Apesar de ser uma boa adaptação do anime que está sendo lançado ainda, que por sua vez é uma boa adaptação do mangá, este filme acaba errando em um ponto que não deveria errar: Identidade.
Não que o trabalho não tenha ficado bom, como filme é até que bem decente, mas como adaptação ele deixa a desejar, em alguns pontos cruciais.
Falarei mais a respeito a seguir.
1 - Vai ter Spoiler?
Difícil falar se haverão ou não spoilers, pois é um campo complicado de se explorar aqui. Eu não sou consumidor do Mangá e mesmo assim me arrisquei ao ver o filme, pois ele adapta a obra ao mesmo tempo em que o Anime está adaptando.
O curioso é que, é a primeira vez que vejo isso acontecer. Geralmente as adaptações nascem uma de cada vez, o mangá ou light novel vindo primeiro, depois o filme ou série, depois o jogo ou anime, mas nunca todos ao mesmo tempo.
Nesse caso o que ocorreu foi o seguinte: A Netflix já está adaptando o mangá no formato Anime, e se encontra atualmente no episódio 4 (inclusive falei recentemente dele em outro post), mas simultaneamente já haviam anunciado a adaptação em live-action, na forma de um filme.
Ao invés de lançarem o filme após a conclusão dos episódios em anime, optaram por lançar ele justamente agora.
A parte confusa disso é que, o anime e o filme são ambos obras Netflix (o anime também passa na Crunshyroll, Hulu e outros streamings), e por exemplo, não há como assistir os episódios sem ser na plataforma (na data em que lançam). Normalmente, adaptações saem no exterior primeiro, e só depois de um tempo chegam por aqui, dubladas ou legendadas, mas dessa vez não, dessa vez foi tudo literalmente ao mesmo tempo.
Pra quem conhece o mangá, tanto faz. Mas pra quem vem acompanhando o anime, é esquisito um filme com cenas posteriores ou desconhecidas, revelando até mistérios que o Anime vem construindo. Chega a ser um tiro no pé da própria plataforma, pois desvia de mais o foco das adaptações.
2 - Falando sobre o Filme
Bem, ele conta exatamente a mesma história do anime, mas com vários ajustes e mesclas de eventos, que os desenvolvedores julgaram semelhantes: Um cara em depressão, cansado da vida rotineira do trabalho explorador, fica aliviado por se ver livre de tudo quando o mundo cai numa Pandemia Zumbi, e ele pode finalmente viver, seguindo seus sonhos que passa a listar.
Pra quem nem conhece o anime, o filme acaba soando uma cópia asiática do "Zumbilândia", um filme de humor com traços de terror, onde um jovem com uma lista, se une a outros para sobreviver numa viagem pelo apocalipse zumbi.
Em Zumbilândia, a ideia é que a lista são regras para sobreviver aos zumbis, mas aqui seria uma lista de desejos a se realizar antes de morrer.
Essa comparação inclusive já me passou pela cabeça na versão em anime, mas havia um porém que sempre me fez ignora-la: O Tema.
No filme, o tema é apenas um jovem protagonista chamado Akira, que tem todos os benefícios do roteiro para ser o protagonista, com mais tempo de tela, com desvios de trama para favorece-lo, e com alterações na personalidade para tornar seu ar presunçoso e poderoso mais convincente.
O foco é mostrar como ele é incrível, e como ele é capaz de tudo, quase ignorando a mensagem sempre muito presente nas obras originais, de que o mundo capitalista e trabalhista é um saco.
Apesar desse longo desvio, o início e fim do filme acaba retornando ao tema de origem, com "trabalho" voltando a tona, e tudo nos direcionando pra mesma interpretação original. O ruim é que ele não sabe dosar as informações, e como tudo vem de supetão, aglomerado e misturado, perde bastante o significado e impacto, parecendo até algo "genérico".
Vendo o filme como um humor com terror, ele funciona as vezes, e as vezes causa uma tremenda estranheza pois os personagens não condizem com suas próprias personalidades.
A todo tempo, alguém que soa incrível aparece pra logo em seguida ser ofuscado pelo brilho do protagonista, e todos vão sendo reduzidos a meros coadjuvantes de sua história, o que torna suas participações enfraquecidas, e pouco significativas.
Mal da pra entender a dependência de Akira com seu melhor amigo (que mais o atrasa do que tudo) ou com a garota sobrevivente (que também é quase um peso morto pra equipe). Sua necessidade em formar um grupo também é pouco explicada ou explorada, além de seu desejo (que no anime é um segredo ainda) ser ridículo e pouco significativo, no próprio filme.
