CríticaMorte: Nimona - O filme rejeitado pela Disney que é melhor que tudo que a Disney já fez

Estou surpreso pois não imaginava que riria e choraria tanto com um simples desenho em 3D... mas é isso que resulta de uma boa história, bons personagens, e uma boa mensagem.


Nimona é um filme excelente, que faz rir pra caramba de tão divertido, e faz cair em lágrimas de tão profundo, seguindo uma ideia própria, original, e um pouco controversa, que nem mesmo evitou se expor em trailers. Eu que sempre digo que trailers que revelam muito estragam o filme, nunca estive tão errado aqui, que mesmo assistindo ao trailer e achando que tinha visto tudo, até mesmo antecipando o longa como "genérico", apenas me impressionei. 

Falarei tudo a respeito a seguir, e boa leitura, apesar de que recomendo que assista!

Rejeitado pelo camundongo...


Nimona é um longa metragem animado da Netflix, que não era pra ser da Netflix. Na verdade era uma obra de um estúdio chamado Blue Sky (o mesmo de A Era do Gelo), que foi comprado pela Disney (junto da Fox), e mesmo estando praticamente pronto, o filme foi rejeitado pela casa do camundongo, por ser "gay de mais". Daí a tia Netflix, que adora abraçar a causa, financiou o desenvolvimento com a Annapurna Pictures, lançando-o agora na plataforma.


E confesso, de fato o filme é muito gay, e sabe o que é mais interessante nisso? A rejeição dele pela instituição de maior poder nas animações atualmente, é parte da mensagem que o próprio filme quer passar.


Cara, ele é espetacular em tudo quanto é quesito. Eu não ria tanto a muito tempo, e olha que ri de coisas infantis pra caramba... mas não dá pra não rir! O filme é divertidíssimo, e compensa de mais vê-lo ao lado dos filhos, amigos, e família... mesmo que ele tenha elementos "gays"... aliás, qual o problema? Quando digo isso, o que vem à mente?

Um filme gay seria sobre pessoas do mesmo sexo namorando? Seria algo afeminado de mais? Seria algo que balança as cores da famosa bandeira e usa uma linguagem neutra pra nos lembrar que eles existem? Então, se for isso, disso o filme nada tem, pois ele é muito mais profundo nesse assunto do que essas coisas superficiais.

Gay de mais?


É que assim, o trailer nem esconde, o protagonista tem um relacionamento amoroso com o vilão, e ambos são dos mesmo sexo. Isso é questionado? Não, e também não é disfarçado nem reforçado, só tá ali, são coisas normais e postas como normais, mas mesmo assim, não são nem de longe o foco da trama.

A trama foca sim na questão LGBT+Alfabeto (com todo respeito, mas a sigla só aumenta!), mas não de um jeito militante ou forçado, e sim de uma forma responsável, comunicativa, e muito emocional. Afinal, a questão dos gêneros é bem emocional... é algo humano, único, individual, e é interessante ser observado e tratado desse jeito.


O longa é muito responsável com sua forma de lidar com o assunto, usando principalmente Nimona, que por si só é a representação do transgênero, de forma literal e figurativa: Ela é uma criatura, capaz de se transformar em qualquer coisa que queira e quando queira.

Mas ela não faz isso por capricho, nem por ser algo descontrolado. Ela se transforma por necessidade, por ser algo que está na natureza dela, desde quando ela passou a existir e pronto.


O filme sabe que queremos saber mais sobre quem essa "Mutano" fundida com "Neeko" é... mas ele também sabe usar essa informação pra nos segurar, até conseguir enfiar a espada no nosso peito, com uma baita de uma verdade.

A moral de Nimona...


Estamos cercados por um muro, que limita nossa visão ao comum, mas esse "comum" foi fabricado a milênios, é algo que aprendemos a aceitar, e nos força a rejeitar o que soa diferente, quando no fim das contas, tudo faz parte de uma mesma realidade.


Será mesmo que é tão custoso apenas ampliar a mente e aprender a aceitar? O que é diferente, não deve necessariamente ser assustador, afinal de contas, o que que isso realmente ameaça? Nossa percepção constitucional antiquada? Nossa noção de natural embasado no tradicional? Será que é tão difícil apenas aprender e evoluir, assim como sempre fizemos ao longo da nossa história? Ou será que é melhor apenas manter as histórias sobre princesas em castelos, cantando em musicais?


Caramba, que filme profundo! Ele me fez pensar, refletir, indagar, questionar, e ainda assim eu não consigo esquecer o que senti. Ele funciona em camadas, e olhando de forma crítica, já consigo tirar bastante dele... mas ele não é só isso.

Ele realmente é muito divertido! Com piadas bobas, coisas idiotas, cenas muito simples, mas que arrancam gargalhadas (tímidas talvez, mas arrancam). Bato nessa tecla repetidamente pois uma das coisas que normalmente me afastam de animações, principalmente as declaradamente infantis, são piadas bobas.


Tem coisa que é legal pra criança, mas pra adultos só causam vergonha, enquanto tem coisas que são divertidas pra adultos, mas pra crianças são confusas. Daí pega Nimona, e faz adultos e crianças rirem feito bocós, de coisas bastante ridículas, mas que não deixam de fazer sua função.


