CríticaMorte: Pinoquio por Mark Gustafson e Guilhermo del Toro

A muito anunciado, o filme em Stop Motion do Pinoquio chamou muito minha atenção, ainda mais pelo envolvimento de Guilermo del Toro e seu costumeiro estilo puxado pro terror, com seus designs criativos e macabros.

E isso não falta, mas não pelos motivos que imaginei. A aposta no estilo de animação que mais me assusta foi um acerto tremendo, pois enriquece a estética dos diretores envolvidos. Mesmo assim, o erro aqui foi o roteiro, ou ao menos parte dele, a parte de Guilhermo.

Fiquei surpreso ao ver que a adaptação Netflix que chegou a assustar a Disney, acabou se sustentando parcialmente na própria Disney, e virou só mais do mesmo. Bem, falarei mais a respeito e não pouparei spoiler tá.

Boa leitura.

Pra quem não sabe, os direitos autorais de Pinóquio são de domínio público, mas a Disney foi quem mais lucrou com ele, criando uma das animações mais famosas do mercado, baseada no conto do boneco de madeira mentiroso.

Mesmo com muitos tentando fazer melhor, nada superou a obra Disney até então, mas eles vacilaram, e negligenciaram tal poder por muito tempo. Pinóquio foi caindo no esquecimento, com as muitas obras derivadas de outros estúdios não conseguindo empolgar, nem mesmo com propostas mais modernas, readaptações, e até referências.

Por exemplo, mesmo o Pinóquio satirizado no filme Shrek não consegue sair da sombra do bonequinho desenhado com um grilo no ombro, mesmo ele sendo icônico e até mais divertido, a referência sempre foi o Pinóquio Disney, mesmo ele nem sendo o primeiro, ou o único.

Eis que Guilhermo surgiu com a ideia de, dar um toque novo no boneco e sua fábula, trazendo algo mais realista, e até assustador, além de emocionante. Os trailers prometeram tanto, mas tanto, que o estúdio do camundongo ficou ouriçado, e correu com o tempo pra lançar "Pinoquio - Live Action", pra demarcar território é claro.

Mas foi só um susto, pois a versão del Toro não é tão diferente assim. Aliás, o trabalho nem é exatamente de Guilhermo, mas sim de Mark Gustafson... Guilhermo coproduziu e codirigiu, sendo muito mais obra do Mark do que ele.

E da pra ver os traços dele na obra tá. A única coisa que conheço do Mark é uma animação medonha sobre o diabo que é uma das fontes do meu medo desse tipo de arte. Uma obra feita com massa de modelar que, dá pesadelos viu. 

Na verdade eu nunca nem vi o filme inteiro (As Aventuras de Mark Twain), apenas um trecho no YouTube que metaforiza a vida nos mostrando uma maquete da humanidade e, eu nem quero rever isso.

Quase senti o mesmo pavor ao ver Pinoquio, justamente nas sutis diferenças em relação a obra Disney, que evidentemente foram introduzidas pelo Mark. Uma delas foi o momento da Morte, ou a própria "Fada Azul" (que aqui é a Vida), que são simplesmente a cara dele!

Uma pena que no final das contas, o próprio filme de del Toro não fez muito de novo, tirando a inusitada arte em Stop Motion.

Sempre muito trabalhosa e encantadora (apesar de, repito, me assustar pacas), isso realmente dá um destaque a mais pra obra. Algo que torna-se desperdício uma vez que o suposto "novo roteiro" é apenas uma nova repaginada do que já estamos cansados de conhecer.

Mesmo trazendo elementos aparentemente novos, é aquele mesmo conto do garoto de madeira aprendendo sobre a vida, mas isso nem é um problema, essa é a essência da história. O problema são as novidades mal trabalhadas.

Tiveram muitas oportunidades de subverter qualquer expectativa que conhecedores ou não da obra original tivessem. E tentam muito fazer isso, mas com um certo nível de covardia.

Não há sangue, mesmo havendo violência. Não há perdas, mesmo havendo mortes. Não há terror, mesmo havendo suspense. E... enfim, não há nada de verdade, apenas a mentira embromada de sempre.

Apesar do longa iniciar com uma ideia magnífica que complementa o conto original de Pinoquio, isso rapidamente é ignorado, e posteriormente descartado pelo enredo, para sustentar uma reviravolta fraquíssima em seu desfecho.

Esse início, onde nos revelam o filho de Gepeto e como ele faleceu, pra inspirar a depressão do bom velhinho, e em seguida sua vontade de criar seu filho artificial, é algo genial. Chegou a me lembrar muito a história de Astroboy, que foi reutilizada em MegaMan, inclusive acredito de verdade que tentaram se inspirar nisso mas... abandonaram o conceito no meio do caminho.

Pra se basear cada vez mais na história que fez sucesso, optam apenas por abandonar os pontos mais criativos que tinham, como a questão da Guerra introduzida e até parcialmente explorada, mas jogada de canto na primeira oportunidade.

