo pior. Segundos depois, as feições de êxtase se desfizeram em completo terror.

- O príncipe retornou!!! - Griselia  gritou do campo de batalha.

Em resposta, os soldados do clã do fogo soltaram um brado de guerra, fornecendo aos jonts cansados um novo fôlego de vida e de esperança. Pegos de surpresa, os kruigs demoraram a entender que não haveria reforço e que estavam sendo atacados por todos os lados. Estranhamente, as armas utilizadas pelos kruigs ainda eram extremamente precárias, o que significava que o acordo feito entre eles e os Bluts não foi lá tão benéfico. Seguido de Kraemer e Zula, Luger avançou em auxílio a Griselia, sendo então seguido de Aníbal e Lucius que consigo trouxeram duas centúrias.

No campo de batalha, Griselia lutava com seu martelo e se esforçava para defender os golpes repetidos de um kruig enfurecido. Enquanto lutava, um segundo kruig se aproximou de sua retaguarda e a acertou com um chute, jogando-a no chão. Com velocidade, Luger interveio e jogou seu capre em cima do kruig, atingindo-o com a cabeçada do animal. O impacto da batida derrubou não apenas o kruig, mas também Luger, que rolou no chão e rapidamente se pôs de pé, usando seu único golpe para finalizar o inimigo antes que ele fizesse o mesmo. O kruig que estava em combate com Griselia foi atingido por uma flecha de Zula, sendo decapitado por Griselia logo em seguida. Luger rapidamente voltou a montar seu capre e avançou novamente para a batalha, matando pelo menos mais meia dúzia de kruigs com sua adaga. Apesar de seu golpe ser preciso, os kruigs eram resistentes e alguns precisaram de vários golpes para morrerem. Seu capre foi morto e ele foi atirado novamente no chão, mas com a ajuda de seus aliados conseguiu sobreviver à batalha sem grandes ferimentos. A batalha durou menos de uma hora após a chegada de Luger e os kruigs foram completamente massacrados, finalizando o combate com a decapitação do líder dos Garras da Água.

- Eu sabia que voltaria - Griselia recebeu Luger com um abraço.

A jovem jont estava coberta de terra e sangue, mas não parecia se incomodar com nada daquilo. Ao invés disso, gritou:

- Onde está o traidor!?

- Aqui minha senhora - Um jont de cabelos vermelhos respondeu, enquanto arrastava um outro jont de cabelos castanho escuro, com auxílio de uma jont também de cabelos vermelhos.

O jont de pelos castanho escuro segurava o abdômen com uma das mãos, tentando estancar um sangramento.

- Espera - Luger falou - Esse é Hur Ven?

- Piedade, meu senhor - Hur respondeu, cuspindo sangue no chão enquanto era colocado de joelhos pelos dois que o carregavam.

- Eu falei que ele era um covarde - Griselia falou - Mas não achei que era ao ponto de trair a própria raça.

- Por que fez isso Hur? Por que se aliou aos kruigs? Consegue imaginar o que seu pai diria? - Luger perguntou.

- Eu não… Eu não tive escolha - Hur disse, tossindo um pouco de sangue - Estávamos derrotados, meu pai ia querer que os Ven sobrevivessem, que estivessem no lado vencedor.

- Você parece estar vencendo agora? - Griselia perguntou, levantando um martelo de duas mãos.

Luger não viu necessidade de continuar questionando, sabia o que tinha acontecido. Quando ele e Griselia saíram, Hur informou aos Bluts que o castelo estava com as defesas frágeis. Os Bluts, por sua vez, ofereceram o castelo aos Kruigs, como recompensa pela ajuda anterior. Infelizmente para eles, o castelo Flei não estava tão desprotegido. Virando-se de costas, Luger acenou positivamente para Griselia, ouvindo o som do crânio de Hur Ven se partir com o impacto do martelo no segundo posterior. Não lhe alegrava matar integrantes da sua própria raça, mas a raiva não lhe deixou pensar diferente naquele momento.

Naquela noite todos puderam se estabelecer no castelo, preparando-se para a próxima batalha. Na mesa, os líderes se reuniram novamente.

- Obrigado por cuidar do castelo na minha ausência lorde Gist, fico feliz que os portões tenham suportado o ataque.

- Não me agradeça senhor, isso não teria sido possível sem a ajuda da Lady Griselia, os portões estavam a ponto de ceder quando ela veio - Hod Gist respondeu.

- Lady Griselia? Está falando sobre a minha avó? - Griselia respondeu, sarcasticamente - Deixe disso Hod, a vitória se deu graças a todos aqui presentes. Eu proponho um brinde a isso!

Em seguida, Griselia levantou o seu copo, seguido de todos que estavam presentes. Além de Griselia, Luger e Hod, encontravam-se presentes Himmlar Steeler, Lucius e Aníbal, este que levantou o copo em brinde mas não bebeu.

- O que foi? vai dizer que é igual ao Luger? também não bebe?

- Acho que já superei meu limite de álcool durante a juventude, agora a idade não me permite mais - Aníbal respondeu, se permitindo dar um pequeno sorriso.

- Então - Griselia puxou para si o copo de Luger e de Aníbal - Sobra mais para mim.

- Entendo que estejam em euforia por conta da vitória - Aníbal falou - Mas nossa ajuda veio com alguns termos. Quando iremos discutir sobre as armas que nos foram oferecidas? O acordo era que ajudássemos contra os kruigs e ajudamos.

- Você terá suas armas, general - Luger respondeu - Infelizmente, nosso estoque é pequeno e levaríamos alguns meses para produzir o combinado.

- E não temos alguns meses - Hod complementou - Em breve a notícia chegará na capital e eles prepararão um contra-ataque.

- Isso significa que não as terei, é isso? - Aníbal disse, secamente.

- Os Flei sempre cumprem seus acordos, não se preocupe, a derrota dos kruigs foi um golpe forte nas forças dos Blut e devemos isso a você - Luger respondeu, calmamente.

