Crítica: Acompanhante Perfeita - Robôs Assassinos

 
Acompanhante Perfeita
Companion

filme acompanhante perfeita

2025 mal começou e já temos um belo exemplar de tecnoterror bem decente. Quase como um episódio de Black Mirror expandido, eis a história de Iris e Josh, um casal apaixonado num mundo de avanços tecnológicos.

Apesar de ser um filme bem romântico e com uma pitadinha de humor, ele é puro suspense com horror gráfico e terror psicológico, e conta uma daquelas clássicas histórias inspiradas pelos perigos da Inteligência Artificial e derivados.

Daqui pra frente só terão spoilers então...

Boa leitura.


Do que Fala o Filme

Iris em Acompanhante

Uma moça muito apaixonada sai de férias com o namorado pra uma cabana, pra passar uns dias com ele e seus amigos, mas ela é muito mais que apenas uma namorada, ela é a Acompanhante Perfeita.

Ela é uma robô, que nem demora pra ser revelada assim, configurada para ama-lo platonicamente e servi-lo, só que pouco a pouco ela começa a descobrir que ele não é aquele cavaleiro encantado que ela tanto ama.

Josh em Acompanhante

E no fim, ela passa a faca em geral.


Subversão do Antagonista

Robô sexual acompanhante perfeita

Falando assim até parece que é só mais um Megan ou Brinquedo Assassino da vida, mas tá mais pra uma Ex Machina misturada com Doce Vingança.

Em Megan, temos uma robô que por amor a sua criança, vira uma psicopata do mal.


Em Brinquedo Assassino (a versão robótica do remake do Chucky), temos um robô que também se converte em um psicopata do mal, mas por um erro de programação provocado por CLTs mal assalariados.


Aqui, não é nenhum dos dois. Iris, a robô do momento, é uma acompanhante criada exclusivamente pro ato do amor, que é usada para um plano maquiavélico dos reais vilões, seu namorado e comparsas.

Daí ela passa apenas a se defender, e em suas defesas vem uns momentos de horror, com ela matando mas, nada que avance pro terror.

moça segurando faca, robo indo matar

Por um lado, o que temos aqui é aquela história de uma vítima tendo de se salvar, enquanto é caçada por antagonistas fracassados e abusivos, exatamente como em Doce Vingança, e que torcemos tanto pra que se salve, quanto para que se vingue, mesmo que isso ultrapasse a moralidade. Quase como um slasher, mas sem aquele super vilão que mata todo mundo, afinal ela mesma é a "vilã".


Por ser uma máquina, nossa mente já espera que ela seja a errada, e nos prepara pra um surto violento onde ela supera a humanidade e faz presunto a torto e a direita, mas o filme nunca ignora a fragilidade da personagem, e estuda um lado que simula muito bem a psique humana, quase como se ela se tornasse mais humana pouco a pouco, assim como ocorre em Ex Machina. Lá, uma máquina é treinada e estudada por um humano para ver até que ponto ela pode se passar por humana, e no fim ela convence que nada é capaz de diferenciar o artificial do natural em uma mente bem projetada.


Tratando ela como uma vítima humanizada, ela tem personalidade, é divertida, amável e carinhosa, e ao se ver atacada tudo que ela faz é se defender, lutando muito, mas sem sentir satisfação, sem cometer exageros nem ser absurdamente violenta.


O Valor da Vida Humana

robo mulher ensanguentada em acompanhante

O filme nos ensina que babacas precisam ser mortos, e que qualquer um, independente de ser uma máquina programada, tem o total direito a defesa pessoal mesmo que isso custe a vida do outro.

Todos os personagens no filme são alvos dessa tecnologia e nós aprendemos que isso é o certo. Inclusive, torcemos pra ela matar todos, ou para que eles sofram com suas baixas, sendo que isso vai contra a natureza da própria humanidade.

mulher ensanguentada no filme acompanhante

Como citado, ela nos é apresentada como uma máquina com emoções programadas ainda no começo, antes mesmo da metade do filme, e temos plena consciência de que tudo que ela sente é meramente artificial.

Só que nos colocamos na posição dela, e rapidamente nos vemos em sua defesa. Qualquer pessoa numa situação como a dela tinha mais é que lutar mesmo, e graças a deus que ela encontrou forças pra isso. Mas ela é mesmo uma pessoa?


O que nos torna Pessoas

Aumentando a inteligencia artificialmente

Confesso que fiquei meio assustado com a ideia de ter visto um robô matando várias pessoas, e achar isso certo, justo e coerente, sendo que na verdade isso foi muito errado pela perspectiva humana.

Sabe, o filme brinca com esse conceito e escancara o quanto somos socialmente instáveis, pois ele destaca nossa capacidade de defender o absurdo, tudo baseado na narrativa.

mulher fazendo compras no filme acompanhante

Como somos levados de mãos dadas à protagonista, sentimos suas dores, nos colocamos em seu lugar, e torcemos por ela, ignorando a pura lógica.

