CríticaMorte: The House


Boa leitura.

Quando inventei de assistir isso, foi levado pela sinopse na Netflix que alegava ser uma "antologia de humor ácido, que se passa na mesma casa, em épocas diferentes". O fato de ser em Stop Motion só me fez ficar ainda mais curioso, afinal, não é sempre que um filme assim é feito (exige um esforço enorme dos desenvolvedores).


Mas ao assistir, já me deparo com um terror sociológico e psicológico, perturbador pra caramba e sem qualquer humor. Ainda por cima, o Stop Motion enriquece o macabro e só torna tudo um pouco mais apavorante.

Mas, tudo funciona em seu contexto, que em nada tem a ver com o dito na sinopse.

Não sei de onde tiraram que as 3 histórias se passam "na mesma casa". Não só são em universos e mundos completamente diferentes, como ainda por cima a forma da casa diverge muito internamente (de fato as 3 casas são bem parecidas externamente), sendo esta mudança o real foco das histórias.


Na verdade, a obra em si não apresenta a casa como a mesma ou com referências entre suas versões, porém ela aborda o mesmo tema, contado de formas diferentes, em cada uma das visualizações "Da Casa". Em todas, ela está sendo reformada, e esse é o ponto em comum, apenas este... e claro o fato dela ser um tipo de lar.

Talvez o equívoco esteja nessa parte inclusive. Pré-visualizar o tema em comum já nos faz imaginar que seja o mesmo ambiente. Contudo, o enredo passa longe de sugerir qualquer ligação, salvo um pequeno detalhe ou outro em sutis momentos, nada conecta as três histórias, além de se focarem na casa na qual ocorrem, e claro... ser tudo em Stop Motion.


Dito isto... eu fiquei tão assustado que tive de parar de assistir algumas vezes.

Pois é, acabei consumindo a obra episodicamente, pois precisei digerir o que vi em cada uma das histórias. Talvez a única que não me causou desconforto foi a última, por ter um final mais brando, mas as demais... elas são realmente cruéis.

A arte é excelente (mesmo me dando medo, eu tenho muito pavor de Stop Motion) e feita com o que parecem bonecos de lã. Os pelinhos rebeldes da lã acabam dando um efeito mais detalhado no design dos personagens, o que deixa tudo bem mais bonito. Além disso há todo um trabalho cauteloso pra deixar tudo bem movimentado e fluído. 


Achei curioso o fato dos personagens (na primeira história são humanos, na segunda ratos, e na terceira gatos) não terem rostos tão expressivos (as feições não tem tantos detalhes) mas ainda assim conseguem expressar bastante emoções. Foi algo bem pensado, contraditório, mas bem executado.

A trilha sonora contribui pra esses momentos, sendo serena quando é pra transmitir calma ou conforto, e sendo desnorteante e agressiva quando é pra transmitir emergência ou ansiedade.


Combinam muito com o tipo de conto que fizeram, e aliás, a trama é bem conduzida, e facilmente compreendida, salvo alguns momentos onde viajam bastante na alegoria e surrealismo... mas que serve pra comunicar justamente algo mais psicológico do que físico.

As histórias, bem, são as seguintes:

Primeira Casa: Humanos


Uma família composta por uma mãe, um pai e duas irmãs, uma delas sendo recém nascida, vive humildemente numa casa pequena, e tá tudo tranquilo.


No entanto, após a visita de familiares que debocham de suas posses, incluindo móveis herdados, e a propriedade pequena, o pai da família recebe a proposta de um estranho na floresta, quem lhe oferece uma mansão, de graça.


A mansão é promovida como uma "Obra de Arte em Desenvolvimento". Tudo que o homem deveria fazer seria se mudar pra ela, com toda sua família, e viver lá. Detalhe: Comida, roupas, e mobília estavam inclusas na oferta.


O homem aceita, mesmo sem precisar de tudo isso, e se muda sem pensar duas vezes. Porém, ao chegar na mansão, as coisas ficam confusas.


A Casa vivia em construção constante. Trabalhadores estranhos perambulavam de um lado ao outro, e apesar disso assustar as crianças, os pais foram seduzidos pelos mimos e apenas, aceitaram a condição.


Com o passar do tempo, as crianças são afastadas mais e mais de seus pais, se perdendo no que se tornara um verdadeiro labirinto pelas construções, e no fim, seus pais negligenciam completamente as crianças, eliminando qualquer vestígio de sua antiga vida, em prol da nova.


Aí vem um desfecho parcialmente surreal. A mãe, viciada em costura, e o pai, obcecado por uma lareira, acabam se transformando respectivamente em uma Cortina, e uma Poltrona. Ambos foram gradualmente manipulados para tal transformação, com as vestes doadas do proprietário e a alimentação (ao que parece). 


