SérieMorte: Futurama - Um novo Reinício - Parte 1

Uma série animada inteligente, eu sentia falta disso. Futurama voltou, outra vez, agora produzido pela Hulu (reproduzido aqui pelo Star+)

E me sinto estranho falando dessa série pois, ao termina-la, é como se ela nunca tivesse acabado. 


O fim da série em 2013 foi uma bomba emocional que unia Fry e Leela pra sempre, presos no tempo. Então, só a ideia de trazer o show de volta parecia um risco, ainda mais nos tempos atuais. Mas foi exatamente por isso que o show voltou forte, e repleto de conteúdo pra satirizar e fazer pensar, além de rir.

Com 10 episódios, este foi o melhor retorno de uma série que já pude assistir, e se passaram 10 anos!

Explicarei tudo episódio por episódio, e há bastante coisa pra se falar, então...

Boa leitura.


10 Anos de Hiato


Futurama sempre sofreu com finais bruscos por término de contrato, sendo cancelada algumas vezes e voltando em novos estúdios, mas sempre mantendo (ou tentando manter) o estilo narrativo antológico e repleto de paródias e sátiras ao mundo real, em um futuro distante e repleto de ficção científica.


Criado por Matt Groening (o mesmo criador de Simpsons e Desencanto) a série teve suas primeiras temporadas exibidas pela Fox, até que o contrato acabou, e passou a ser reprisada na Cartoon Network e Adult Swim, até que recebeu renovação em formato de filmes, que depois foram divididos em episódios de uma nova temporada pela Comedy Center. Depois foi cancelada de novo, e ressurgiu como um especial de DVD, depois foi cancelada de novo, e voltou em mais um contrato pela Comedy com pacote fixo de episódios pra algumas novas temporadas, até ser cancelado de novo com direito a uma despedida em um episódio final épico.


Contudo, a Hulu assinou contrato novo e pronto, série de volta e com carga total, com 1 temporada dividida em 2 partes, a primeira tendo se concluído em 2023. Apesar desse monte de empresa envolvida, na realidade a Disney detém os direitos de Futurama (a Hulu é a divisão "adulta" de streamings da Disney), mas calma que não foi feito de qualquer jeito, só pra manter o nome e manchar sua alma, como tantos outros produtos recentes.


E aliás, o primeiro episódio dessa nova leva fala justamente disso, satirizando a compra de títulos enlouquecidamente por empresas que terceirizam o trabalho só pra produzir mais e mais, sem ter o mínimo de respeito com a essência de suas aquisições, e seus fãs.


O episódio faz questão de falar até dos cancelamentos e retornos contínuos, da quebra de direitos, da censura forçada, e da baixa qualidade das obras feitas às pressas pra lucrar em cima do pessoal que é facilmente seduzido por puro hype.


E, assim como tal, ele satiriza tudo isso mostrando Fry como um ignorante consumista, na tecnologia da época, acessando streamings e sofrendo com a provável zumbificação de sua alma, ao assistir cada vez mais rápido, enquanto Bender e Leela tentam salva-lo, ajudando a empresa a produzir mais e mais, cada vez com menos recursos e uma qualidade precária.


É um perfeito retorno que insere Futurama no mercado, já mostrando que não irá curvar a cabeça pra ninguém, pois estão acostumados a serem cancelados. Mas nem por isso irão meter os pés pelas mãos e provocar atoa, tentando ao menos passar suas clássicas mensagens filosóficas e sociais que nos fazem refletir sobre tudo. (A Fulu é uma referência aos serviços de Streaming em geral, usando o logo semelhante ao da Hulu, mas o catálogo geral como da Disney, Netflix, Prime Video, e por ai vai).




Nada foi Esquecido


As histórias tem um teor nostálgico, e juro que passei por um tipo de "Efeito Mandela" ao assisti-los, acreditando e tendo uma sensação forte de que tudo que eu estava assistindo, eu já havia visto antes em alguma reprise na televisão.


Mas, é tudo uma impressão agradável causada pela verossimilhança da obra mais moderna, com aquela de 10 anos atrás. Mesmo com a arte um pouco melhorada, e um contexto muito diferente daquela época, a série voltou forte e ciente da mudança, mas também se conectando ao passado como se nada tivesse parado.


Isso funciona bem graças a explicação dada no episódio anterior, de que Leela e Fry viveram 10 anos isolados no tempo, mas agora voltaram pro fluxo normal. Isso garantiu um salto temporal que não gerou falhas lógicas, e ainda permitiu satirizar o ano de 2023 como o ano de 3023 para 3024.