Veja bem, o filme nunca nos esconde coisas como o fato dela ter a mente completamente fabricada, de suas emoções serem pré-programadas, de sua inteligência ser totalmente ajustável, de sua forma física ser meramente atrativa e humanizada pra conveniência sexual de seus usuários, e que ela não passa de um modelo alugado, comum e repetido.

cena cortada do filme, outra copia da Iris em acompanhante Perfeita

Mesmo assim, compactuamos com suas ações e o fato dela executar pessoas, muitas delas inocentes, por puro comando ou consequência das ações de outras pessoas.

Ela atua como uma ferramenta, e nós a defendemos, pois enxergamos e projetamos nela uma essência humana, que não existe.

O filme nunca aborda a ideia dela desenvolver consciência, dela buscar por uma existência independente, ou o simples desejo de ser alguém. Ele mostra uma máquina que tem sua mente alterada diversas vezes pra acreditar num amor que não existe, e no fim recebendo a liberdade e independência satisfatória, que ela nunca pediu.


Nós como espectadores adoramos isso, pois repito, nos colocamos em seu lugar, mas será mesmo que isso é o correto? Olhe pelo lado técnico:

Um robô mata 6 pessoas em um chalé.

Tá certo romantizar um absurdo assim? Se levarmos em conta que ela se defendeu de alguns, e os outros foram executados pela influência uns dos outros usando ela, isso reduz o impacto da tragédia?


Iris Livre

casal na mesa de jantar, a moça pegando fogo na mão

Sabe, eu adorei o filme, inclusive gosto dessa discussão sobre o que torna alguém ou algo humano, tem muito disso nos jogos Nier: Automata e Detroit: Become a Human, só que tem algo bem diferente aqui.


Não é como se Iris desbloqueasse uma mente humana escondida e começasse a evoluir, crescer e aprender por conta própria. A história mostra uma IA, projetada em um corpo artificial de aparência sexualmente atraente, que ama incondicionalmente uma pessoa, e opta por mata-la.


Há ressalvas aqui e ali, algumas modificações feitas pelo próprio usuário que retira suas inibições, mas em momento algum o longa explora a consciência de Iris.

Com humor claro, há algumas indiretas pra condição dela estar se tornando mais humana e independente pouco a pouco, como quando expande sua inteligência e começa a pensar sozinha, tendo flashbacks e imaginando por conta própria, mas não há alusão a ela buscar pela vida.

homem amarrando mulher na cadeira

Na verdade, ela só começa a entender que é um indivíduo quando se distancia do sentimento artificial que possui, aprendendo que vale mais a pena pensar em si mesma, do que preservar o próximo, exatamente quando ela mata aquele que ela amava.

E apesar da ótima mensagem, será mesmo que foi bem executada na perspectiva de uma máquina? Não é como em "AI: Inteligência Artificial", onde o garotinho busca pela mãe até o fim e acaba descobrindo o peso da existência, aqui é só uma máquina que mata pessoas e ainda sai inocentada, pois terceiros a influenciaram.


O impacto filosófico dessa personagem é bem grande por causa disso. Desvalorizamos a vida dos errados e valorizamos a artificial, somos ensinados que isso é o correto e não há como negar isso.


A Humanidade Antagonista

Homem atirando na mulher robo

E claro, o vilão é um tremendo de um nojento. A paixão destinada a ele é puramente fabricada e ele nem faz por merecer. Ironicamente isso se assemelha tanto ao que vemos no dia a dia, e é comum de mais pessoas terem tratamentos diferentes umas com as outras, priorizando seus interesses individuais, e menosprezando o alheio.

Umas mais carinhosas e dispostas a tudo, enquanto outras só objetificam. Faz parte ora essa, é normal, e essa normalização é o que nos torna uma sociedade. O conflitante nisso tudo é que, até que ponto uma máquina pode ser inserida nessa mesma normalização?

É bizarro que em uma parte é citado que os contratantes do serviço de acompanhantes costumam fazer coisas até piores que só usa-los como armas. Há pessoas que se divertem torturando, gente que desmonta, gente que faz todo tipo de atrocidade e, é tudo normal.

mulher algemada, robo de acompanhante

Solto quase como um deboche, isso é dito de forma a expor que independente das máquinas serem humanizadas, elas nunca deixariam de ser máquinas aos olhos dos usuários, por tanto seriam facilmente descartáveis independente do absurdo a que foram acometidas.

O mesmo valeria para os humanos nessa situação? E enquanto a animais? Será que tal filosofia se aplica a qualquer entidade a qual nos simpatizamos?


Conclusão

A acompanhante perfeita atirando

Eu sei que dei uma viajada, mas o filme é tão bacana que me fez ficar pensativo. Eu gostei de como ele me fez torcer pela Iris, e odiar o namorado meia boca dela.

As reviravoltas, como quando são explicadas as ações de todos no chalé e como Iris foi usada, isso foi muito bem mostrado, e até algumas revelações me pegaram de surpresa.

Acho que compensa ver, e é um filme satisfatório.

Enfim, é isso.

See yah!

