Armadilha
O novo filme de M. Night Shyamalan é uma verdadeira armadilha para amantes do terror.
Sabe, eu amei o filme, por sua história, sua narrativa, e por me prender e surpreender com algo que eu nunca imaginava que me surpreenderia: Um Musical de Suspense.
Falarei mais a respeito a seguir, sem spoilers.
Boa leitura.
O que ele é de verdade?
A ideia do filme é realmente muito boa, e ela é perfeitamente executada. Nunca parece forçado, as músicas se encaixam subliminarmente aos eventos, e todo o plano de fundo se mistura ao suspense. Legal, isso é muito legal mesmo, mas cadê a reviravolta?
É que, quem conhece as obras do tio Shyamalan sabe que todo filme tem que ter uma reviravoltinha aqui ou ali, tem que ter algum toque impressionante que nos faça querer rever tudo com ainda mais atenção a detalhes. Isso só não acontece, como vários excelentes plotwtists de cair o queixo são ignorados, para que tudo se resolva de forma simples, esclarecida, e sem o mínimo de esforço pra assustar.
Na verdade, o filme só fica em suspense o tempo inteiro, e nunca entrega uma resolução pra todo esse suspense. Tipo, em terror espera-se uma coisa: Terror. E isso não existe neste filme.
Mas isso não o torna ruim, de fato ele é excelente, e eu me veria assistindo novamente, eu achei o carisma do antagonista sem igual, e a perspectiva do vilão em protagonismo foi estranha, mas agradável e meio perturbadora. Qualquer um pode ser o mal; lobo em pele de cordeiro; a genialidade de um psicopata, etc, etc. Mas caramba, eu esperava muito mais!
Tô errado em ficar ansioso por ver algo chocante em tela, numa história que trata o tema "psicopata porém pai"? Sério, tudo só parte do básico, prende pelo básico, e termina como básico sem jamais arriscar.
Cara, se a grande reviravolta é o fato do cara ser esperto e ardiloso, desculpe mas isso é bem fraco.
O Filme Começa Bem
O filme inteiro conta a história de um homem, pai de família, que quer dar um dia perfeito pra filha, e consegue! Só que paralelo a isso, há uma operação policial muito bem preparada, para prender justamente um psicopata chamado "O Açougueiro", que convenientemente estaria no mesmo show, em que este pai está com a filha.
Daí o filme fica dando indícios de que talvez, o pai seja o psicopata, mas cara, a máscara dele cai logo no primeiro sorriso que ele dá, pois o personagem exala um segurança incomum. Ele é manipulativo pra caramba, mente muito bem, e fica sempre em alerta com todos os policiais em torno. Nós pescamos a identidade dele antes mesmo se sabermos o que os caras tão procurando.
Partindo deste ponto, o longa desenvolve o plano de fuga de uma situação quase impossível de se fugir, sempre na perspectiva do vilão, e a gente acompanha isso, admirando a astucia do cara, que age rapidamente, sem nunca hesitar, e com plena maestria.
Um gênio frio e calculista, estilo o "Lobo de Wall Street", contornando a situação com tanta lábia que quase convence o próprio público!
Mas Estaciona no Suspense
Mas acaba ai, o filme para de evoluir nessa característica, e permanece explorando a genialidade do crime até o fim, sem nunca ir além. Ele não ousa, ele não tenta passear entre possibilidades, o roteiro apenas fica travado na ideia de um criminoso esperto que tá jogando xadrez imaginário com a polícia.
O desapontamento nos pega de fininho quando começa o desperdício de elenco. Tanto foco em personagens secundários, como a filha do cara mesmo, e seu maravilhoso dia perfeito, ou a policial velhinha que fica fora de cena mas tá de olho em tudo, ou então as falas baixinhas para que o espectador não entenda o que é dito e fique com uma pulga atrás da orelha, tudo isso é só descartado.
Tem um crescimento de suspense absurdo com suspeita sobre tudo, o que é claro é uma projeção do que o protagonista sente, e isso funciona na gente. Ele suspeita tanto de tudo, que basta um cochicho pra ele começar a teorizar, e nós vamos junto nisso.
Só que no fim não é nada de mais, toda a suspeita é atoa, a resolução é apressada, e a conclusão satisfatória para os mocinhos da história. Esquece-se o terror por completo, e qualquer possibilidade fica por água abaixo.
Aliás, erro gravíssimo tentar categorizar este filme como terror, já que ele nem tenta se enxergar assim. Tem drama, tem suspense, tem muita musica, tem até um pouco de comédia, mas terror jamais.
Até pequenas cenas em que há violência são distantes ou censuradas pro público. Tudo fica em sugestões, breves menções, como vítimas do Açougueiro e fotos policiais, colocadas em tela bem rapidamente, mas sem nada explícito.
O filme apenas é leve.
Baseado em Fatos Reais?
Na verdade, o caso em que tudo seria "inspirado" em nada tem a ver com a história. M. Night Shyamalan disse em entrevista que uma de suas inspirações foi a Operação Flagship, de 1985, onde a polícia distribuiu ingressos de Futebol Americano, para uma lista seleta de suspeitos e criminosos, prendendo geral como uma enorme armadilha ao irem no evento.
Por mais que o filme possa ser algo que represente uma história real, de uma armadilha da polícia criada para pegar criminosos, ele não é uma cinebiografia, nem um documentário. Ele não tá contando uma história "true crime" cheia de declarações de testemunhas, nem apela com o propósito de chocar com violência, sangue ou planos maquiavélicos arquitetados lentamente pelo vilão. Ele não tenta nem mesmo contar a história do vilão.