Então, as novas histórias partem nesse novo mundo, com esse pulo gigante de uma década. Mas ele não ignora consequências, trazendo um fato antigo lá da 4° temporada, de um episódio que Kif (namorado alienígena da Amy) engravida da Leela.


Esse resgate de narrativa vem repentinamente, mas não é algo feito atoa, pois ele está na época exata pra acontecer. Isso pois lá naquele episódio, que se passava em 3004 (foi de 2004), a piada de encerramento era de que Amy se torna mãe das crianças de Kif, mas ela levaria um tempo pra se acostumar, tempo este que seria em torno de 20 anos até elas amadurecerem e saírem do lago. Naquele tempo, a ideia era brincar com o fato de que ela só aceitaria ser mãe quando as crianças já estivessem adultas (logo, isenta da responsabilidade). Mas não, isso não passou batido.


Exatamente 20 anos depois, a hora de receber as crianças chega, e Kif chama sua amada para a nova vida de pais. Sem precisar relembrar os eventos de tanto tempo atrás, o episódio traz suas próprias sátiras e piadas, inclusive colocando em tela o esquecimento de Leela (e o descaso dela) com o fato de ser a mãe biológica. Mas, é um episódio que funciona sozinho, sem precisar de flashbacks nem de nada do tipo.


Além do mais, ele ainda demonstra que nada foi esquecido de tudo que 140 episódios construíram, e Futurama ainda tem muito pra contar.


Crítica ao Bitcoin


Mantendo a ideia de comentar sobre eventos recentes, em uma época futura, eles trazem a tona a discussão sobre a moeda virtual não rastreável, que pode ser minerada digitalmente com o uso de computadores.


Em um futuro onde a moeda já desvalorizou, mas voltou repentinamente ao mercado pra mais uma rodada de investimentos vazios, é uma crítica direta ao fenômeno do esquema de pirâmide digital, e os aproveitadores de momento que surfam na empolgação da massa, pra conquistar suas fortunas.


É aquele velho método Futurama de criticar a sociedade vigente, numa situação fictícia muito parecida com o que vemos no atual. Pessoas se submetendo a vida na antiguidade, enquanto depositam tudo o que possuem em um sonho de enriquecer com investimentos na base da sorte, cegos pra realidade e confiantes de que, na vez deles, a bolha não vai estourar.


O terceiro episódio é assim, o grupo de entrega espacial tenta quitar uma dívida com a máfia robótica e pra isso, viajam até um deserto isolado cheio de minério pra fazer processadores, o que sobe muito de valor pois as pessoas passam a comprar mais processadores pra minerar bitcoin.


Então, eles mineram a matéria bruta, vendendo para que outras pessoas se matem pelo dinheiro que tecnicamente, não tem valor. É gente se aproveitando de gente, e o mercado se movendo com base em itens de valor subjetivo.


E, paralelo a isso, há a subtrama do Borax Kid, um escritor famoso que Fry curte, mas que se revela um babaca plagiador que só se aproveita do hype da galera pra revender estórias velhas, sob uma falsa nova versão.



Referência à Duna


Que Futurama se inspira em obras de ficção científica espacial como Star Trek e Star Wars já é bem óbvio, e toda hora trazem alguma referência, contudo, a inspiração original para tudo isso, e considerado pai da Ficção Científica, é "Duna", o livro que inspirou também adaptações aos montes da trama que se passa no deserto espacial.


Assim sendo, trazem um episódio inteiro recontando a história de Duna, mas num contexto de Futurama. O bichinho de estimação de Leela adoece por parasitas, e cabe a ela e seus amigos encolherem, para enfrentar os parasitas, visitando o mundo da Caixa de Areia dele.


Em uma história que também traz elementos do passado, como os parasitas da inteligência de Fry, e um monte de alusões a outras ideias de Futurama, o quarto episódio concentra sua trama numa releitura de Duna, com direito a monstro de areia e tudo mais.


Também é um episódio que começa com um letreiro dizendo que há uma história escondida, mas eu não achei.



Sátira ao Domínio das Entregadoras


Após a pandemia, a força dos streamings e das corporativas de entrega, acabou se tornando tão grande, que é quase algo essencial para o novo mundo. Então, Futurama que sempre retratou a questão de Entregas (afinal, os protagonistas trabalham numa empresa focada nisso) iria acabar falando disso. Mas, ironicamente, não é deles a possível ascensão ao sucesso que teriam, mas sim da concorrência.


A eterna antagonista Mãe abre uma empresa de vendas mundial, que ainda tem entregas gratuitas, chamada Mamazon (nem preciso dizer que é uma paródia da Amazon né?!). E seu objetivo é puramente lucrar, mas a IA que ela usa para gerenciar suas vendas, um aparelho chamado Invasa (referência direta à Alexa), decide expandir por conta própria e dominar tudo e todos.