- Com o príncipe tendo recuperado a coroa - Griselia falou - Não haverá dificuldades em cumprir a parte que lhe foi oferecida.

- Certamente, darei ordens para que sejam produzidas a partir de agora, mas até que a guerra acabe, não conseguiremos operar em capacidade total - Luger complementou - Além disso, a cabeça do líder dos Garras da Água é sua, então acho que não está com as mãos completamente vazias.

- De fato, aquele dentuço já me deu muita dor de cabeça e é um alívio me ver livre desse problema - Aníbal disse.

- Sua parte foi cumprida e não posso pedir que me acompanhe até a capital - Luger disse - Mas preciso admitir que seu exército seria de grande ajuda. Aprendi que é melhor não subestimar os usurpadores.

- Tudo bem, eu o acompanho - Aníbal respondeu - Preciso das armas e quero garantir que sejam produzidas.

Convencer o general tão rapidamente não era o esperado, achou que precisaria fazer uma nova proposta, mas não iria reclamar da oportunidade. O clima entre os jonts quando os humanos estavam perto era sempre estranho, mas era inegável que a ajuda deles tinha sido essencial para a vitória. A batalha pelo castelo Flei gerou grandes perdas, especialmente aos soldados do clã do fogo, enquanto os Ven se abstiveram e os Gist possuíam pouco contingente, então não estavam em posição de negar ajuda.




Poucos dias se passaram antes de voltarem novamente a marchar. Os soldados feridos receberam tratamento e permaneceram no castelo, assim como aqueles que ficaram para protegê-lo de eventuais novos ataques. A viagem foi diferente da anterior, pois agora sabiam que a batalha os esperava e não colocavam mais esperanças vãs em diplomacia. 

Como esperado, a notícia sobre a derrota dos kruigs e a aliança dos Fleis com os Zitas chegou antes deles na cidade. Percebendo a desvantagem, os Bluts se rebelaram contra Fergon e Joslena e não ofereceram resistência quanto à entrada das tropas de Luger. Ao chegar nos portões, o capitão da guarda da cidade se aproximou.

- Meu senhor - Ele disse enquanto se ajoelhava, junto de mais dois soldados à sua direita e esquerda - A cidade é sua, os Bluts juram fidelidade ao rei de Kristtalia.

- O que está havendo, capitão? - Himmlar Steeler perguntou.

- A notícia sobre a derrota dos kruigs chegou até Riss e lorde Fergon ordenou que fossem feitos os preparativos para a batalha - Ele respondeu.

- E por que não o fizeram? - Dessa vez, Luger perguntou.

- A morte de lorde Noken e lorde Ven não agradou a população, então houve revolta - o capitão justificou - Fergon ordenou que usássemos força contra eles, mas isso vai contra o nosso juramento de cuidar e proteger, então tivemos que descumprir o comando.

- Espera, você falou da morte do lorde Noken e lorde Ven, mas e quanto ao meu pai? Lorde Flei.

- Está no castelo, senhor, foi feito prisioneiro. Ficamos com medo de invadir e ele causar algum mal ao rei.

De repente, um longo calafrio se formou no estômago de Luger e voltou a ouvir seu coração bater nos tímpanos. Percebendo seu abalo, Himmlar fez a próxima pergunta.

- Teremos resistência no castelo?

- Receio que sim, meu senhor - O capitão respondeu de imediato - Eles mantiveram a guarda real ao lado deles, mas com os seus números, creio que não será um problema.

- Certo - Luger disse, tentando deixar o medo de lado - Vamos em frente então.

Assim, de forma pacífica, atravessaram a cidade de Riss em marcha, indo em direção ao castelo. Aníbal esteve ao lado de Luger, assim como seu filho Lucius, enquanto Kraemer e Zula diziam palavras positivas para confortar o rapaz.

Para surpresa de todos, os portões do castelo estavam abertos e não havia guardas. Para Luger, estava parecendo fácil demais para ser verdade, nem mesmo a guarda real fez frente ao exército de jonts e humanos. Dirigindo-se à sala do trono, encontraram Joslena sentada ao trono com roupas elegantes e uma coroa de ouro na cabeça. Em frente ao trono, abaixo de um lance de quatro degraus, Fergon estava de pé, enquanto à frente dele estava Norman, de joelhos e usando roupas sujas, com uma adaga de metal terroso encostada em seu pescoço.

- Nem mais um passo! - Fergon vociferou.

Aníbal fez menção de se aproximar, mas Luger levantou o braço e o impediu.

- Acabou, Fergon - Luger tomou a frente - Solta ele, você está completamente cercado.

- Seu estúpido! - Fergon respondeu, berrando - Estúpido! Tem ideia do que você está fazendo? 

- O que eu estou fazendo? - Luger perguntou, indignado - Você tentou usurpar o trono, matou dois lordes e milhares de jonts, ameaça o legítimo rei com uma adaga em seu pescoço e pergunta o que eu estou fazendo!?

- Seu… fedelho de calças mijadas! - Fergon parecia estar irado ao ponto de não ter palavras para expressar - Você tem ideia do que você fez quando se aliou a humanos?

Enquanto seu pai vociferava, Joslena permanecia sentada no trono, disfarçando seu nervosismo com uma postura de soberba.

- Está de fato querendo comparar as nossas ações? - Luger não conseguia acreditar naquela ousadia.

- O que eu fiz foi lutar pelos direitos da minha filha, o que você fez foi pôr em risco toda a nossa raça trazendo predadores para dentro de nossos portões - Fergon respondeu - Foi esse o filho que criou, Norman? Um fedelho mimado e sem qualquer escrúpulo? Esse que você enchia os nossos ouvidos elogiando e que agora se alia a humanos?

Naquele momento, por mais que odiasse Fergon, Luger não podia deixar de concordar com algumas palavras. Sempre imaginou que os demais se incomodavam em ouvir aqueles elogios sobre ele e sabia que nenhum deles acreditava em suas capacidades de verdade, apenas riam e concordavam devido à influência de Norman.

