Anime: Uzumaki - Tudo Errado

Desde o anúncio pelo Adult Swim de mais uma animação inspirada pelos trabalhos de Ito Junji, fiquei bem empolgado e ansioso pra ver o resultado. A ideia dessa vez era animar um mangá, sem nem mesmo colori-lo, apenas contando uma bizarra série de histórias de uma coleção chamada "Uzumaki".


Com contos antológicos tematizados por Espirais, as histórias são sempre bizarras e medonhas, muito mais pela arte e criatividade, do que pela extensão. Não eram histórias longas, então ver elas animadas seria uma experiência diferente, em teoria, pois esticariam e explicariam melhor.

O problema é que, seguindo a maldição dos animes de Ito Junji, apenas não sabem como contar suas histórias com movimento, e estragam a arte, e o terror que elas carregam. E isso já começa no primeiro episódio, ainda que ele seja o que mais se dedicaram pra criar.

É com decepção e revolta que hoje venho falar de Uzumaki. Aliás, perdoe a capa... gostam de colocar a história da menina da espiral como capa pois é uma das artes mais perturbadoras da obra, mas a protagonista é a Kirie, a testemunha da maldição de Uzumaki... vou explicar isso a seguir.


Boa leitura...


O que é Uzumaki


Se conhece Naruto já sabe, é a família que sela a galera. Mas na verdade, a palavra significa "Redemoinho" ou "Espiral". 

A ideia da obra é contar várias pequenas histórias sobre terrores derivados de espirais, em uma cidade lotada de maldições absurdas. Só que tudo é unificado por uma testemunha chamada Kirie, que as vezes é diretamente afetada por maldições, ou apenas acompanha casos bizarros com seus vizinhos, amigos, familiares e conhecidos.


No fim, ela é uma grande série antológica, só que como os contos tem em comum o dia a dia da Kirie, parecem ser tudo parte de um aglomerado.

No mangá, tudo é separado por uma passagem de tempo imaginada pelo leitor, e fica nítido que as coisas não ocorrem ao mesmo tempo, mas sim na mesma cidade. O problema é que isso vai de interpretação pra interpretação, e lamentavelmente os caras que animaram não sabem ler mangá.


Outra Animação Desrespeitosa


Sabe, parece que os caras odeiam o Ito Junji, mesmo ele sendo genial em sua arte. Raramente se vê algo bem feito por estúdios que ousam tocar em seu trabalho, e quando tem algo, ainda é mal compreendido ou adaptado.

Foi o caso das coletâneas, que retratam os contos dele como bobos, não conseguindo passar a sensação desconfortável que se tem ao ler o mesmo trabalho. Sei que leitura é diferente de assistir, mas ainda assim, precisavam se esforçar pra pelo menos transmitir o terror dele.


Ito Junji é um desenhista/mangaká respeitadíssimo que cria ótimas artes de terror, sempre usando e abusando de hachuras e um realismo incômodo, ele combina o surreal com o místico e dá vida aos pensamentos mais sórdidos e incomuns. 

Por mais que seus contos possam soar bobos em um contexto geral, e isso ocorre muito pois ele varia muito, a arte sempre causa um efeito de choque, pois ela mira no absurdo, mas impressiona pela fluidez de seus traços, cheios de expressão, cheios de significado.


Anime é Mais que Animar


Quando surgiu o anúncio de Uzumaki logo imaginei que seria mais um dos muitos erros, só que ao ver o trailer, e a ideia de fazer um Anime Preto e Branco, em respeito aos traços originais, eu comecei a ficar muito empolgado.

Afinal, se era tão difícil assim colorir e animar, porque não apenas só animar? Talvez fosse possível trazer o terror incompreendido de Ito Junji para as telas, e ampliar ainda mais o macabro, dando movimento às formas.


A questão é que, não basta apenas pegar quadros do mangá e mexer braços, bocas e pernas. Em animes, é necessário preencher lacunas, estender cenas, completar situações, adicionar sons compatíveis e principalmente, dar vida ao imaginário, que numa leitura ocorre naturalmente. Simples: Não fale a respeito, mostre!

Ao se ler os mangás, enquanto olhamos imagens estáticas, também imaginamos como elas chegam de um ponto ao outro, ao mesmo tempo que passeamos nosso olhos pelas falas e mergulhamos na trama. A função do anime é pegar isso, que brota da nossa mente, e transmitir pro público, compartilhando aquela interpretação.