Mas, a questão nem á luta contra a IA em expansão, e sim uma reflexão sobre como o universo se expande. Pois é, o episódio começa a fazer referências ao infinito crescimento do universo, colocando a Invasa em uma posição de tamanha imensidão, que seu crescimento se torna insignificante para as histórias no geral.


Seu objetivo é só englobar tudo e permanecer expandindo, então é isso que ela consegue, tornando a Mamazon a maior empresa de vendas e entregas do universo, a mais rápida, e ainda assim, não faz diferença para a Planet Express, pois as entregas deles permanecem solicitadas como sempre, raramente e só em condições precárias.




O Paradoxo Natalino


O melhor de todos os episódios para mim foi o quinto, pois nele rola uma ótima abordagem da viagem no tempo. Papai Noel, o temido vilão de Futurama, volta a atacar porém, dessa vez a Planet Express tenta detê-lo, com o Professor Farnsworth reajustando sua Máquina do Tempo, para assim voltar  no dia em que o Papai Noel Robô deu defeito, e corrigi-lo antes dele pirar e sair matando todo mundo no Natal.


Só que, ao fazer isso, todos conseguem curtir o Natal com suas famílias, exceto Bender e Zoldberg, que se unem para desfazer o Natal, viajando no tempo e sequestrando o robô.


Ao fazer isso, eles sem querer matam o Papai Noel, e ao fazer de tudo pra se livrar do corpo, são pegos no flagra em uma festa surpresa feita por seus amigos, onde o robô desperta e começa a atacar a todos.


Sem entender porque ele voltou a ficar insano, todos se escondem e do nada, Bender e Zoldberg aparecem e sequestram o Papai Noel, revelando que na verdade, eles viajaram para aquele momento e salvaram a pele de todos.


E o Professor Farnsworth tinha feito o robô enlouquecer no passado, pra início de tudo, achando que tinha feito ele voltar ao normal. Moral da história, eles fecham um ciclo de loop eterno.


Esse episódio é bem curioso, e até faz referência a teorias físicas diversas, como o próprio Big Bang. Também há participações rápidas de Desencanto (que sabe-se que foi um mundo medieval que existiu entre os anos 2000 e 3000).



O Covid 19 Evoluiu


Óbvio que a serie não perderia a chance de zoar com a pandemia e seus muitos memes. Pessoas botando a máscara de qualquer jeito; gente acreditando em teorias de conspiração; o negacionismo às vacinas; a tendência a se submeter a métodos suspeitos pra superar a doença; a corrida política pra ganhar em cima disso; a massa propagando a doença ainda mais rápido por pura negligência; e o isolamento fortalecendo a comunicação digital. Tudo isso e muito mais é referenciado no episódio 6.


Com uma nova evolução da doença, agora afetando primeiro os mutantes dos esgotos como Leela e depois evoluindo pra todas as demais espécies, gerando agressividade e tosse. A ideia é satirizar os principais eventos que acometeram a pior fase da doença no mundo.


Agora em 3023, a doença faz com que todos repitam os exatos erros do passado, assim como fizemos em no século 21, repetindo erros do século 19, e por ai vai.


Independente da quantidade de informação, as pessoas tendem a agir da mesma forma, e o episódio retrata isso com veemência.



O Cancelamento do Zapp


Este é um episódio que retrata a era do Cancelamento em que vivemos, botando um dos personagens mais repulsivos no co-protagonismo, o Capitão Zapp. A escolha dele não foi nada arbitrária, afinal além dele se enquadrar perfeitamente no estereótipo cancelável, ele ainda tem o nome "Zap" (alusão ao Whatsapp e as redes sociais no geral).


Ele que sempre praticou bullying com seus tripulantes, sempre foi misógino, desprezível, aproveitador e convencido, do nada é cancelado! E posto numa reabilitação enquanto Leela assume seu cargo.


Tem de tudo nesse episódio, de empoderamento feminino à representatividade racial, mas em uma ácida crítica de duas faces tanto para o grupo pró "cancelamento", quanto pra quem é contra, pois os dois lados são retratados.


Zapp, representando a velha guarda que não vê maldade em seus atos mais sórdidos, e o resto do mundo representando a geração do politicamente correto.  


E ai surge de tudo, desde racismo até molestamento, com críticas ao jeito como cada pessoa e cultura observa e lida com as ações alheias, dentro de seus conceitos e regras.



