Não pretendia falar a respeito desse seriado, mas fui seduzido por algumas curiosidades e acabei mergulhado em lágrimas.
Trata-se de um spin-off da sitcom "The Big Bang Theory" retratando a infância do icônico personagem Sheldon (que tecnicamente é o protagonista em ambos os shows). Contudo, há muitas diferenças entre os dois projetos, e muito a se comentar.
Falarei tudo que conseguir lembrar, afinal minha memória não é eidética, mas bastante esforçada.
Boa leitura.
Ideia Parecida
Desde o conceito dessa série, eu já a comparei com uma outra com exatamente a mesma premissa: Um personagem mais velho contando sua infância, com um humor familiar e pastelão. É assim que "Todo Mundo Odeia o Chris" é.
É praticamente tudo igual, mas uma história sendo de uma família negra no Brooklyn e outra de uma família branca no Texas, onde um cara narra e comenta sua infância, faz piadas com coisas antigas, e traça paralelos com o atual, com os problemas de suas respectivas realidades é claro. Mas, o pior de tudo está no fator spoiler, pois nos dois casos sabemos como tudo pode terminar.
É que, enquanto "Todo Mundo Odeia o Chris" é uma série que retrata a infância real de Chris Rock, um comediante que realmente existe, e de quebra empresta sua voz pra narração (afinal, é ele mais velho falando de seu eu mais novo), a de Young Sheldon usa um personagem fictício, com uma infância nebulosa e repleta de citações na série principal, mas sem muita explicação, onde o ator que o representou em Big Bang Theory (Jim Parsons) ajuda na produção, e também é o narrador mais velho de sua versão infantil.
Nos dois casos ainda há a coincidência que acaba dando uma finalidade pros dois projetos, algo que define o inevitável desfecho e dá um prazo datado pra ambas encerrarem: A morte do pai.
Sempre pensei que, retratar a infância de Sheldon Cooper seria algo perigoso a se fazer, ao menos com humor envolvido, já que uma das poucas informações claras que temos dessa mesma infância, passadas inclusive por ele e reiterada várias e várias vezes, é a tragédia da perda de seu pai aos 14 anos.
Problema este que equivale a perda do pai de Chris Rock, também ocorrida próximo ao início de sua vida adulta, e que também definiria um fim inevitável pra sua série. Mesmo que neste caso, ele modifique vários detalhes de sua história real pra dar andamento ao show, uma hora ou outra ele e seus desenvolvedores não poderiam fugir desse fato, e Julius iria morrer.
E, tratar a tragédia da morte em um programa de humor, ainda por cima pastelão, é uma tarefa difícil, quiçá desrespeitosa com o público e com os personagens retratados.
Pra piorar, nos dois casos, a figura paterna acabou se destacando de mais, e finaliza-lo em hipótese alguma seria algo bem recebido pelo público. Mas, não era algo do qual os desenvolvedores poderiam fugir.
No caso de "Todo Mundo Odeia o Chris", a série foi encerrada bruscamente antes do evento datado, e assim ficou, sem nunca assinar a morte de Julius (Terry Crews), mas que na vida real faleceu no que talvez seria a próxima temporada (Julius Rock morreu em 1988, e a última temporada retrata de 1986 a 1987). A série acaba tendo apenas 4 temporadas por conta disso.
Já em Young Sheldon, algo tão importante pro crescimento do personagem em hipótese alguma poderia ser ignorado, pulado ou evitado. Algo que se inicia aos 9 anos do personagem, caso retratasse cada ano por temporada, teria de acabar aos 14 (ou seja, na 6°), e mesmo assim conseguiu se estender por 7 temporadas. E... confesso que me surpreendi muito com o jeito como contaram isso.
A Origem do Objetivo de Sheldon
Assistindo e reassistindo Big Bang Theory pelas infinitas reprises da Warner, passei a me questionar sobre o motivo do personagem Sheldon, sendo tão inteligente quanto é, se dedicar tão fervorosamente à Física Teórica, fazendo de tudo pra provar uma teoria que até ele passa a ver como improvável, em dado momento da série.
Estudar tanto e por tanto tempo pra provar que outras realidades existem, através da Teoria das cordas, não parece ser o melhor uso pras tantas habilidades cognitivas de Sheldon. Mas, independente do que pensemos, cada cientista estuda com afinco aquilo que quiser, e não há uso bom ou ruim pro conhecimento ou suas capacidades.
Ainda assim eu sempre pensei "Tá, mas ele poderia tanto investir em computação ou algo mais tangível", e o cara teria capacidade pra isso, onde só pela habilidade de jamais esquecer ele já teria uma baita vantagem.