Inclusive acredito que a ideia de inserir "guerra" tenha partido do fetiche de Toro em sempre falar da Segunda Guerra Mundial por uma outra perspectiva. 

Vide seu maior exemplo, o famoso "Labirinto do Fauno", é exatamente a mesma ideia, só que aqui consegue até preocupar um pouquinho com um leve tom de saudosismo.

Ainda no começo, vemos um personagem fascista dando conselhos positivos e servindo até de exemplo à Gepeto. É meio preocupante, confesso, e mesmo que tenham tentado voltar a atrás e dar alfinetadas com piadas escatológicas gratuitas, isso passou de forma estranha pelo longa.

Tem muitos momentos em que percebe-se pressa em contar qualquer coisa pra dar continuidade, e isso tropeça em erros narrativos, e até lógicos. Por exemplo, o Boneco ganhando vida logo é ligado a demonologia, afinal há um início com fortíssimas referências cristãs (algo também totalmente abandonado depois), além disso os personagens estranham, se assustam, e até rejeitam o boneco, não por suas ações, mas por existir mesmo, afinal era anormal!

Mas ninguém se importa com um Grilo que fala. Aliás, o Grilo fala, todos escutam, mas apenas quando o roteiro pede pra escutarem. Algo que no início é ignorado por Gepeto, no meio do filme passa a ser comum pra ele, que escuta, conversa e responde ao grilo constantemente.

O macaco então nem se fala... ele é apenas um macaco que manja dos instrumentos musicais, e apesar de não ter voz nem o domínio da fala, sabe se comunicar por sinais e... sabe projetar voz em bonecos de Madeira, como se fosse magia.

Estou confuso até agora com isso, pois apesar de poder ser interpretado como uma cena totalmente saída da mente de Pinóquio, ela ganha sustentabilidade cânone quando o dono do circo confirma que tudo realmente aconteceu, e os bonecos falaram com Pinóquio.

Meio que, em uma animação infantil onde nada precisa fazer sentido, da pra considerar essas eventualidades estúpidas. Porém, essa versão de Pinóquio não queria ser mais realista? Ou pelo menos mais madura? Eis o tal problema, ela é inconsistente e não sabe o que quer.

As vezes parece só uma versão da Disney repaginada (tendo até musicais forçados no início que logo são esquecidos), depois muda de ideia e parece ser um conto revolucionário sobre a vida e a morte, que rapidamente decide voltar lá pra ideia inicial.

Poxa, em um ponto até sugerem que talvez Pinóquio tivesse a alma do filho de Gepeto em si (sugerem nada, eles literalmente FALAM ISSO), pra em seguida trazer uma moral sobre aceitação e superação.

Os personagens só aceitam que são o que são e pronto, todo mundo morre.

Foi mal, o spoiler ta ai. Poxa, tinham tantas chances de fazer algo realmente bom, mas só descartaram tudo pra contar uma historia bobinha e que nem emociona no fim.

Um dos conceitos dos quais estranhei foi a Vida e a Morte. A Fada Azul foi substituída por uma entidade florestal que providencia a vida, e surpreendentemente, uma irmã que seria a Morte é revelada quando Pinóquio simplesmente morre repentinamente, e descobre ser imortal.

A cada vez que ele morresse, ele se reuniria com essa entidade da Morte e teria de passar cada vez mais tempo ao lado dela, conversando, o que renderia (e deveria render) momentos filosóficos de conhecimento, além de é claro descobertas cada vez mais terríveis pro boneco sobre a natureza da vida, e o quão ruim é sua imortalidade.

Imagine ele voltando e encontrando Gepeto já falecido, ou descobrindo um mundo cada vez mais moderno, ou apenas aprendendo que sua imortalidade é de fato um fardo por fazê-lo perder e ter de conviver com a perda pra todo o sempre.

Mas não, isso é simplesmente descartado com o boneco escolhendo a mortalidade, apenas optando por isso com muita pressa, tornando-se um menino de verdade pra salvar Gepeto de um afogamento.

Mas esse "menino de verdade" é apenas ele com mortalidade. Seu corpo permanece sendo de madeira, e ele continua sem envelhecer. Ele só morre de morte matada, não de morte morrida, ou seja, ele ainda é imortal, só precisa tomar cautela.

Fiquei sem captar a ideia que quiseram passar, com um desfecho feliz, mas uma continuação desnecessária e trágica mostrando que Pinóquio vai passar por tudo aquilo que não quiseram mostrar, justamente aquele terrível aprendizado sobre a natureza da vida e o peso da imortalidade.

O que perderam a chance de mostrar no tempo certo, optaram por fazer no final do filme, quando já nem há mais aquela emoção toda.

O filme nos desgasta ao longo dele, e parece realmente bem apressado, e muito infantil. Uma pena ver que investiram tanto tempo e esforço numa história mal estruturada, que não sabia exatamente o que queria contar.