A Lista das 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi se torna só uma listinha de tarefas que ele bota ao acaso, que nem mesmo tem a abordagem certa.
Na obra original (e no anime), tem até uma Lista de Como Não Virar um Zumbi, feita pela Garota Sobrevivente, mas isso foi ignorado por completo (mesmo sendo algo importante justamente por destacar a contradição à lista do protagonista). Mas aqui a lista é posta como um artifício secundário, só pra justificar seu título.
As regras desse mundo são ridiculamente roteirizadas, com os zumbis enxergando apenas quando é pra enxergarem, sem qualquer explicação de se são Zumbis Lentos ou Rápidos (algo que é bem abordado na obra principal), e tornando eles apenas criaturas que seguem qualquer barulho, desde que não seja do protagonista.
O cara solta fogos de artifício e nada ocorre, grita e nada ocorre, faz todo tipo de barulho e nada ocorre.
Mas quando é conveniente simular uma ameaça para tentar causar tensão, o filme faz os zumbis ficarem cegos e até mesmo IGNORAREM PESSOAS VIVAS pra atacar rádios.
Tudo é apressado, jogado rápido e fácil de mais no nosso colo, e perde o peso que teria se tivesse sido adequadamente abordado.
Digo isso pois, no anime, que também adapta os mesmos eventos do mangá, tudo tem muito mais significado, é mais divertido, e bem mais impressionante que o filme.
3 - Falando sobre o Anime
À primeira vista percebemos que a ênfase do filme não é exatamente o mangá, mas sim o anime, com referências visuais óbvias e até o esquema de cores adaptado. Como sabemos, mangás não costumam ter coloração, já o anime é muito colorido e inclusive, coloca tons vivos nos zumbis, com várias cores diferentes no sangue, bem destacados.
Só que isso tudo é feito com o propósito de construir a narrativa sobre nossa perspectiva sobre a vida. Inclusive, "Zom 100" (nome original do mangá/anime/filme) é muito mais uma arte sobre como a vida já é um mundo repleto de zumbis, do que sobre a vida em um mundo repleto de zumbis.
A troca de cores na versão animada é bem escolhida pra explorar esse significado, pois tudo começa a ter cores depois que o apocalipse começa. Antes, é tudo monocromático, com tons pasteis e pouca vida. Já com os zumbis tudo fica muito mais "alegre" e "vivo", mesmo na lógica devendo ser o oposto.
O mangá faz isso também, mas em suas capas! Dando a dica de como tudo deveria ser explorado em uma possível interpretação audiovisual.
O filme erra quando ao tentar emular a arte colorida, deixa apenas o sangue seco misturado com gosmas e tripas mais escurecidas, em cores diferentes sim, mas mais realistas e escuras ao ponto de quase serem imperceptíveis.
O anime destaca e causa estranheza com isso, mas ainda mantém a arte assim, pois ela colabora com o tema original, e este é o seu atrativo, sua identidade.
4 - Falando sobre a Identidade
O problema com o filme não é exatamente sua narrativa, pois ela é sólida e mesmo misturando eventos, acaba sendo bem executada. É estranho ver as mudanças drásticas de personalidades da galera? Sim! Mas a gente releva pois é só um filme. O chato são só as trocas súbitas e injustificadas dessas personalidades.
Exemplo, as Aeromoças, que do nada passam de pessoas que sobreviveram e buscam por ajuda, pra verdadeiras garotas promiscuas que se jogam no colo do primeiro que vem, após beberem um pouco.
Ou então a Garota Sobrevivente, que de uma guerreira solitária que busca sabiamente a melhor forma de sobreviver nesse novo mundo, se torna alguém submissa e dependente, que além de ser viciada em saquê, esquece como se luta em menos de 30 minutos.
Ou o Melhor Amigo, que não sabe o que é. Ele é um covarde, totalmente dependente e fraco, que se torna galanteador quando o roteiro pede, pra logo em seguida voltar a ser covarde e fraco.
O único que sempre é o maioral é o Akira, que é jogador de Futebol Americano, é Lutador, é Corajoso, é Imponente, é Sortudo, é Sábio, é Líder, é Persistente, é Explorador, é Audacioso, é Talentoso...
Mas também vira um bobo prepotente e inconsequente quando o roteiro pede, apenas pra fazer graça sendo que, não combina com tudo o que pintam dele.
