CríticaMorte: Jogos Mortais X - A Redenção de Jigsaw.

Fiquei meio confuso, pois apesar de não ser fanático pela franquia "Jogos Mortais", eu me lembro bem que Jigsaw ou John Kramer, era um vilão, que se julgava inocente por colocar as pessoas em seus jogos e tal, mas era um vilão.

Então, de repente, colocam ele como herói? Sei bem que todo protagonista é herói em sua própria história, mas foram um pouco longe de mais aqui.

Não que o filme seja ruim, ele só é muito esquisito pois bagunça com a moralidade do espectador contando algo bem equivocado.

Falarei melhor a respeito a seguir.

Boa leitura.

A franquia "Jogos Mortais" deu seu último suspiro com "Espiral", spin-off que zombou do título e fez muito feio. Então decidiram trazer tudo de volta com direito a "ressurreição" do grande antagonista de sempre, que morreu já faz tempo. A ideia seria contar uma história intermediária aos muitos filmes da longa saga, mas intitulando ele como décimo na sequência (mesmo que não seja).

E confesso que achei uma excelente ideia, trazer Tobin Bell no papel de Jigsaw uma vez mais, antes do personagem sucumbir ao câncer cerebral, era um bom plano para voltar com as armadilhas brutais do engenheiro, e as mortes sangrentas repletas de groselha. 

Nem havia problema com continuidade ou ilógica dele ter outros jogos, pois sabemos que o cara era um baita "assassino" que fez muitas e muitas vítimas, várias nunca encontradas. Na lógica, só de ele viajar pelo mundo fazendo vítimas já supriria o desejo de quem gosta desse tipo de terror, em ver as artimanhas e o marcante suspense em seus terríveis jogos.

Jigsaw é Herói

Só que não se contentaram apenas com trazê-lo de volta, quiseram de alguma forma perturbadora, fazê-lo ser "compreendido" pelo público. Um tanto quanto perigoso tal ideia, uma vez que o personagem já tinha sua visão de justiça estabelecida ao longo de seus filmes, mas não reduzia a gravidade macabra de seus métodos, muito menos o tornava "inocente" ou compreensível.

Inclusive, o que o tornava um vilão brilhante era esse senso corrompido que ele tinha, de que podia pôr pessoas em armadilhas desafiando-as às mais cruéis e até letais ações, para provarem que amavam suas vidas, e mereciam permanecer vivos.

O próprio, com seu câncer terminal, depois de vários problemas que passou, e perdas, aceitou que "ajudar pessoas" era seu objetivo até o resto de sua vida. E isso o fazia ser assustador, pois como lutar contra um vilão que acha que é herói?

Então, surge um filme pra pinta-lo como herói, colocando vilões para que ele combata, e o mais medonho disso (e eu diria até errático) é que isso funciona bem.

Uma Nova Antiga Fase

Jigsaw é um velhinho, a beira da morte, que ama a própria vida mais do que tudo, então ao ver a chance de prolonga-la, ele acredita logo de cara, mesmo sendo inteligente, mesmo conhecendo o mal da humanidade.

O jeito como o longa constrói esse pequeno arco dele é excelente, lentamente trazendo esperança pro vilão e fazendo ele se submeter ao sonho. Pouco a pouco ele vai apenas colocando soluções pra tudo que ele tem, e também pouco a pouco os detalhes surgem, trazendo para a gente a percepção de que havia coisa errada.

A revelação de que o Mestre das Armadilhas caiu em uma armadilha é no tempo certo, mas não é nenhuma surpresa, nem pra gente, muito menos pra ele. Basicamente ele cai no golpe da cura milagrosa, e depois vai tirar satisfação com os bandidos, começando a brincadeira que tanto ama.

Como espectadores, e talvez fãs dos demais filmes, sabemos que ele nunca foi curado. John morreu, isso é fato, e seu legado criou vilões controversos que não deram em nada. Mas, compramos a ideia de que ele estaria passando por uma fase de descoberta e evolução, mais uma em sua longa redenção.

É ai que os vilões são caçados por ele, postos em armadilhas improvisadas em tempo recorde, mas que não vão contra o aceitável. O filme não abandona nem viola suas próprias regras pra contar ou mostrar ao que veio.