- Não cortamos a macieira quando uma das maçãs apodrece - Norman falou, para surpresa de Luger - menos ainda devemos condenar toda uma raça pelos erros de alguns. Meu filho tomou a decisão como eu o ensinei a tomar.

- Cale a sua boca! - Fergon encostou ainda mais a lâmina no pescoço de Norman - Se você tem a indecência de defender essa raça é ainda mais uma razão para não termos te aceitado como rei, você não é digno, humanos são escória e todos estão em risco por causa do seu filho inconsequente.

- E quem seria você para julgar? Acaso se esqueceu de sua recente aliança? - Dessa vez, Aníbal falou.

- Não dirija sua palavra a mim, seu ignóbil! - Fergon gritou - Se quer saber, os kruigs são muito mais decentes do que vocês!

- Resolva você, Luger - Aníbal falou em voz baixa - Se eu me intrometer novamente vou acabar esquartejando esse paspalho e não quero pôr seu pai em risco.

Preocupado, Luger olhou para o rosto do pai, buscando desesperadamente algum conforto que lhe fizesse acreditar que tinha feito o certo e que podia resolver aquela situação de alguma maneira sem perdê-lo. Por menores que fossem as probabilidades, recebeu de volta um sorriso e um olhar de mais pura confiança, como se nem passasse pela mente de Norman se ferir naquela situação. 

“Como ele pode me olhar assim depois de tudo isso? Ele está sangrando, ele realmente acredita com tanta vontade que eu conseguirei? Como ele pode acreditar tanto assim se nem eu mesmo acredito?” Luger pensou. Em seguida, respirou fundo, tentando manter-se firme.

- Tudo bem, Fergon. Vamos conversar, o que você espera conseguir com isso? - Luger falou, se esforçando para manter a consistência na voz.

- Eu já tenho o que quero, a coroa está onde devia estar, agora você vai pegar esse bando de animais e sair da minha cidade para nunca mais voltar!

- Isso não vai acontecer, Fergon - Luger respondeu, tentando parecer calmo - Você vai soltar meu pai e se render, é assim que vai acontecer.

- Você por acaso quer que essa seja a última lembrança do seu pai? - Fergon segurou forte no cabelo de Norman e ameaçou cortar sua garganta - Tem certeza, seu fedelho?

- Se você fizer isso… - Luger fez menção de puxar sua adaga, mas respirou e pensou numa forma mais inteligente de lidar com Fergon.

- Se fizer isso, não serei eu quem o matará, nem a sua filha - Luger falou - Mas depois do que falou sobre os humanos, não iria gostar se eu os entregasse a eles.

- Eu mataria minha filha, antes de deixá-la cair nas mãos de um humano - Fergon respondeu.

- Não teria tempo - Zula falou, com o arco retesado e a flecha apontando para Fergon - Nem a mínima chance.

A postura de Fergon finalmente mudou. Onde antes só se via raiva, agora tinha traços de medo.

- E o que me garante que não farão isso de qualquer jeito? Até onde sei vocês também não têm qualquer escrúpulo.

- Você tem minha palavra Fergon, se soltar o meu pai, você e sua filha estarão livres para ir - Luger respondeu - Diferente da sua casa, os Fleis sempre mantêm a palavra. Nunca poderá contestar isso.

- Você está nos condenando, Luger, saiba disso. Não sabe ainda, mas está nos condenando. Se algum dia vier rastejando pela minha ajuda, cuspirei na sua face.

- Apenas solte-o e cumprirei minha palavra - Luger falou, ignorando as novas ofensas.

Hesitante, Fergon se afastou de Norman e soltou a lâmina, subindo os degraus em direção ao trono, de costas. Correndo, Luger foi até seu pai e o abraçou, enquanto soldados da casa Flei se aproximavam rapidamente para impedir que Fergon voltasse a ser uma ameaça ao rei.

- Kraemer, leve alguns Fleis com você e garanta que os dois saiam daqui em segurança - Luger ordenou.

- Sim, senhor.

- Desculpa pai, eu estava blefando, não ia entregar Joslena aos humanos - Luger apressou-se em explicar, ainda abraçando firme o pai.

- Filho, eu o conheço mais do que você mesmo - Norman respondeu - É claro que eu sei que não entregaria.

Enquanto Fergon e Joslena eram levados para fora, Aníbal arrancou da cabeça de Joslena a coroa de ouro e se aproximou de Luger e Norman.

- Garoto, tem certeza do que está fazendo? Se não acabar com eles agora, voltarão a ser um problema no futuro.

- Eu dei minha palavra, general, assim como dei a você - Luger respondeu, virando-se para Aníbal - Bem… esse é meu pai, Norman Flei. Pai, esse é Aníbal, o Zita.

Levantando-se, Norman estendeu a mão a Aníbal com um sorriso.

- Seja bem vindo ao castelo de Riss, sinto muito que o tenha conhecido em um contexto tão desafortunado.

- Acho que não havia melhor hora para deixar nossas diferenças de lado - Aníbal disse, erguendo o braço e entregando a coroa a Norman - Tome, isso pertence a você.

Pegando, Norman encarou o objeto de ouro com uma certa tristeza.

- O que foi, pai? - Luger perguntou.

- É apenas um objeto simbólico, mas o seu peso é quase grande demais para suportar. O ódio entre os jonts nunca esteve tão aflorado, se eu pudesse escolher, nunca teria escolhido carregar esse peso.

- De onde eu venho não utilizamos coroas e nossos líderes são escolhidos pelo próprio povo. Eu tive a escolha de negar, mas não acho que seria uma boa decisão.

- Eu não sabia disso, é um sistema diferente - Luger falou - Você não considera um fardo?

- Claro que sim, mas não seria uma atitude covarde jogar nos ombros de outra pessoa?

- Esse é o ponto, general - Norman falou, abaixando a coroa e olhando para Luger - Eu terei que jogar nos ombros de outra pessoa...