E isso ainda se confirma justamente em Young Sheldon, onde por várias vezes ele demonstrou aptidão pra tudo que se dedicasse, inclusive a área da computação (algo retratado na última temporada).
Até então, um dos pilares de sustentação do show era a constante explicação dos trejeitos de Sheldon, seus vícios e o que levou ele a ser o insuportável adulto controlador de The Big Bang Theory.
E, isso funciona bem, pois aos poucos as respostas são dadas servindo como uma ótima autobiografia que explica bem as razões do personagem. Ele guarda lugares por um motivo plausível, ele é controlador também por motivos plausíveis, ele é afastado socialmente, reservado, emocionalmente distante, frio e calculista, também por vários motivos plausíveis. Tudo tem uma resposta e tudo vem dessa infância.
Mesmo ciente disso, a surpresa foi enorme ao ver que sua obsessão pela Física Teórica deriva de seu pai, única e exclusivamente disso. E pior, é algo que a série mostra e corta nosso coração.
No penúltimo episódio da última temporada, o tom é de luto, e o humor é reduzido a algumas poucas frases aqui e ali. Tudo é bem mais sério, e o pior é que, é doloroso de assistir. Ainda mais pelo jeito como Sheldon se comporta.
Sem dar muitos spoilers, o episódio inteiro mostra versões alternativas do último momento em que Sheldon esteve com seu pai, momento este no qual ele não deu atenção, mas que ficou ali gravado em sua memória eidética pra sempre.
E, essa busca constante por um momento melhor, onde ele teria aproveitado melhor o tempo com seu pai, é naturalmente a semente que faz brotar a vontade por comprovar a Teoria das cordas.
A série em parte alguma dita isso, ela não chega e diz "Sheldon escolheu esse campo de estudo por este motivo específico e pronto". Há varias outras razões, ele já tinha um desejo enorme em se dedicar a isso, claro que sim, mas em seu eu mais íntimo, o que o fez tornar esse estudo uma prioridade foi apenas seu pai, e aquele momento.
Cada vez que ele reimaginava aquela cena final, me lembrava cenas pesadas como a do personagem de Adam Sandler em Click beijando seu pai antes do último momento.
Chorei, muito.
Reuso de Atores
Detalhes me pegaram feio na surpresa, e me encantaram de certa forma, pois o que antes me soaria como "preguiça" dos idealizadores, depois virou um tipo de "poesia" aos meus olhos.
O caso de reutilizarem o ator Lance Barber como interprete de um personagem importante nas duas séries foi algo inegavelmente impressionante. O ator já havia participado de "The Big Bang Theory" antes, e ainda por cima em 2 episódios, como dois personagens diferentes!
Lance Barber faz o pai do Sheldon, George Cooper, mas também faz o cara chamado Jimmy Speckerman que faz bullying em Leonard em um dos episódios da série principal (Temp 5, Ep 11 - The Speckerman Recurrence).
Ele surge do nada, é inclusive uma das poucas vezes em que Sheldon defende Leonard (de verdade), e no fim o personagem sai da série e nunca mais é visto ou lembrado.
Mas, na mesma série, Lance Barber faz o papel de George Cooper, em um vídeo que Sheldon assiste, num crossover já com Young Sheldon (Temp 12, Ep 10 - "The VCR Illumination"), dando um baita conselho pro filho sem querer, através do tempo e por um erro de regravação acidental.
No episódio em que o Bully aparece, ele procura Leonard para pedir ajuda pra inventar algo e vencer na vida, mas isso faz Leonard se assustar afinal, na infância ele era humilhado por esse mesmo cara.
Sheldon ajuda Leonard a dobrar o Bully e até mesmo convence-lo a se desculpar, mas no final o cara volta a ser o mesmo de antes, e quase arrebenta Leonard em sua própria casa.
Engraçado e meio contraditório ver que é justamente neste episódio que Sheldon faz a única piada fúnebre de toda a série, sugerindo que matem o Bully durante o sono... igualmente, ele nunca relaciona o personagem e sua aparência física com a de seu pai, nem mesmo o cita.
A graça tá no fato deste ser exatamente o mesmo ator que futuramente faria a figura paterna dele, traçando um paralelo retroativo curioso.
O pior, é que Lance Barber fez um papel tão bom como pai de Sheldon, que além de ganhar arcos próprios de relacionamento com seus outros dois filhos, ele ainda teve um desenvolvimento muito maior, até mesmo que outros personagens da família (apesar de todos terem seus destaques é claro).
Com relação aos demais personagens, a mãe de Sheldon mais jovem (Zoe Perry) não é a mesma atriz da versão mais velha (Laurie Metcalf), mas ela cumpriu muito bem o papel, dando aquele ar de religiosa obcecada, e uma mãe muito controladora mas dedicada.