O esquema da lista, até é bem construído, e a gente consegue compreender o significado dela. Mas é esquisito como no terceiro ato o personagem apenas apaga, se esquece de toda sua evolução e do despertar que teve, inclusive de sua lista, sem uma abordagem decente disso.
Dá pra entender que o choque de realidade que ele tem ao voltar pra sua rotina, é tão terrível que faz sua esperança apagar. Mas a gente compreende isso não pelo que o filme mostra (pois mostra de um jeito apressado de mais), e sim pela nossa percepção da ideia.
O cara se viu livre da vida trabalhista e da exploração profissional, e no fim ele é forçado a voltar pra isso como se nada nunca tivesse mudado... é algo terrível.
Como eu venho acompanhando o anime, eu senti o impacto desse retorno (exatamente como provavelmente sentirei no anime quando isso ocorrer), e lamentei muito por ter tomado tamanho spoiler.
Mas, creio que lá tudo será muito melhor feito, sem pressa e de um jeito que choque, assim como tudo vem sendo realizado até então.
5 - O Problema de Adaptações Simultâneas
E aqui chegamos no X da questão: Pra quê adaptar a mesma obra, em dois formatos ao mesmo tempo?
Como o anime (que é muito bom, mas bem diferente) ainda está em lançamento, o filme acaba trazendo spoilers do que virá pela frente. Certas revelações foram desastrosas pra construção magnífica do anime em respeito à obra original, que inclusive segue ela de um jeito bem fidedigno.
Acho que foi uma decisão infeliz, pois além de acabar com o fator surpresa, ele ainda força a comparação, tornando praticamente impossível assistir ao filme sem julga-lo.
6 - Falando sobre o Mangá
E sim, eu me atrevi a ler o mangá agora, mas não por inteiro (pois apesar de conhecer já o desfecho, ou ter uma ideia de como será graças ao filme, ainda quero me surpreender com a animação), e cheguei à conclusão que ele sim está sabendo adaptar tudo de forma bem fiel.
Ele reduz bastante o "echi" (no mangá a nudez é bem mais constante, assim como ocorre no filme), mas a história é exatamente a mesma, contada da mesma forma.
Alguns capítulos foram antecipados, reduzidos apenas aos momentos de maior importância, ou mesclados parcialmente. Mas nada prejudica a narrativa em comparação ao seu significado, relevância e importância, pois tudo gira em torno da descoberta do protagonista em como é bom viver.
Além disso, tudo que há no mangá, tem no anime. Mas nem tudo tem no filme, inclusive houveram misturas ilógicas de eventos e personalidades, com personagens sumindo da obra, e alguns tendo suas falas transferidas pra outros, só para servir às duas horas de adaptação, e tentar resumir tudo o que a obra original quer contar.
Mas ao fazer isso, ocorre o grande sacrifício de seu significado. Perde-se muito ao ignorar o tempo certo de algumas revelações, ou não saber transferir as mesmas pra telona.
7 - Dando meu Veredito
E bem, por mim, o filme é uma obra genérica que mistura "Zumbilândia", "#Alive", "Guerra Mundial Z" e "Resident Evil". Um cara salvo pelo poder do roteiro, ganhando super força e super sabedoria, pra salvar todos ao seu redor, enquanto faz graça com a morte alheia.
Enquanto originalmente era a história de um jovem descobrindo o valor da vida, aqui é um jovem incrível relembrando como é incrível e como pode fazer tudo o que quiser, sem ligar pras consequências.
Apesar de ser muito bem feito, com efeitos especiais legais, os zumbis bem maquiados e atuando decentemente (os estalos que fazem quebrando os ossos, e o jeito que se movem desengonçados, merecem um Oscar!) ele soa falso até de mais, e não consegue ser minimamente dramático quando precisa.
Não sabe como adaptar a ideia da obra original, nem transmite sua essência. Só soa um shonen comum, com uma interpretação rasa e pouco respeitosa.
Dava pra ser bem melhor, e eu não senti nada do que sinto assistindo o anime, nem mesmo me identifiquei com a obra (o que pra mim, é triste de mais, uma vez que o ápice dela era essa capacidade de nos fazer rever nossa própria existência).
É um filme qualquer, que não faz perder tempo, mas também não o torna bem aproveitado.
Consegue até mesmo ser esquecível.
E bem, voltarei pro anime, pois este sim acredito que será bem lembrado.
É isso.
See yah.
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