- Mas um líder não faz por ele mesmo, fazemos pelo nosso povo. No seu caso, não há com o que se preocupar - Aníbal o tranquilizou - Você criou muito bem o seu herdeiro, tenho confiança que você deixará Kristtalia em boas mãos.

Tentando afastar a nuvem que se formava em sua mente, Norman encerrou o assunto, se alegrando por alguém além dele mesmo estar elogiando Luger.

- Sinto que teremos uma boa relação, general - Norman disse, agora com um sorriso no rosto - Agora vamos, não posso ficar aqui me lamentando o dia inteiro.

Luger não conhecia aquele lado de Aníbal, para ele era uma surpresa. Ainda, era costume ficar envergonhado quando alguém o elogiava em público, mas não aconteceu dessa vez. Talvez estivesse evoluindo, quem sabe, somente o tempo poderia responder.




Alguns dias após a vitória sobre os Bluts, os líderes remanescentes se reuniram no castelo em Riss, na capital. Na reunião encontravam-se Luger e Norman Flei, Himmlar Steeler, Hod Gist, Vermond Blut e Aníbal. Vermond era o irmão mais novo de Fergon e o substituiria como líder da casa Blut. A família Ven ainda estava sem um representante, enquanto Griselia, da família Noken, havia se ausentado por razões não especificadas. De qualquer forma, aquela reunião havia sido organizada no intuito de discutir o acordo feito entre Luger e Aníbal, portanto, as partes interessadas encontravam-se presentes.

- Saudações, queridos lordes - Norman levantou-se de sua cadeira durante a saudação, voltando a se sentar em seguida - Tendo finalmente alcançado a merecida paz, nos reunimos para discutir os espólios de nosso aliado mais recente.

O desconforto de Himmlar, Hod e Vermond na presença de um humano ainda era visível, mas o papel dos Zitas na obtenção da paz foi crucial e esse fato não podia ser ignorado por nenhum deles, que se viam obrigados a dar o braço a torcer.

- Foi-lhes prometido armas - Norman se dirigiu a Aníbal - Então armas lhe serão dadas. Iniciaremos uma produção com força total e garantimos um fornecimento constante para a sua cidade por um ano.

- Agradeço, rei Norman - Aníbal parecia genuinamente satisfeito com o acordo - Esse acordo é de grande valia para o meu povo, então, gostaria de propor também rotas comerciais entre nossas cidades. Mesmo que sejamos supridos de armamentos, não teremos como realizar manutenções ou expandir nosso arsenal se não mantivermos relações comerciais com Kristtalia, então, proponho fazermos algumas trocas, nós temos ouro, carne, queijos e vinhos da melhor qualidade.

- De fato, sem acesso aos minérios, os Zitas teriam que fundir as antigas armas para forjarem novas, mesmo assim, a qualidade não se manteria - Hod pontuou.

- Ainda, qualquer adversidade que venha a ter com os dentuços, vai poder contar com nossa ajuda - Aníbal complementou - Proponho darmos continuidade na aliança militar forjada entre eu e seu filho.

Depois de ponderar sobre a proposta por alguns segundos, Norman falou:

- É incontestável que nossa aliança tenha sido proveitosa, mas se propõe que ela deva continuar ou mesmo se expandir, acho que não deve caber a mim tomar essa decisão - Norman respondeu com orgulho - Luger, suas escolhas salvaram minha vida e a de todos os jonts dessa sala, portanto, o que você disser sobre isso será feito.

Se Luger estivesse com algo na boca, certamente teria se engasgado. Agora que o pai estava de volta, achou que demoraria a ter de tomar uma decisão crucial novamente. Tendo baixado a guarda, foi pego de surpresa pelo olhar de expectativa do pai, aguardando suas “tão sábias decisões”.

- Hum… - Luger refletiu, enquanto entrelaçava os dedos abaixo do queixo. O acordo entre ele e os Zitas de fato havia sido bem sucedido e por causa deles seu pai estava vivo, mas por alguma razão aquela união não o agradava.

- Hum… - Algo na postura de Aníbal o incomodava, talvez fossem as histórias que ouvira no passado, mas não queria que sua decisão fosse baseada em preconceito, apenas por Aníbal ser humano. Mas era apenas isso mesmo?

- Hum… - A tensão de todos na mesa aumentava. Ainda, se ele apresentasse alguma oposição ao acordo com Aníbal, precisaria justificá-la e não daria para fazer isso apenas com pressentimentos e inseguranças. Ele precisaria de algo sólido e não tinha, pra piorar, estava começando a parecer um idiota que só sabia resmungar “hum”…

- Nossa aliança pode se manter, general - Finalmente as palavras saíram de sua boca, meio a contragosto, mas tentando não deixar evidente - Mas quero que Lucius, seu filho, seja o embaixador dos Zitas em nosso reino e que seja o mediador de nossas negociações.

Esperava que aquele pedido abalasse Aníbal de alguma forma, mas não parece ter tido efeito algum, muito pelo contrário.

- Então estamos de acordo - Aníbal animou-se com a resposta, batendo palmas - Como sinal da boa fé de toda a minha gente, tenho algo a oferecer. Lucius!

O filho de Aníbal entrou na sala, dessa vez usando roupas leves e carregando uma ânfora na mão.

- Para que tenham a verdadeira prova de que nossos produtos são da melhor qualidade e que não se arrependerão - Aníbal disse, enquanto o garoto servia a todos em pequenas taças de cobre - Este é o nosso melhor vinho, envelhecido por 20 anos em carvalho de Nod, não há nenhum como esse em toda Zara.

Aproximando do nariz, Aníbal sentiu o aroma do vinho e em seguida ergueu a taça, propondo um brinde.

- À nossa aliança! Que a paz seja nossa amiga e que nossos lares prosperem!

Ao passo que todos levantaram a taça para brindar, Aníbal deu o primeiro gole, fechando os olhos em seguida para apreciar o sabor, engolindo em seguida.

- Como eu disse, o melhor.