Por isso geralmente é aceitável erros interpretativos, pois cada pessoa preenche o espaço entre um quadro e outro com sua própria mente. Mas a graça e o valor dos animes está exatamente ai, na possibilidade de testemunharmos uma nova visão daquilo que gostamos e conhecemos. Na realidade, toda adaptação trabalha em cima desse desejo.

Uzumaki em anime faz justamente o mesmo que qualquer outro projeto que apenas não entende o que é animar. Ele pega as histórias, bota movimento, dubla, e ignora sequências, ignora pontos chave de virada, ignora o terror e todo o esquema para que ele funcione, e ignora até o básico como sonoplastia e trilha sonora.

Há momentos pra se encaixar isso, há significados em tudo, e é preciso muito esforço pra tentar transmitir ao menos um pouco daquilo que se sente normalmente ao ler um trabalho assim, ainda mais algo de terror.


Tipo uma parte, que me deixou super desanimado, onde toca um sinal sonoro e isso aterroriza um dos personagens. Nesse momento, no mangá ele descreve que sente o som entrando em seus ouvidos e girando como uma espiral, e isso é um pedaço do terror que iria crescendo ao longo da história.

Ao invés de brincarem com essa ideia e transmitirem o terror pro áudio visual, justamente tocando o som nas duas saídas de áudio (pois sempre há duas saídas certo?), ou reduzindo e aumentando para dar criar uma difusão, ou uma inconstância pra tentar, nem que seja um pouco, causar o incomodo que o personagem sentia, poxa... nem precisaria que ele explicasse pra gente.


Esse tipo de coisa pode ser feita em animes, e é algo que o mangá só consegue tocar no imaginário do espectador, mas aqui só ignoraram tudo isso, pra repetir a fórmula básica, e piorada já que dessa vez nem cores há.

É trágico ver que por exemplo, ondas na água, que se movem em espirais por um significado profundo na história, foram ignoradas e animadas tão simploriamente, quase nem se mexendo. É bem triste notar a falta de esforço no projeto, mesmo que ele engane muito a princípio.



A Animação é "Boa" 
no Primeiro Episódio


Mentem muito quando dizem que o anime ficou excelente no começo e foi piorando nos episódios seguintes. Ele já tá uma desgraça logo no primeiro episódio.

É que, o anime tem uma arte linda, e incluíram movimentos com um efeito quase 3D imperceptível, e ficou legal. Porém, a história foi judiada, soa apressada, e foi conduzida erroneamente, ignorando o conteúdo original e seu significado.

Uzumaki é uma coletânea de Junji Ito disfarçada, com curtas que ligam-se por um tema em comum, só isso. Ao animar, deveriam ter ao menos separado os contos e retrabalhado eles, ao invés de pegar o primeiro capítulo e replica-lo em tela.


O que fazem é criar confusão, tirar o impacto e terror, em troca de expectativa para páginas seguintes, sendo que na verdade não haverão páginas. É um anime ora essa! Conta logo o terror e para de enrolar...

Se tudo é curto de mais, faça a animação de forma curta, não há uma lei para o tamanho de um anime. Se não conseguem esticar ou não querem para não inventar quadros que possam ir contra o trabalho original, então que se esforcem pra ao menos respeitar o tempo entre um evento e outro.


No que se assiste aqui, são personagens com pressa de mais, falando rápido e reagindo exageradamente, sem nem conseguir passar a ideia de tempo pra gente. 

É como no conto da moça de cabeça perfurada... aquilo ficou ridículo no anime, não pela arte em si, que é bem bizarra, mas pelo jeito como se chegou a ela.


No mangá é exatamente desse jeito, mas por ser um mangá, nós mesmos desenrolamos a trama em nossas mentes e conseguimos deduzir pontos de virada naturalmente.


No anime, do nada ela vai de amiga próxima pra uma talarica que quer roubar o namorado da amiga que acabou de conhecer. Ela tem uma espiral que vai se formando na testa, atrai todos os meninos exceto o namorado da amiga, e ai ela fica tão afim dele pela rejeição que sua mente aumenta a espiral, e ela vira um buraco negro, só pra tentar forçar a atração do namorado da amiga. Nem faz sentido a sequência de eventos, não convence, não assusta, nem perturba, pois nada é explicado assim.


O que no mangá deixa uma sensação de paranoia seguida pela surpresa ao ter a maldição da espiral revelada, já como um buraco negro na cabeça da garota, aqui é algo mal aproveitado e só jogado de qualquer jeito. E isso é muito decepcionante.