A Engenhosa Carnificina

As armadilhas são inspiradas, dão a chance de escapatória e seguem os modelos clássicos de Jigsaw, mas também são "desengonçadas" e "feias", como se projetadas às pressas, pois são justamente isso.

Apesar dos atores não parecerem tão jovens quanto deveriam (aliás Shawnee Smith volta ao papel de Amanda Young, e apesar de disfarçarem bem a idade, as marcas dos 50 estão ali) sabemos que nunca foram bons em esconder a idade dos atores ao longo da saga, e isso não interfere na história.

É um pouco difícil estabelecer onde ela se encaixa, mas quem liga? Jogos Mortais sempre foi visto mais pelas mortes do que pelo enredo, e em ambos os casos o longa consegue se vender bem.

Não há situações vexaminosas, nem armadilhas que violam as leis da física, e se o fazem, é de um jeito imperceptível e bem visceral. 

Mas há alucinações, e este é um ponto que me deixou um pouquinho descontente. Spoiler a seguir: A armadilha mais inspirada nem existe de fato, foi só um pensamento.

É que Jigsaw é visto planejando algum de seus jogos, e o jeito como ele pensa em monta-los, os significados de cada pequeno detalhe, tudo isso ganha vida quando ele planeja a "Arrancadora de Olhos", armadilha vista no trailer.

Só que ela não chega a existir, pois não é necessário. O bom disso é que além dela mostrar violência pra quem procura isso, ela também revela o jeito como a mente do engenheiro funciona. Tudo, até os tubos transparentes da armadilha, são escolhas propositais, geradas no instante em que ele planeja a armadilha.

Um pouco poético talvez, ele observando sua potencial vítima cometendo seu crime, e fazendo questão de colocar os tubos nos olhos em um material semitransparente, assim como as cortinas pelas quais ele enxergava. Isso e outros detalhes são legais, e evocam nossa curiosidade interpretativa: Seriam todas suas armadilhas já feitas uma releitura minuciosa do pecado daqueles que ele está condenando? Sabemos que sim, mas quanto?

Meteram Criança no Meio

Até que, o grande desfecho surge, com uma "Consequência Lamentavelmente Imprevista" onde uma criança é posta em um jogo.

Criança é complicado, mas quando ela surge, é pra nos fazer torcer pelo vilão, e o bizarro disso é que a gente torce. Mas é errado isso, não é?

O filme se conclui de um jeito cru, deixando o mal vivo, e o bem confuso. Sei que Jogos Mortais nunca foi sobre "bem e mal" ou "justo e injusto" mas, ver vilões se dando bem depois de nos fazer torcer por eles, isso numa história complexa cheia de gente morrendo e implorando pela vida, por piores que foram seus erros, é esquisito.

Os vilões de Jigsaw são pessoas que se aproveitam de gente à beira da morte pra enriquecer com suas esperanças, e isso é um choque de realidade pois existem muitas pessoas assim. Golpistas são comuns, e o plano de "tirar tudo de quem tá quase morto" nem parece tão cruel assim, não se comparado a um cara pegando jovens e os fazendo se esquartejarem, arrancarem membros, traumatizarem, só pra "valorizarem mais a vida". 

Tá tudo errado aqui! Mas o filme é bem legal...

É contraditório, mas entrega horror e tem um bom enredo. Pro retorno da franquia, até que não fez feio, e eu gostaria de ver mais aventuras do super Jigsaw, massacrando pessoas más que ousaram cruzar seu caminho... 

E eu sei, não é a primeira vez que o cara usa suas armadilhas em pessoas más. Na verdade ele sempre usa elas em pessoas com a índole duvidosa e no propósito de fazê-los rever suas razões. Talvez o que o filme quis mostrar é que sua caçada por pessoas malvadas nasceu desse momento, o momento em que ele se viu obrigado a se vingar.

Mas ao mesmo tempo, é tão esquisito torcer pela pessoa que colocou outras pessoas em máquinas de morte. É se sentir cúmplice, é se sentir manchado pelos pensamentos dele... e ainda por cima ver ele compartilhando seus sonhos e anseios com um inocente... perturbador.

Mas promissor! Que venham mais filmes assim!

É isso.

See yah!