O gesto então foi seguido pelos demais, que primeiro sentiram o aroma da bebida. Havia uma variedade de bebidas alcoólicas produzidas pelos jonts, mas o vinho não era uma delas, então havia um misto de curiosidade e estranhamento acerca da bebida. Após se agradarem com o aroma, vieram os primeiros goles. Quanto a Luger, ele nunca bebia, mas estranhamente havia um turbilhão de coisas em sua cabeça naquele momento. Havia uma coceira em sua mente, achou que fosse o estranhamento por talvez não ter Griselia na mesa tomando o copo de sua mão para beber. Mas havia algo mais. O general não bebia, assim como ele, então por que estava agindo daquela forma em frente aos demais? Na verdade, ele sempre parecia diferente na frente de Norman, entretanto, havia algo mais. O exterior daquela sala sempre tinha guardas, mas quando Lucius entrou, Luger não viu nenhum, apenas humanos de relance. Ainda, havia algo mais…

- Esperem! - Luger gritou, infelizmente, tarde demais.

- Ah Luger, deixa disso - Aníbal riu - Só dessa vez, se permita esse pequeno prazer. 

Lucius mantinha a cabeça baixa sempre, como se aguardasse novas ordens do pai.

- Quanto você bebeu? - Luger perguntou a Norman.

- Pouco, tem um gosto exótico - O pai respondeu - O que está acontecendo, Luger?

- Ora…  é bom que sobra mais para mim - Aníbal continuou, ainda em tom relaxado.

- Lorde Himmlar, precisamos de antídotos, agora - Luger levantou-se rapidamente da mesa e aproximou-se de Aníbal, entregando-lhe a taça - Beba então, fique à vontade.

Himmlar Steeler recebeu a informação com espanto, mas não ousou questionar, apenas se levantou e foi em direção à porta.

Poucos teriam percebido que dentre todas as taças de bronze, a de Aníbal era a única com entalhes diferentes. Enquanto todas possuíam linhas retas horizontais, as linhas da taça de Aníbal eram ondulantes. Aquilo de fato o incomodava, pois tinha uma pequena obsessão por padrões visuais. Aníbal, no entanto, não se abalou. Pegando a taça da mão de Luger, alargou ainda mais o sorriso, enquanto aproximava a taça da boca. Antes de tocar os lábios, porém, lançou a taça para o lado, esparramando o líquido no chão.

- Ora ora, não é que você é o meio-homem mais inteligente que já conheci mesmo? Infelizmente não é isso tudo, o que diz muito sobre sua raça.

Olhando para trás, Luger percebeu que Himmlar estava parado à porta, com a mão na maçaneta. Sua cabeça, no entanto, estava curvada e aos seus pés caíam gotas de sangue contínuas.

- Não… não não não - Luger se virou para seu pai.

- Eu não… eu… - Norman não conseguia respirar, enquanto sangue escorria de sua boca - Só… Sobreviva…

A mão de Hod tremia, deixando o vinho cair da taça, enquanto sua boca sangrava, assim como Vermond.

- Traidor! - Luger gritou, antes de ser atingido no nariz por um soco de Aníbal e desabar no chão.

- Uma gota mataria um cavalo - Aníbal caminhou em direção a Luger, jogando também sua taça para o lado - Um quarto de uma gota mataria um humano, considerando que vocês são apenas metade de um… Esse foi mais um presentinho de nossa terra.

Olhando para o alto, Luger também viu Lucius, que antes estava de cabeça baixa mas que agora havia erguido, apenas para não precisar olhá-lo nos olhos.

- Seu… - Antes que pudesse falar, Aníbal lhe aplicou um chute no rosto.

- Capitão! - gritou.

Em seguida, um humano de armadura entrou na sala, passando por cima do corpo de Himmlar Steeler.

- Às suas ordens, general.

- Os planos mudaram. O meio-homem me traiu e tentou me matar, num ato de pura ganância foi capaz de envenenar o próprio pai, junto dos líderes das demais casas na tentativa frustrada de ascender ao trono. Prendam esse traidor imundo e dê ordens aos seus homens: Essa noite, tomaremos o castelo.




Depois de mais um golpe na cabeça, Luger foi arrastado para a masmorra, semiconsciente, enquanto ouvia sons de combate no castelo. Não sabia quantas vezes apagou e quanto dormiu, apenas que acordou com um som de algo batendo contra o chão. Quando abriu os olhos, estava em uma cela escura, deitado no chão de pedra, com o rosto sujo de sangue seco. Olhando para o corredor da cela, um humano estava deitado no chão com o crânio deformado, enquanto uma jont de cabelos ruivos se abaixava ao lado dele e mexia em seus bolsos.

- Griselia? - Luger perguntou.

- Príncipe, não se preocupe, vou tirá-lo daí - Griselia puxou um molho de chaves do bolso do humano morto e se levandou, trazendo consigo o martelo que estava repousado ao lado do cadáver.

- Não, não precisa, nós perdemos, salve a si mesma e me deixe aqui - Luger respondeu com desânimo na voz.

- O quê? Olha, não foi fácil chegar até aqui, tem humanos pra todo lado nesse castelo. Só consegui chegar por conta da passagem através da montanha que por hora eles ainda não descobriram, mas não vamos dar chance de isso acontecer.

Enquanto falava, ela já destrancava a cela.

- Ele morreu… meu pai morreu - Luger falou, agora deixando as lágrimas rolarem, sem qualquer disposição para levantar do chão - A culpa foi minha, eu não sirvo para tomar decisões, eu não sirvo!

- Ei, o que tá rolando? Tira logo ele daí - Luger ouviu a voz de Kraemer vindo do corredor, de algum ponto à esquerda que ele não tinha visão.

- Malditos! - Griselia respondeu, em seguida deu um soco na parede - Malditos, malditos! Olha, Luger, não foi culpa sua, nós sabíamos que os humanos eram traiçoeiros, mas essa aliança foi necessária, você fez tudo o que pôde.