Antologias Soltas


Então vem um aglomerado de antologias sem ligação alguma com nada que já foi mostrado em Futurama. 


São apenas histórias de brinquedos diferentes, vivendo situações que retratam contos da cultura pop (tipo um que faz referência direta ao filme "O Chamado"), e no fim trazem alguma reflexão metafórica sobre a vida.


Os brinquedos sempre são representados pelo elenco de Futurama, mas em corpos novos como se fossem de outro universo. Mas, são como comerciais (bem longos) apenas.


Além disso, o que une todas as histórias é um evento igualmente sem conexão com os demais, mostrando Leela perdidamente apaixonada por um Príncipe do Espaço, e desejando acima de tudo se casar com ele, com seu namorado ali do lado, quem inclusive luta para que ela conquiste seu objetivo, desafiando o Rei (que era contra) pra um duelo.


É tudo muito maluco, solto, engraçado, e Futurama! E no fim, era tudo só a magia da ciência.




Vivemos em uma Realidade Simulada


Pra fechar a primeira parte, eis uma história sobre uma discussão filosófica profunda, que é construída com esse propósito, o de nos fazer pensar.


O Professor Farnsworth cria uma realidade virtual simulada, com versões miniaturas de todo o universo, incluindo a Planet Express. Então, enquanto todos observam eles vivendo, o grupo discute sobre eles serem reais ou não, citando tudo o que torna nosso universo palpável, e comparando com o que há de digital, chegando à conclusão de que não dá pra saber sem testar.


É uma história bem reflexiva, mas ainda divertida, mostrando a versão pixelada da galera revivendo as histórias que acabamos de assistir, mas também o pessoal do "Mundo Real" suspeitando da própria existência, até que os pixelados também começam a suspeitar.


Pouco a pouco, o mundo menor torna-se mais real, e as questões filosóficas e existenciais deles atingem a mente de todos, até que Bender (que é uma IA) sente empatia por eles e decide fazer de tudo pra que eles nunca descubram que não são "reais".


Assim, ele entra no mundo digital para alerta-los, ao passo que seu corpo morre no "mundo real", desligando sem sua mente, mas repentinamente, ele acorda no "mundo real" também, com respostas que ajudam a resolver todos os problemas recentes e continuarem, mas também levantando a dúvida maior sobre eles serem só uma simulação assim como suspeitavam, e exatamente como aqueles que eles estavam espionando. Havia uma camada acima deles? Alguém os observando? De onde esse segundo Bender veio?


Que diferença tudo isso faz? Se o pessoal que acompanhamos é uma subcamada de uma versão mais real, ou não, isso não faz grande diferença. Mas certamente nos faz pensar sobre nosso mundo, e até que ponto podemos confiar que estamos mesmo em um mundo físico.


Será que não fazemos parte de uma simulação de universo, feita por computadores tão potentes e avançados que nem sonhamos, e uma tecnologia tão distante que jamais alcançaremos? O que nos torna reais? Meros pensamentos? Sentimentos? Emoções? Sabemos que tudo que conhecemos existe apenas em nossa mente, pois tudo precisa passar por ela pra se tornar real. Nossos sentidos dependem unicamente de estímulos elétricos em nosso cérebro, então... será mesmo que estamos em um mundo real?


Mas a pergunta maior, e aquela que o episódio deixa no ar, é se isso faz mesmo diferença ou não. Saber que somos "reais" vai nos tornar menos vivos? Nossas experiências, sonhos, objetivos, conquistas, perdas, dores, tudo. Isso tudo existiu não? Mesmo que sejamos apenas algoritmos em um computador, que podem sumir a qualquer instante, ainda estamos de pé, e está tudo certo.


É só o que importa.

Bem, isso foi Futurama em 2023.

A segunda parte sairá em 2024 se não me engano, e bem, talvez eu veja.

Até lá, obrigado pela leitura.

E, se gostou do texto, por favor compartilha. Vai me ajudar muito.

See yah!

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2 Comentários

  1. Não sabia que futurama tinha retornado, assisti muito nesses canais de ver tv online a um tempo atrás kkk
    Que bacana que aparentemente ressucitar a série foi algo que saiu bem feito e também me interessou bastante a abordagem que foi dada aos episódios, confesso que é uma das poucas séries que eu nem tinha ouvido falar que estava em atualização e me interessou de verdade já ir acompanhar...

    Uma pena, que... não possuo o streaming para acompanhar kkk

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    1. E felizmente não foi uma ressurreição mal executada. Ta muito mais interessante que a Desencanto.

      Sem streaming, eu sei como é isso. Qualquer coisa me manda mensagem no insta, talvez eu conheça uns sites rs.

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