Os irmãos de Sheldon então, ficaram excelentes, e antes eu achava um exagero dar tanto destaque ao irmão mais velho Georgie (Montana Jordan), já que este só teria aparecido em 1 ou 2 episódios de Big Bang Theory (Jerry O'Connell), mas conforme tem sua infância explicada paralelamente a de Sheldon, e tudo que teve de passar (e o quão maduro foi mesmo jovem), meio que tornaram o personagem bem mais profundo.
O mesmo pra irmã deles, Missy (Raegan Revord) que parecia apenas uma mulher bem sucedida e patricinha em sua versão adulta (Courtney Henggeler), mas que também teve uma infância difícil, ainda mais com Sheldon em sua cola. A união de ambos, e a rivalidade também, além da diferença mesmo sendo gêmeos, contribui muito mais pra estrutura da personagem, dando uma relevância gigantesca pra ela inclusive no futuro.
E, a Vozinha (Annie Potts) que acabou sendo completamente diferente da versão que surge em Big Bang Theory (June Squibb), muito mais jovial aqui do que lá, acaba também ganhando uma nova repaginada, e se destaca com arcos próprios interessantes.
E claro, o Jovem Sheldon (Iain Armitage) é inegavelmente a versão mais jovem do ator mais velho (Jim Parsons). É ele, desde pequenininho, e ver ele crescendo ao longo da série, junto de toda sua família, espichando de tamanho pouco a pouco, só da ainda mais veracidade pro seu eu futuro.
Tipo de Humor
A série não usa as clássicas risadas da principal, pois nem é uma sitcom. Se passando no Texas, ela retrata uma família formada inicialmente por uma mãe religiosa, um pai treinador, um filho rebelde, e um casal de gêmeos, um deles sendo muito inteligente e com memória eidética. Além disso tem a avó, que mora em outra casa mas sempre aparece em algum momento, além de muitos personagens coadjuvantes.
Contando a história dessa família, as vezes apenas pela perspectiva do jovem inteligente, e as vezes mostrando outros núcleos com os membros isolados, tudo é narrado por Sheldon, explicando e comentando momentos chave de sua infância. Ele nunca aparece pessoalmente (exceto no final), e é muito parecido mesmo com o que o Chris Rock faz em sua série (inclusive a piada da interferência da namorada na narração, é uma coisa que ocorre nas duas séries).
A piada e o humor está nas tiradas comportamentais do pequeno Sheldon, em relação ao seu entorno, e os comentários difusos de sua versão madura. Ele mesmo não entende bem o que comenta, e o espectador acaba vendo graça nas ações absurdas e reações dele, em situações normais e comuns pra qualquer família.
Tem drama, tem comédia, mas nada extrapola. As piadas são contidas, o humor fica mais nas reações dos personagens, e na pura dramaturgia, com uma trilha sonora boba pra dar o tom, e as vezes alguma pegada mais pesada ou sátira social.
Momentos de reflexão são constantes, e há uma abordagem social recorrente, tratando de assuntos como drogas, gravidez na adolescência (de forma diferente), religião, romance e traição, e por ai vai.
Crossovers
E apesar da série se limitar ao personagem Sheldon, ela não ignora aquela da qual derivou.
Inclusive, além das participações especiais do próprio Sheldon adulto e de Amy (Mayim Bialik), já casados e no presente, explicando que tudo é apenas uma autobiografia de Sheldon (no último episódio), ainda tem o episódio final da segunda temporada, no qual aparece todo o elenco principal de Big Bang Theory, versão infantil.
Leonard aparece ouvindo o mesmo rádio que Sheldon...
Penny dormindo...
Raj estudando...
Howard jogando até tarde...
Bernadete também dormindo...
e Amy lendo.
Isso é só uma breve referência de fim de temporada, e serve apenas pra ilustrar que todos os amigos de Sheldon, os que ele realmente amaria muito, estavam em pontos diferentes do mundo no momento em que ele mais se sentiu só. Porém, serve como um tipo de crossover.
Além disso, tem a aparição do Jovem Sheldon e seu pai no vídeo, que Sheldon assiste justamente quando está duvidando de suas capacidades, e do que estuda. É um episódio meio promocional pra série spin-off, mas ao mesmo tempo, é uma baita conexão entre ambas.
Ao menos é a única forma dos dois Sheldons se encontrarem ao mesmo tempo, a menos que Sheldon um dia descubra a viagem no tempo, e ganhe outro Nobel por isso.
Final
Sei que, não falei tanto sobre a série em si, afinal eu repito que nem era minha intenção fazer isso.