- Não fiz… Eu tive a chance de salvar a todos, eu percebi a traição, se eu tivesse avisado alguns segundos antes, só uns malditos segundos.

- Tudo bem, eu sei que está abalado pela morte de seu pai e não vou culpá-lo por isso, mas nós precisamos de você agora, não temos tempo, eu preciso de você!

- Não precisa, estarão melhor sem mim, eu te livro do seu juramento, não sou mais seu soberano.

- Luger - Griselia insistiu - Eu vi você derrubar kruigs com três vezes o seu tamanho para me salvar, vi você agir em um momento de crise e salvar a sua casa e todas as outras, não escolhi seguir você só por causa de um juramento, eu não posso e não vou te deixar aqui!

- Eu também não - Kraemer falou, entrando na cela - E quer saber de uma coisa? Já cansei de ficar vendo você duvidar de si mesmo o tempo todo. Eu queria que a gente tivesse mais tempo para ter essa discussão, mas não temos e sei também que não é preciso, você é o mais inteligente do grupo, sempre foi, se um idiota como eu posso ver do que você é capaz, então você também consegue. Agora levanta esse rabo sujo daí que a Zula está guardando a entrada, não sabemos quem pode vir.

- Kraemer - Griselia cochichou - Norman morreu.

- Ah… É… Puxa cara - Kraemer falou, totalmente sem jeito por falar daquela forma com o amigo - Estamos com você irmão, sinto muito pela forma que falei, mas não vamos te abandonar nunca.

Em silêncio, Luger deixou as palavras penetrarem em sua alma. Enxugando os olhos com as costas das mãos, olhou para cima e viu que seus dois amigos estavam com braços estendidos para ele. Segurando firme, Luger se levantou e bateu a palma da mão nas roupas para retirar a sujeira. De fato, ainda não era hora de desistir, fazer isso seria abandonar quem acreditava nele, seu pai jamais aceitaria isso.

Esgueirando-se sorrateiramente, o grupo conseguiu chegar até a pequena capela da deusa Zara, onde a família real de Kristtalia costumavam fazer suas preces. No caminho, alguns humanos intercederam, mas as flechas de Zula foram o suficiente para lidar com eles. Movendo uma estátua no fundo da capela, atravessaram a passagem e seguiram por um labirinto de túneis quilométricos. Os túneis foram construídos para confundir quem entrasse, de forma que haviam diversas ramificações, mas o segredo de qual túnel seguir era passado adiante através de uma pequena canção. Antes, era um segredo entre os membros da realeza, mas logo caiu na boca do povo e se espalhou, sendo agora de conhecimento comum. Felizmente, os invasores não eram jonts e pouco se interessavam sobre a cultura dos que residiam ali.

Seguindo as direções indicadas pela canção, o grupo saiu da montanha e seguiu em meio à mata até um local onde Griselia havia deixado dois capres.

- Griselia, onde você estava durante a reunião? Todos os líderes foram convocados - Luger perguntou - Digo, graças à Zara que você não estava.

- Eu não recebi a convocação, pelo contrário, fui emboscada por um grupo de humanos. Acho que Aníbal sabia que eu causaria desordem nos planos dele.

Observando agora com cuidado, Griselia também não havia saído ilesa. O rosto estava sujo de sangue, mas não apenas dos inimigos, seu braço estava com uma faixa encharcada de sangue e sua armadura estava com arranhões profundos.

- Sinto muito, deve ter sido uma luta e tanto - Luger lamentou.

- Não se preocupe, eu estava preparada, nunca confiei nessas serpentes.

- Mas agora… para onde iremos? - Kraemer perguntou.

- Não podemos voltar, infelizmente o castelo está perdido, teremos que seguir para o meu clã.

- Mas os jonts estão sem liderança, todos os líderes das casas morreram, os Zitas vão vender a eles que eu os matei - Luger respondeu, abaixando o tom conforme lembrava do que ocorreu.

- Os jonts são fiéis Luger - Griselia respondeu - Bem… pelo menos a maioria. Mas acredito que quem é fiel a você se unirá a você. 

- E quem seria fiel a mim? Meu pai era um símbolo para Kristtalia, eu sou só… nem sei.

- Luger… - Griselia colocou o martelo no chão e se ajoelhou.

O mesmo foi repetido por Kraemer e Zula.

- Espera… o que estão fazendo? Isso não é hora.

- Luger, você não é mais o nosso príncipe - Griselia disse, abaixando a cabeça - Você é o nosso rei. Eu, Griselia, descendente do fogo e matriarca da casa Noken, juro fidelidade a Luger, patriarca da casa Flei, Rei de Kristtalia e líder de todos os jonts.

- Espe…

- Eu, Kraemer, integrante da casa Flei, juro fidelidade a Luger, patriarca da casa Flei, Rei de Kristtalia e líder de todos os jonts.

- Vocês não precisam, não devem…

- Eu, Zula, integrante da casa Flei, juro fidelidade a Luger, patriarca da casa Flei, Rei de Kristtalia e líder de todos os jonts.

- Pessoal, eu sei que sou o legítimo rei, mas não quero decepcionar vocês, não posso mais…

- Então não decepcione - Kraemer respondeu - Se não confia em si mesmo, confie em seu pai, pois ele nunca deixou de acreditar em você em momento algum.

- Ele sabia o líder que você se tornaria, não ia ficar feliz de ver você duvidando dessa maneira - Zula complementou.

- Eu já vi do que você é capaz - Griselia falou - Preciso que você também veja, nós precisamos de um líder agora e esse tipo de pensamento só vai levar a hesitação, não podemos hesitar nesse momento.

De fato, se não duvidasse tanto de si mesmo, teria tomado a decisão correta sobre os Zitas, aquela que seu coração estava gritando para que tomasse durante a reunião. Se não duvidasse tanto de si mesmo, talvez seu pai ainda estivesse vivo. Com as duas mãos no rosto, Luger inspirou fundo, segurando o ar no peito alguns segundos e depois expirando, enquanto largava os braços ao lado do corpo.