Se quer ver um filme decente sobre Pinóquio, a versão animada da Disney ainda é o melhor exemplo, sendo boba, simples, mas eficiente.

Aqui tiveram a chance de fazer algo espetacular, mas desperdiçaram fazendo mais do mesmo.

E nos poucos momentos de brilhantismo, perde-se o foco, e voltamos pro mesmo conto bobo de sempre.

Sei que não é certo falar de algo pelo que poderia ser, e sim falar do que realmente é, e pra mim, essa versão de Pinóquio é apenas um filme que Del toro e Mark não conseguiram vender pra Disney, então fizeram por conta própria pela Netflix.

Aliás, notou? Outra vez usaram um diretor com certo renome pra promover uma obra não totalmente dele. Se bem que Mark Gustafson é um nome forte também, pelo menos em criatividade. Mas, quem nunca ouviu falar do Guilhermo né?!

Bem, é isso.

Se falei bobagem, desculpe, é apenas minha opinião.

Obrigado pela leitura.

See yah!

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8 Comentários

  1. Fui com tanta expectativa assistir ap filme e acabei me decepcionando. Elogio o visual do filme, pq fazer stop-motion nos dias atuais é tão raro quando filme 2D (Japão não incluso), e a trilha sonora é boa também, mas o roteiro peca e muito. É como vc escreveu, no meio pro final o filme se perdeu na história, o roteirista já não sabia mais para onde ir, mas enfim, foi melhor que o remake da Disney, mas não é melhor que a versão de 1940.

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    1. Concordamos Sammy.

      Aliás, teve um outro filme da Netflix que também se aventurou no estilo Stop Motion mas, n ocaso dele eu nem consegui terminar (de começar). Achei muito fraco e desinteressante (Wendell e Wild). Cito isso pois acaba destacando mais ainda o mérito deste longa.

      Uma pena que né, não sabiam o que fazer com a arte. É como ter um quadro do Picasso e expor no fundo de uma garagem cheia de tranqueiras. Fica difícil admirar assim.

      E obrigado Sammy, obrigado pelo apoio e comentário, fiquei feliz por ter concordado comigo!!!

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  2. Assisti ao filme com nenhuma expectativa, sendo assim, não posso dizer que me decepcionei com algo. Algumas coisas realmente me causaram estranhamento, como a questão do grilo falante e do macaco que projetava a voz perfeitamente nos bonecos mas que não se comunicava verbalmente com ninguém. Mas acho que o ponto que eu mais estranhei foi o da morte: primeiro ela dá ao garoto uma ideia de que ele está amaldiçoado e que sofrerá pela imortalidade, a mesma ladainha de sempre. Pra depois revelar que ele pode deixar de ser imortal a QUALQUER MOMENTO simplesmente quebrando a ampulheta, pra mim isso tirou praticamente todo o peso do primeiro diálogo. No mais, é um filme que dá pra ver relaxado, sem esperar muito e sem se frustrar atoa, simplesmente curtir o momento.

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    1. Exatamente sr Ed, no fim o filme não é de todo um desperdício, ele não decepciona, apenas não impressiona. Esses pequenos vacilos de roteiro são a única falha do longa, mas não chegam a destruí-lo. Até porque só a arte em Stop Motion muito bem executada (não alcança um status Laika, mas faz muito bem, e se destaca pela arte e novas tecnologias), acaba rendendo muito mais que muito filme.

      Concordo contigo.

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  3. I'M A REAL BOYYYYYYYYYY!!!!! oh no, i'm not anymore...

    kkkkkkkkkkk, eu pensei que isso iria acontecer na hora que ele encontrou a morte, e outra, não entendi muito bem mas, a morte tratou a ''quebra de regras'' como algo ruim, juntamente com a imortalidade do pinóquio, mas ai, quando o pinóquio oferece quebrar as regras, ele se tornar mortal é basicamente a unica consequência ruim, então a morte se contradiz ao quadrado kkkkkk, se ser imortal é ruim, então porque deixar de ser imortal também é? mano eu buguei nessa hora sério kkkkkkkk.

    mas enfim, o filme é divertidinho, dá pra assistir e é bem maneiro, nunca assisti o original então tudo pra mim era uma completa novidade, gostei do clima da guerra, da magia, foi um toque legal, mas o final foi estranho, achei forçado e poderia ter sido melhor trabalhado durante o filme, mass é isso, belo texto senhor carinha haha, a gente se vê por ai...see yah!!

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    1. O filme não sabia bem que mensagem passar, tanto que mesmo ele se tornando mortal, a mensagem permanece sendo "o peso da imortalidade". Fácil bugar kkkk

      De fato esses foram os pontos originais... mas foram mal encaixados apesar da ótima ideia.

      Bem, obrigado pela presença sr Wilson!!! See yah

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