Mas, eu gostei de como respeitaram a natureza de todos os personagens, e os retrataram adequadamente, construindo uma história prévia para a sitcom, e sem criar mais, mesmo com a série fazendo um relativo sucesso.
Gosto das duas em igual medida, e são projetos bem diferentes, mas que se conectam e complementam.
Dá pra assistir uma sem nunca ter visto a outra, e gostar, e isso eu acho incrível.
Enfim, é isso.
See yah.
8 Comentários
Show de texto como sempre hehe! Curto a série original e talvez eu dê chance para essa agora (apesar de estar com um pé atrás quanto as suas dicas ao ver vc gostar de "acolyte" e anéis de poder hehe). Tem algo aqui sobre "the office"? Eu nem lembro. Vou dar uma olhada. Se não tiver, tenta aí, é boa demais! Pelo menos até a sexta temporada rs
ResponderExcluirDei um tiro no pé com Acolyte e Aneis do Poder eu nem vi mais de tão pra baixo que fiquei após perceber o quão errado estava rs. Mas é questão de gosto né... eu creio que Young Sheldon vai agradar, pelo menos vi tudo nesse caso rs...
ExcluirThe Office ainda não escrevi a respeito, e esse é um dos "ouros" que eu preciso falar.
Tipo, desculpe por pisar na bola as vezes mas, vou continuar me esforçando!!!
Ainda não assisti The Big Bang Theory... também não assisti Young Sheldon... mas já vi tantas cenas isoladas de ambas séries que meio que tenho idéia de como funcionam.
ExcluirO que me afasta de iniciar a primeira é sua longa duração, eu dropo fácil algumas coisas, por mais que eu goste, fica enjoativo assistir tudo e se eu demorar muito pra assistir esqueço detalhes que podem ser relevantes.
Mas creio que iniciarei Young Sheldon por aparentemente ser mais curta e eu saber menos sobre ela que The Big Bang Theory.
Como sempre, mais uma análise bem escrita que me dá aquele "empurrãozinho" pra iniciar algo kk.
Quanto ao comentário do Ivan... The Office assisti recentemente e recomendo vici!
Esperarei ansiosamente por uma análise sua dessa série.
Como uma série de 2003 passou batido por mim por 21 anos sendo tão boa assim mano?
(The Big Bang Theory é de 2007... meio que eu deveria mesmo iniciar ela logo pra não fazer o mesmo que fiz com The Office...)
Tipo, Big Bang Theory é aquele estilo de seriado feito pra televisão, na era de ouro da mesma, então é mais interessante assistir justamente por curtas ou trechos, ou diariamente, passando na televisão, do que maratonando em algum streaming. É tipo assistir Chaves... ver tudo de uma vez enjoa, mas ver um pouco todo dia é legal.
ExcluirEu comecei The Office ja rs... tomara que eu consiga terminar.
Pra você ver, ultimamente tenho assistido muita série... terminei Fallout e assisti The Office por completo... 9 temporadas... mas comecei a enjoar ali no finalzinho da 7ª... terminei tudo e agora estou assistindo Todo Mundo Odeia o Chris e já estou na 3ª temporada.
ExcluirMeio que vou apresentando as séries a minha mulher porque ela não conhecia.
no caso de The Office, nem eu conhecia.
Creio que o The Big Bang Theory ela também não conhece, mas todo mundo sabe quem é o Sheldon.
Todo Mundo Odeia o Chris é perfeita!
ExcluirSheldon meio que se destaca fácil de mais. Personagem muito bem feito e o ator convence, mesmo não sendo nada do que o personagem é.
Tem quem critique negativamente Big Bang, mas eu acho tão leve, e realmente comparo com Chavez em termos de humor... é algo bobinho, mas diverte. As risadas ajudam.
Assisti 44 episódios de Todo Mundo Odeia o Chris em 2 semanas... tá indo rapidão...
ExcluirThe Office então? levei mais ou menos 1 mês e meio para assistir os 201 episódios...
Ultimamente tô voando nas séries kkk só não assisto muito assim se os episódios são aqueles mais longos de quase 1 hora.
Geralmente eu assisto uns 2/3 no almoço, 2/3 no jantar e mais uns 2 antes de dormir... assim termino rapidinho...
Irei pro The Big Bang Theory ao acabar o atual.
Eu venho assistindo um pouco por dia. Agora que Acolyte e The Boys acabaram (amém), vou pegar uma pra maratonar... talvez concluir um anime também.
ExcluirMas, ótima estratégia a sua. Fato é que alguma séries são mais legais assistir pausadamente, justamente pelo número de episódios né.
Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.
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