- Tá bem, vocês estão certos - Luger admitiu - Não posso continuar assim. Levantem-se, por favor.

Todos os três se puseram de pé.

- Como seu rei, sei que estarão subordinados a meus comandos. Mas, como seu amigo, preciso que estejam ao meu lado, não abaixo de mim. Por toda minha vida eu me senti inseguro sobre minhas próprias capacidades e mudar isso de uma hora para outra não será possível, nem nas minhas melhores projeções. Então, juro que farei o meu melhor sempre, mas se eu fizer alguma estupidez, preciso que me digam, não importa que eu seja o seu rei.

- Isso é uma ordem meu rei? - Kraemer perguntou.

- Não… quer dizer… - Luger tentou formular a resposta quando percebeu que Kraemer e Zula riam de sua situação, permitindo a si mesmo dar um pequeno sorriso também - Ah, seus idiotas, vocês entenderam, vamos embora daqui logo.

- Sim, nós entendemos, Luger - Kraemer riu - Nunca foi preciso permissão para jogar em sua cara quando você fez besteira.

- Agora vamos - Griselia finalizou - Temos uma longa viagem pela frente.

- Espera - Luger se espantou - Esse não é o capre velho do Kraemer?

- O próprio - Zula respondeu.

- Meus amigos, teremos uma viagem realmente muito longa.




Como esperado, os Zitas tomaram posse do castelo de Riss e do castelo Flei, expandindo sua influência por toda Kristtalia, agora denominada Império Zita. As políticas dos Zitas também sofreram severas alterações, passando de uma democracia militar para um imperialismo. Curiosamente, Fergon e Joslena Blut ofereceram uma das maiores resistências ao crescimento dos Zitas, mas recusaram de forma irredutível se aliar a Luger, alegando que o mesmo era responsável por toda aquela bagunça. Poucos anos depois, os Bluts foram completamente destruídos.

Luger uniu os Fleis ao clã do fogo, casando-se com Griselia. O casamento foi estratégico, a princípio, mas a fagulha de amor que se formou entre os dois logo foi alimentada em uma labareda, que logo se tornou fogo vivo. Gradualmente, os Zitas cresciam na antiga Kristtalia, enquanto os jonts diminuíam, tanto em poder quanto em influência. O conhecimento metalúrgico dos jonts foi incorporado aos Zitas, assim como as riquezas, ao passo que a cultura e os costumes iam se apagando. Tendo em vista a crescente decadência social da raça em meio aos humanos, jonts de toda a antiga Kristtalia buscaram refúgio no clã do fogo. Assim, a cidade-estado de Herz foi fundada, unindo remanescentes de toda a raça jont. O crescente êxodo de jonts das províncias dominadas pelo Império Zita em direção à Herz levou Lucius, o segundo imperador, a escravizá-los, impossibilitando sua saída. Muitas batalhas foram travadas em busca da libertação dos jonts, mas o reino de Kristtalia nunca mais pôde ser recuperado e deixou de existir. Luger governou em Herz ao lado de Griselia por 116 anos, quando veio a falecer de forma natural, deixando filhos e filhas. O governo dos dois foi próspero e suas ações foram marcadas por coragem e sabedoria. No entanto, ainda que suas defesas fossem robustas, tornou-se impossível para qualquer raça fazer frente ao império Zita. Herz foi dominada no ano 1216, sendo a última cidade jont a cair. A cidade foi completamente destruída, de forma que até os dias de hoje restam dúvidas sobre a sua localização histórica ou até mesmo sobre sua existência. Aqueles que não foram mortos, foram escravizados e os registros sobre Luger, o brilhante, foram propositalmente destruídos.

Como em toda guerra, apenas os vencedores contam a história. Assim a história foi escrita e Luger, o ganancioso, se tornou conhecido em todo o mundo. Entretanto, deve-se a ele toda a cultura jont da atualidade, ainda que ninguém saiba. Durante o governo de Luger e Griselia em Herz, músicas, leis, crenças e costumes foram escritos para que as futuras gerações preservassem o conhecimento da raça. O domínio do império Zita e a destruição dos manuscritos de Herz foi um golpe forte, mas não decisivo. Após a perda de Kristtalia, Luger temeu pela existência dos jonts, especialmente seus modos de vida e crenças, então, em complemento à escrita, Luger criou a tradição oral. Através da fala, todo o conhecimento da raça pôde ser transmitido para as próximas gerações, mesmo em meio a escravidão e exílio. Na terceira era, os conhecimentos da tradição oral voltariam a ser compilados em manuscritos, mas a história de Luger, o Brilhante, se perdeu completamente e é agora de domínio único do Guardião e daqueles a quem ele confia a criação do Caos e da Ordem.




“Luger, o ganancioso, foi apenas o derradeiro dos governantes de Kristtalia, mas não o único a receber um título de desonra. Antes dele, teve Fergon, o ilegítimo, pai de Joslena, a aranha, assim como o famoso Lurm, o rato. Claro, ter domínio sobre as maiores riquezas de Zara não é uma tarefa fácil, menos ainda uma conquista pacífica. A lenda contada sobre a conexão dos jonts com a terra já não é aceita por nenhum historiador atual, com evidências arqueológicas indicando grandes conflitos em regiões de minério, especialmente em Kirin’Kato, a antiga Riss. Esse mesmo território, ainda sob domínio humano, é a região do mundo com a maior concentração de jonts, que vivem como estrangeiros em uma terra que pertenceu aos seus antepassados, fortalecendo ainda mais a argumentação de grupos separatistas. A ideia de reconstruir Kristtalia é um sonho patriota de toda a raça jont, mas nem sempre esteve tão longe de ser realizado. Durante a era do terror, Klaus, o tirano, demonstrou grande apreço pela causa, assim como pela cultura jont. Parte do simbolismo e das nomenclaturas criadas durante seu reinado veio do goli, idioma comum dos jonts, como exemplo da própria definição de klausfaendr ('filhos do guardião' ou 'filhos de Klaus'). De fato, documentos indicam que Klaus nomeou um jont como klausfaendr durante a era do terror e o conferiu autonomia sobre Kirin’Kato. O jont nunca chegou a assumir o cargo, sendo impedido por um grupo de rebeldes da insurgência. O fato de Klaus, o tirano, demonstrar esse tipo de apoio, é mais um desserviço para a causa separatista, afinal, demonstra que a história dos jont sempre esteve girando em torno do mesmo eixo: a ganância.”