O conto do pai do garoto, que fica obcecado por espirais e em seguida vai se contorcendo em uma espiral, é muito melhor contado na história original, e causa muito mais incômodo, pois ele trabalha o imaginário e o terror psicológico, e não o visual. Aqui, outra vez se apressam pra mostrar o cara virando uma espiral, sem nem tentarem criar suspense.

A parte onde ele mostra a língua pra namorada do filho, e ela se apavora e corre, tá completamente desperdiçada. Preferem dar ênfase nela correndo, do que no ponto que realmente precisavam enfatizar, e a revelação da língua dele devia chocar, pois ela choca no mangá. 


Pra criar esse choque, podiam se dedicar ao suspense, talvez mostrar a personagem reagindo antes de visualizar, e só então nos mostrar a bizarra cena, virando a câmera como uma espiral talvez, mudando o ângulo partindo de trás do personagem (o que inclusive iria de encontro pro tema), e só ai revelando o cara linguarudo.

O que fazem porém é mostrar a arte original mexendo como um gif, por longos segundos, com uma trilha sonora forçada pra fingir que é algo medonho, mas só faz parecer bobo de mais.


Sabe o filho desse cara? Ele cria paranoia por espirais ao longo da história, por causa do pai que vem mostrando cada vez mais uma obsessão por isso. Ambos são moradores da cidade amaldiçoada onde tudo se passa, mas o garoto parece vir de fora, por conta da escola.

O anime erra ao tentar mostrar isso, tanto na explicação de onde o cara vem, quanto na parte da paranoia. Pela pressa, a gente nem nota que o garoto ta seguindo os passos do pai aos poucos, enquanto no mangá isso fica muito nítido.


Notou o tanto de erro? O anime falha muito e tudo isso no primeiro episódio. Eu lembro quando li a história do Caramujo, um garoto que vira um caramujo na escola aos poucos. Eu me recordo dela isoladamente, pois mesmo contada junto das demais, ela criou aquele espaço na minha memória sozinha, afinal ela é solitária.

Ao invés de contarem isso no anime isoladamente, imitam o original tacando o início da história no meio do primeiro capítulo, sendo que, ela merecia ser contada sozinha.


Ela nem se conclui no primeiro episódio, o que também é um problema que prejudica a sensação antológica. Ficamos com aquele pensamento de que é tudo um anime contínuo, e perdemos a chance de aproveitar a história em seus bizarros fragmentos.

O correto, era que tudo fosse contado episódio a episódio, cada um com seu terror isolado, adaptando o original naquilo que ele conta, e não na forma que ele conta.


Os Seguintes Pioram


E a coisa vai por água abaixo quando decidem reduzir um pouco a qualidade da animação, e nem se esforçam mais pra respeitar a arte original. Daí o que já tava ruim, piora muito mais com sequências cada vez mais ridículas e pouco expressadas. 


Quase vomitei vendo a história do casal estilo Romeu e Julieta, do segundo episódio, pois não souberam como contar algo tão simples.


O conto original, duas famílias da cidade brigavam constantemente, mas entre eles havia um casal de jovens, que se amava muito. Pra fugirem das brigas e desaprovação do namoro, eles tentam ir embora da cidade. Mas no meio da fuga, eles são pegos pela maldição, e transformados em espirais de um jeito romântico.


Tudo ocorre por inspiração em serpentes que acasalam e eles testemunham, e cobras quando acasalam se enrolam umas nas outras. A ideia de se enrolar por amor fica na cabeça deles, e eles viram espirais com a mesma evoluindo para algo tangível. Tudo isso fica óbvio no mangá, e é bem bizarro, mas no anime tá vergonhoso de assistir.


Além de mal contado, é mal desenhado, e olha que tem movimentação, mas incluem um efeito de filme antigo por cima da imagem, escurecem as bordas pra esconder a má qualidade, e toda a sequência parece uma cópia mal feita das páginas do mangá, aumentadas.


E pior de tudo nem é a qualidade em si, mas a sequência ser misturada a outros dois contos que, por mais que também fossem contados junto no mangá, precisavam ser isolados pela passagem de tempo.

O conto da protagonista e o problema capilar, onde o cabelo ganha vida, e o conto do Caramujo. Os dois são mostrados sem o mínimo de esforço e acabam soando ridículos também.


No original, a protagonista (Kirie) vira vítima da maldição a espiral, pois seus cabelos começam a se enrolar. Isso faz com que uma colega antes bastante invejosa com relação a ela e o namorado, fique ainda mais com inveja da aparência dela, pois ela começa a ficar chamativa e elegante de mais.