A ideia também não é enaltecer um assassino, como geralmente fazem em filmes de terror do tipo, afinal o personagem nunca atua como o Açougueiro, e o filme inteiro é mais sobre o lado pai dele, tentando escapar da vida secundária que tem como serial killer. Isso é legal, plano genial, e a gente sente o desconforto dele, em ter de manter sua insegurança em segredo enquanto presa pelo melhor pra filha.
O cara tá num show com a filha e a polícia aparece, agora ele tem que fugir sem a filha notar e é isso que o filme quer contar.
Desaponta, pois nunca tenta ir pro lado do terror, e permanece ali no suspense fingindo que vai entregar algo além, e nunca o fazendo. Dava pra arriscar, e eu sei que isso muito se baseia em expectativa, mas convenhamos: É M. Night Shyamalan! O cara tem um mérito a cumprir, tem um público designado pra suas obras, e ele só decide não seguir suas próprias regras aqui.
Só eu esperava coisas impressionantes como, sei lá, (spoiler invertido) a família do cara tendo envolvimento? Poxa, eu juro que até o último minuto do filme tive esperanças, de ver algum indício de que tudo era muito mais do que queriam contar. E isso nunca acontece.
Pior, fazem piada no pós crédito... e te juro, sai decepcionado da experiência.
Lembrou um pouco as ideias do Jordan Peele, principalmente em "Corra", mas sem tentar causar um reboliço narrativo, sem tentar impactar com surpresas ou indiretas sociais.
Por outro lado, estou errado em admitir que gostei da obra, sem gostar da obra?
Musical Excelente
Tudo no longa flui tão bem, que mesmo não curtindo sua história, eu gostei de como se esforçaram pra monta-la. Tiveram cuidado com esse detalhe e isso é um ponto que não da pra discutir.
Além das suspeitas constantes do pai de família, tem as músicas que são em suma letras criadas pro próprio filme, em cima de uma cantora fictícia, onde o próprio show que serve de palco pra obra se passa, e tudo é bem amarrado de mais.
As músicas contam eventos paralelos ao que acontece, se misturam, mas tudo ainda é só um show, e muito bom (são ótimas músicas) curtido pela plateia cheia de adolescentes, e pela filha do protagonista, quem também enfrenta seu próprio dilema notando pouco a pouco a encrenca em que está.
E o nervosismo dele, a gente sente, é nítido! Um pai tentando dar um dia memorável, e um assassino perseguido, poxa, eu entraria em pânico! O nervosismo dele se mescla entre vilão e protagonista, assassino e pai. Isso é uma construção sublime que só peca por não levar a parte alguma.
Atuações
Josh Hartnett como Cooper
O protagonista, e antagonista, começa o filme artificial pra caramba, mas aos poucos vai se soltando, até começar a soar mesmo como um cara escondendo uma vida dupla.
O ator se entrega ao papel, e consegue deixar aquela impressão bizarra de que é perturbado, mas igualmente controlado.
Tudo é meio fácil pra ele, graças ao roteiro, mas a confiança do personagem é reforçada pela boa atuação dele, e ele mente bem mesmo.
Ariel Donoghue como Riley
Não tem do que reclamar, ela é uma adolescente empolgada em um show pop, e assim como as milhares de outras garotas no show, sabe as letras, sabe as coreografias, grita pra um caramba, enfim, é animadíssima.
Como filha de Cooper, é estranho no começo, novamente bem artificial (o filme começa de um jeito esquisito e forçando a barra com eles agindo sem naturalidade alguma) mas aos poucos ela se solta, até terminar como uma filha traumatizada mesmo.
M. Night Shyamalan
Diretor, como sempre ele aparece nos filmes dele em algum ponto, e aqui ele é o tio da cantora. Curiosamente, Shyamalan é o pai da atriz que faz a cantora, que por sua vez é cantora de verdade. Seria coincidência o pai tentando dar o melhor dia pra filha, num filme do pai colocando a filha pra atuar?
Toda a participação dele, e dela também, é uma combinação incrível de talentos. Ela recebendo um papel de destaque não foi atoa, e até que ela atua muito bem, consegue segurar a bucha e entrega uma ótima participação, em coreografia, em performance, e até em drama.
Saleka Night Shyamalan como Lady Raven
De fato Lady Raven teve tanta participação, que pode-se dizer que ela é quase uma protagonista, sem nunca ter os holofotes em si.
Em uma parte, eu me questionei se faltou verba para contratarem uma cantora famosa real, mas a moça canta tão bem, as músicas são tão boas, o show é tão bem feito, que eu juro que quase me tornei fã!
A princípio também imaginei que era só coincidência as letras combinarem com os momentos, até ver nos créditos que a maioria das músicas são originais da Lady Raven, ou melhor, da Saleka Shyamalan, em parceria com Jeremy Loyid e Rykeyz.
Um bom jeito de promover seu talento, que não passa desapercebido. Mais um na família que tem o dom! Lembrando que o filme "Os Observadores" foi dirigido por outra filha do M. Night Shyamalan, Ishana Night Shyamalan. Não foi dos melhores, mas mostra uma tendência artística promissora em toda a família.
Conclusão
É um filme bom... mas podia ser o melhor.
Tem muito ali que dava pra ir além, sem precisar se segurar ou manter na "realidade". Ele podia desviar pro fantástico, tinha liberdade pra tal, mas prefere o básico.
Erra por conta disso? Talvez... pelo menos como terror ele não funciona, mas como suspense é agradável.
Mas acho que deviam ter aproveitado as chances e compensado o suspense extremo. Mas talvez, por questões empresariais, Shyamalan quis pegar leve com o musical da filha.
Enfim, é isso.
See yah!
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