~ A História do Mundo e Suas Grandes Figuras. Karlach van Bolch, publicado no ano 85 da terceira era.

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3 Comentários

  1. Aleluia, até que enfim recebi meu presente de ano novo, hein? Se preparem os dois, Ed e Nando, que lá vem comentário longo... hahahahaha!!!

    Bom, quem diria que enfim teríamos um cap novo da história? Depois de meses eu tava achando que aconteceu com o Ed o que aconteceu comigo já, que foi se desmotivar e deixar pra lá por um tempo sim, mas felizmente eu ainda consegui concluir meu trabalho (escrevi fanfics há muitos anos) e felizmente também, Ed voltou e a história continua!!

    Muito legal mesmo, eu li ao som de World of Warcraft Burning Crusade (há muitos anos, antes mesmo das fanfics eu tive chance de jogar um bocado este game e cara... Um jogo lindo, estilo medieval, com magias, seres mágicos e um mundo tipo infinito? A criança aqui ficou louca, jogava até quando não tinha ninguém em casa e não devia usar o pc, mas... rsrsrs) que eu mesmo já não jogo há vários anos pra entrar no clima!

    É um cap bastante... Sinistro? Difícil dizer, aterrador eu diria. Zara me lembra Berserk (que eu nem gosto tanto mas leio e já tô em mais da metade) com reviravoltas e mortes surpreendentes, e todo um universo mágico, e impiedoso, que nos guia cada vez mais por meandros extraordinários.. Só que, felizmente, sem usar tanta violência e outras coisas nefastas pra nos surpreender e tudo mais. Meus parabéns pela história, que coisa mais... Louca, rsrs nossa eu com certeza vou reler tudo depois pra me situar melhor e continuo dizendo que "Sofrimento" é meu cap favorito, me emocionei e sofri um bocado de fato, mal posso esperar pra o que mais vem por aí!

    E sim, Shady, enfim com o note de volta! Mais um mês depois finalmente o mano se buliu pra levar pro conserto, haha, e eu já achando que ia ficar de férias mês que vem e só então que ia poder de fato usar o bendito. Mó feliz que não foi preciso, ne? Desde já desejo que este ano seja realmente muito bom pra você.Tenho certeza que vários desafios nos aguardam e mal posso esperar, tô tipo um protagonista de shonen, ansiando por obstáculos difíceis de ultrapassar, decidido a me dedicar ao máximo! Graças a Deus que achei seu blog e pretendo continuar acompanhando mais e mais, priorizando não só frequência mas qualidade (aproveitando ao máximo suas análises) e nunca deixando de passar por aqui pra apoiar como for!

    E Sr Ed, bem vindo de volta! Me parece que sua história aparentemente não está tendo a atenção que deveria da galera mas eu desejo realmente que você continue mesmo assim. Seu projeto é maravilhoso e tem sido simplesmente fantástico o poder acompanhar! É inspirador, é mágico, é sinistro, é demais! Realmente quando você faz as coisas com amor o resultado sempre é magnífico, como bem diz na Bíblia! É realmente um presente de ano novo pra mim, eu diria!!

    E bola pra frente pessoal, como diz na palavra: Fé, esperança e amor. Mas o maior é o amor! E como diz em Street Fighter Victory: Nós vamos ao encontro do mais forte!!

    See ya!!

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    1. Obrigado pela leitura Sr Marcio
      Esses últimos meses foram realmente muito difíceis para escrever, mas foi por conta da minha pós-graduação, jamais desanimei. Ter comentários como o seu me incentivam ainda mais a continuar escrevendo sobre esse universo que eu amo.
      Acho que já cheguei a comentar aqui e disse que "sofrimento" também é o meu favorito, fico feliz que alguém ache o mesmo, até então recebi mais comentários positivos sobre "fome" (que também é uma história que eu amo).
      Aliás, para você que gosta de ouvir músicas enquanto lê, há muitos anos atrás eu me inspirei em uma música para criar um detalhe que está presente nesse conto. A música se chama "rap é forte" do rapper Criolo, usei mais especificamente o beat dessa música, criado pelo DJ "Said no beat". Recomendo que ouça e depois me diga se reconheceu em que parte eu me inspirei. Espero também que outras pessoas leiam esse comentário e ouçam :)
      Feliz ano novo Sr Marcio e obrigado novamente!

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    2. Demorou mas chegou, e ao meu ver se tornou meu conto favorito. O tema em si já me agradou de cara, mas o jeito como a história caminha pelo ambiente de guerra, e ainda arranca esperança, isso me prendeu muito.

      Engraçado citar que leu escutando uma música pois foi exatamente isso que o sr Ed sugeriu que eu fizesse, mas com a música que ele citou. (Inclusive acho que deveria atualizar o artigo com essa informação lá no topo hein. Ela de fato combina.)

      O sofrimento é grande principalmente no terceiro ato. Eu lembro o choque que foi ver que tudo tava feliz de mais, eu animado de mais, mas ainda faltava 1/3 do texto. Eu já senti ali que ia sofrer, e sofri rs.

      Sr Marcio, eu que devo agradecer por sua paciência e suporte. Aguardei ansioso por ver qual seria sua reação. Eu fiquei muito animado com esse novo capítulo, e já to esperando pelos próximos! É viciante.

      Referente a atenção em si, acho que é só questão de divulgação. Os textos do sr Ed vão longe, sei disso.

      E sr Ed, eu te agradeço de mais por mais essa beleza de história!

      See yah.

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Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.

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