Só que o cabelo começa a crescer muito, e as espirais ganham vida em suas mechas, e isso começa a incomodar ela, que mesmo tentando cortar não consegue, pela resistência deles. Por outro lado a colega invejosa se entrega pra maldição e cria seus próprios cabelos como espirais vivas.


No fim, elas se confrontam, apesar da Kirie não querer nada disso, e o namorado dela a salva cortando todo seu cabelo, enquanto a amiga se desidrata e morre pelo cabelo que suga toda sua vida.


Já o conto do caramujo, um dos colegas deles, era lento e lerdo, se atrasava pras aulas, e era humilhado por isso, sofrendo bullying. Só que um dia ele começa a criar um casco em espiral nas costas, ficando mais suado e úmido, e muito mais lento.


Daí num dia ele apenas some, e em seguida aparece como um caramujo gigante, se locomovendo pelas paredes da escola enquanto se transforma cada vez mais. É perturbador, mas ele acaba sendo protegido pela escola e colocado no pátio.


Rejeitado pela família e em uma situação completamente incomum, o jovem agora como um caramujo se torna solitário, até que ele encanta um dos garotos que provocava bullying com ele, que se diverte com a forma que ele ficou, que pouco a pouco só consegue pensar em como o colega ficou hilário nessa forma.


O pensamento controla ele, e ele também começa a ficar lento, suado, e se transforma pouco a pouco em um caramujo gigante. No fim, ele também é isolado no quintal pelo professor da escola.


E então, os dois caramujos acasalam, botam ovos (afinal caramujos tem os dois sexos), e o professor da escola esmaga os filhotes, enquanto eles fogem, e no fim, o próprio professor vira um caramujo.


É tremendamente bizarro, as duas histórias ficam mais medonhas no mangá, mas no anime é tudo tacado na tela sem esforço algum em construir a narrativa.

Mal da pra entender o que aconteceu, e como as 4 histórias são misturadas tudo só perde ainda mais o sentido. Vira uma bagunça em tela.


Digo 4 pois tem ainda uma história que foi quase totalmente menosprezada, do Garoto Surpresa. Um rapaz que vivia surgindo de lugares escondidos, assustando as pessoas pela cidade, e foi apelidado assim por se parecer uma caixinha de surpresas.


Ele tinha obsessão pela Kirie, mas não era a única pessoa que ele incomodava. Só que no fim, ao tentar impressionar Kirie, ele se mata atropelado por um carro.


O curioso é que ele deixa cair uma caixinha de surpresas, que daria de presente pra Kirie, e seu corpo fica todo enrolado pelas rodas do carro que o atropelou, fazendo ele ter uma forma similar a da caixinha. Outra história que acaba sendo ligada à maldição da espiral, pois a mola da caixa de surpresa é uma espiral.

E também é outro conto, desperdiçado e destruído na animação, pois tudo isso que contei você tira do mangá, e no anime é só um moleque chato que morre atropelado sem nem ter tempo de tela.


Pior é que ainda enfiam duas histórias de última hora, a da população que andava sempre em espirais, por influência do farol da cidade, e a do próprio farol, que queimava quem entrava nele. 


Mais uma vez desperdiçando os contos, resumem as histórias a ideias rápidas. As pessoas dando voltas atoa, são deixadas dando voltas atoa. O significado delas menosprezado, o terror da maldição afetando o psicológico de dezenas sem nem perceberem, isso tudo foi deixado como algo qualquer.


Enquanto no original a gente sente que a cidade vai pouco a pouco afundando numa espiral de eventos macabros, intensificando conforme Kirie testemunha cada grande evento, mas sem perceber que todos são interligados até ser tarde demais.


Por mais que goste do original, 
desisto do anime.


Ficou nítido que não sabem como contar as histórias do Ito, então, pra que continuar? Esse nem merece a Regra dos Três Episódios.

Talvez quando as histórias forem todas lançadas, eu assista pra dar meu aval e resumi-las, mas aqui vai um spoiler: No final de vários eventos bizarros, todos afundam numa espiral na cidade, e Kirie que testemunha tudo, vê a cidade morrer e vai junto da enorme espiral. Se for pra contar tudo de qualquer jeito, então ta ai.

O conto de Uzumaki é muito mais do que apenas o que acontece, e sim o como acontece. É um mergulho numa espiral de eventos que se intensificam e amedrontam, indo do normal ao absurdo com fluidez e calma, e não como a porcaria mostrada nesse anime.


Não assista, vai se arrepender e pior, nem vai entender o terror, só vai achar bobo. Ler é muito melhor.

É isso.

See yah.

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