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2 Comentários

  1. Cara, você me lembrou de uma discussão bem velha que existe na academia. Parece bobo, mas se parar pra analisar, até hoje não existe uma definição clara e infalível de “vida”. Já parou pra pensar nisso?
    Por exemplo, o dicionário de Oxford define vida como “propriedade que caracteriza os organismos cuja existência evolui do nascimento até a morte. Mas primeiro que a definição de “organismos” já é contestável por si só, agora se você considerar algo que evolui do nascimento até a morte, o fogo pode ser considerado vida? Considerando que ele nasce, se multiplica (expande, consome recursos) e depois se extingue, não daria? Uma célula cancerígena imortalizada sairia dessa classificação? E quanto a uma bactéria que se divide por fissão binária, qual das duas novas bactérias nasceram durante a divisão? Essas são só algumas das falhas dessa definição.
    Vamos pra definição da NASA, que pra mim é bem mais abrangente, mas ainda falha. Eles definem vida como “um sistema químico autossuficiente com a capacidade de ter uma evolução darwiniana”. O próprio Darwin falou que a seleção natural não era o único mecanismo envolvido na evolução das espécies, então será que daria pra classificar “vida” com base nessa definição? Os vírus são um ótimo exemplo, a maioria dos acadêmicos não os consideram vivos, pois não possuem mecanismo reprodutivo autossuficiente (ele precisa dos mecanismos da célula hospedeira), mas ele evolui, não evolui? Ele sofre mutação, se adapta, ganha resistência.
    Fiz essa volta inteira pra voltar agora na IA, mais especificamente essa daí do filme. Se a máquina precisa de mecanismos complexos e interligados para funcionar (um organismo, ainda que inorgânico), possui capacidade de pensar, se adapta ao ambiente (evolução), possui tempo de vida útil (morte?) e pode desenvolver inteligência suficiente para criar outras iguais a ela (reprodução), não poderíamos classificar como vida? (É só uma provocação, eu mesmo não saberia responder). A vida de um ser humano possui um prazo, onde nascemos, vivemos e morremos, isso todos já sabem. Por isso se eu tiro a vida de alguém estou interrompendo um ciclo e acabo causando indignação em outras pessoas. O mesmo acontece com as máquinas, todas são criadas com um tempo de vida útil e esperamos que pare de funcionar um dia, mas e se você compra um celular novo, eu pego ele no primeiro dia e arrebento na parede, você não ia ter raiva de mim? Certamente teria, isso pq o seu celular não tem inteligência suficiente pra sentir raiva e indignação por si só, mas e se ele tivesse? É o caso da IA do filme, ela quer garantir a própria sobrevivência, não é válido? Enfim, fui longe demais, perdão pelo texto, tenha paciência e reflita um pouco sobre o assunto. Estamos entrando em uma era complicada, mas tô ansioso pra ver onde vai dar

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    1. Na verdade era exatamente este o ponto que eu queria chegar... até onde se considera a personagem como um indivíduo vivo e não meramente uma máquina? Mas, além disso, queria mostrar que o filme não falha em nos apegar a ela, mas eu sinto que tem algo muito errado nisso.

      Tipo, eu tava aqui pensando com meus botões, sobre algo que me deu a exata mesma sensação que tive neste filme, e tudo que consegui lembrar foi Toy Story.

      Tipo, sabe aquele final do primeiro filme, que eles se rebelam contra o moleque da camiseta de caveira? Eles desafiam a própria lei dos brinquedos pra impedir ele de machuca-los, e poxa, é muito legal de assistir, exceto pra mim que quase chorei de medo.

      É que, no filme aprendemos que brinquedos tem vida mas não podem mostrar isso, e que aquele garoto era um vilão pois brincava de forma indevida e prejudicial com seus brinquedos. Torcemos pela defesa dos brinquedos, e não ligamos pra natureza humana da criança. Se olhar pelo outro lado, mano... é uma criança, que do nada vê seus brinquedos acordando e tentando mata-la! O trauma... eu senti isso, pois eu vivi isso.

      Quando criança minha mãe me mostrou um filme chamado "O Mestre dos Brinquedos". Não sei qual era, só sei que tinha um brinquedo de chapéu e um com uma cabeça em forma de cone que matavam geral... eu vi acidentalmente enquanto ela assistia, e desde então passei a enterrar meus brinquedos, joga-los no vaso, sempre que podia dava um jeito de me livrar deles, as vezes sem entender a razão. Eu lembro inclusive, vagamente mas lembro, que eu tinha medo dos ursinhos da minha mãe, que me olhavam de noite, por isso criei o hábito de dormir virado pra parede, e com a coberta por cima da cabeça.

      Moral da história, o contexto define o que é certo ou errado, e cara... eu tenho minhas dúvidas se o que este filme mostra consolida algo correto. Eu vi mais um filme de um robô que finge ser vivo e tira vida de pessoas, que podem ser horríveis sim, afinal todos somos, mas ainda é algo muito desbalanceado.

      Por outro lado, também há indícios de uma inteligência, de uma vida ali presente do outro lado. Se simpatizamos é porque tem algo que nos aproxima, nos atrai e identifica... assim como brinquedos humanizados que uma animação dá vida, mas que em nossa realidade apenas causa pesadelos.

      Não da pra saber....

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Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.

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