E no quesito chorar, sim, ele impacta emocionalmente e arranca lágrimas, não importa o quão machão você possa se considerar. Basta apenas se deixar aproximar do carisma de Nimona, que tu já caiu numa armadilha bem cruel.

Quem são os personagens?


E o pior disso, é que não da pra evitar gostar dessa personagem. Nimona é Nimona, alguém tão inocente, e ao mesmo tempo perturbadoramente maléfico, que puxa nossa atenção a cada segundo de tela!

O aliado dela, o vilão ou herói (tudo depende de perspectiva) é também bem interessante, mas ele é basicamente nossa representação na história... apesar da história girar em torno dele.


Inclusive isso é algo que me fez ficar muito curioso... Nimona não é a protagonista, ou pelo menos não seria, até que chegamos ao fim do longa, e percebemos que a participação dela é indiscutivelmente importante. Toda a história é sobre ela, mesmo que não seja sobre ela!

A construção da personagem como coadjuvante acaba sendo parte dessa armadilha emocional, e aos poucos ela revela mais sobre sua natureza, até que chegue num ponto onde não há pra onde fugirmos, é chorar e pronto, seja de alegria, seja de tristeza, as lágrimas vão aparecer.


E ainda assim, nada soa forçado. Tá, talvez eu esteja passando o pano pra algumas falhas do filme, que existem, é claro que existem... mas a existência delas é justificável.

O que tem de ruim?


Censurado, o longa acaba perdendo um pouco do seu impacto amenizando elementos, principalmente a violência. Ela está presente, inclusive há cenas de mortes, mas nós não vemos isso, pois além de ser algo que possa comprometer nossa imersão na narrativa, ainda é algo que chocaria de mais, então dá pra entender.

Um exemplo disso é quando alguns soldados caem de uma torre e o melado escorre. Ao invés de colorirem com vermelho rubro, apenas deixaram uma poça de gosma transparente, que desaparece na cena seguinte (na real, é água, afinal uma baleia cospe geral pra cima antes de caírem no chão, mas de fato a poça some logo em seguida... e sangue faria mais sentido).


Há também uma quantidade absurda de caos em tela, sem qualquer consequência letal, quando na lógica seria impossível alguém sair de tanta bagunça, com apenas um gesso no braço.


Mas o filme ri disso, brinca com essas situações, e nos faz rir juntos, até que ele vê necessidade de leva-las a sério, e quando o faz, nos faz ir junto nessa reação também. 


O trabalho de arte as vezes passa uma impressão de não acabado, mas é conciliado com a simplicidade visual geral, e não deixa de ser caprichado pra caramba. É um CGI em 3D e Cell Shading, muito bem animado e frenético, mesmo sem ser tão detalhado.

A transformação...

Tudo lembra muito o trabalho feito em Arcane, a série de League of Legends, tanto no visual, quanto na forma em que a história é contada.


Inclusive já adiantei uma referência um pouco antes, onde citei "Neeko". É que assim, Neeko é uma personagem de League of Legends que não tem exatamente um gênero definido (apesar de ser feminina), e tem o poder de se transformar em qualquer criatura ou pessoa. Nimona é exatamente assim, inclusive com uma personalidade equivalente.


Seu poder de se transformar em animais lembra também, em muito, o Mutano (Beast Boy) da DC-Comics, tanto que até mesmo a cor rosa que cobre as criaturas transformadas é uma característica que lembra o verde sobressalente do meta-humano dos Jovens Titãs... porém ela é melhor.


Além de ser limitada apenas ao que já conhece, Nimona é mais do que uma pessoa que vira o que quiser... ela é alguém buscando sua real identidade a muito tempo, e essa é a grande moral do filme.


Qual a história do filme?

É complicado falar da história sem dar spoilers, já que cada pequeno elemento dela é crucial pra sua narrativa geral. Mas basicamente, o protagonista é um soldado plebeu, em um mundo onde plebeus não podem ser soldados.


Daí ele acaba sendo vilanizado, e se alia com uma criatura chamada Nimona, que existe num mundo onde criaturas são temidas e rejeitadas, até mesmo executadas só por existirem.


E nessa premissa repleta de metáforas, vemos os dois tentando achar seu lugar no mundo.


Eu sei, pareceu simples de mais, mas é tudo muito maior que isso. Aos poucos a dupla é desenvolvida, suas histórias se misturam, e eles descobrem mais e mais um sobre o outro, chegando ao clímax onde apenas um pode lidar com as maiores tragédias da vida do outro.

Ajudando um ao outro, eles ajudam o mundo que os cercam a enxerga-los, e isso muda tudo...


O bacana, é que nessa ideia simples, eles criam o melhor, e trabalhando só no básico e mais previsível enredo de tramoias governamentais, o filme consegue passar sua mensagem com precisão.

Não é um filme bobo, mas ele usa elementos bobos, e isso é sem igual.


Recomendo que assista, e no mínimo se divertirá.

E aliás, de genérico ele não tem nada.


É isso...

See yah.

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