Então, em um incêndio provocado pelo que restou do pai, causado inclusive com seus móveis antigos, e restos de sua velha casa... eis que as crianças precisam escapar, sozinhas, pro mundo, numa corda improvisada pelo que restou da mãe.


E assim, duas crianças agora órfãs, precisam sobreviver num mundo hostil, sem casa, sem nada. Tudo pela "ambição" dos pais.


Observação: O proprietário, tido como artista, observou tudo de perto, com auxílio de um porta voz contratado por ele que também se vê perturbado ao fim, incrédulo com o destino que ele orquestrou praquela família.


Segunda Casa: Ratos


Um rato que trabalha como corretor de imóveis, decide investir tudo que tem e todo seu esforço, em uma casa. Ele trabalha duro pra reforma-la e torna-la perfeita pra então, buscar vendê-la.


Boa parte do curta é sobre ele reformando, enquanto conversa com alguém no telefone, e sonha longe com o lucro que essa casa lhe trará. Inclusive, ele faz tudo com as próprias mãos pra evitar gastos extras e assim lucrar ainda mais.


Porém, em dado momento ele se depara com uma infestação de parasitas, que comem tecido (como tudo é feito de tecido já viu né), e eles se instalam na casa, enquanto ele reforma. Sem que ele note, a infestação toma todos os cantos, mas ele disfarça bem.


Mesmo tentando se livrar, nada dá certo e no fim ele apenas aceita, e esconde, pra que consiga vender a casa e passar o problema pra outro. Mas, na festa de inauguração da venda, um novo problema surge.


As muitas pessoas que participam da festa, fingem interesse, mas nem de longe pensam em comprar. Na verdade parece mais que só foram pela comida grátis, e pelo evento em si, e não para dar qualquer oferta.

No entanto, um casal suspeito mostra interesse de última hora, quando todos estão partindo. Eles dizem claramente que gostaram de lá, e querem comprar.


Eles vão além de aproveitar a festa grátis, e abusam ainda mais do rato corretor, permanecendo na casa como inquilinos não pagantes, enganando ele pra que os deixe ficar, até eles comprarem.


Quando ele percebe a patifaria, já é tarde de mais, e eles se instalaram na casa, e se recusam a sair. Pior é que, quando ele chama a polícia pra retira-los, a polícia chama a atenção é dele, por ficar perturbando o dentista ao telefone (as ligações que ele fazia eram pro dentista e, era um tipo de perseguição, que foi denunciada).


No fim, ele se machuca ao tentar expulsar os invasores, e vai parar no hospital, mas esses mesmos invasores vão até lá busca-lo... e o levam de volta pra casa, agora com muitos outros iguais a eles... todos sua nova família.


Aí eles devoram a casa inteira, pois eram ratos parasitas comedores de tecido... e ele... vira um parasita também.


Terceira Casa: Gatos


Uma gata faz reformas em seu hotel, visando atrair mais inquilinos. No entanto, seu hotel está em um local completamente inóspito e de difícil acesso, permanecendo no meio de uma inundação enorme que varreu toda a cidade.


Mesmo assim, ela insiste na reforma, seguindo seu sonho de construir seu hotel e ganhar a vida com isso.


Ela tem dois inquilinos, que residem lá mas não pagam, um gato que costuma enrolar ela com peixes, os quais ele mesmo pesca na inundação... 


E uma gata cigana que cuida de uma horta em seu apartamento, e costuma pagar com pedras sem valor.


Além de não receber, ela ainda tem seus materiais de reforma prejudicados pela umidade, e ainda deve lidar com as reclamações desses inquilinos, que pontuam falhas à consertar em todo o complexo.


Mesmo sendo bem recebida e tratada por eles, ela opta por ser ranzinza e resiste a qualquer amizade que possa surgir com eles, evitando contato, e se focando em seu objetivo.


Porém, com a chegada do namorado andarilho da gata cigana, eis que tudo muda.


Um gato aparece de barco, anunciado previamente pela residente. Quando chega, ele já não agrada a proprietária, fazendo "barulho" com sua música, mas que diverte os seus poucos inquilinos.

Então, mesmo se recusando a se hospedar no hotel, ele monta acampamento dentro da propriedade, e para pagar (já que a dona exige isso), ele oferece seus serviços braçais como carpinteiro.


Ela até se empolga, monta planos, mas no fim tudo sai da forma que ela não queria, pois ele usa partes da casa pra construir outro barco.


Este, seria pro Gato Pescador, que queria ir embora e esperava apenas uma oportunidade. Mesmo ele pedindo pra gata dona do hotel pensar a respeito, e ir com ele, ela se nega, diz que não precisa de ninguém e permanecerá lutando por seu sonho.

Sem nem se despedir ele vai embora, e logo em seguida ela recebe a notícia que sua outra inquilina também partirá logo. A questão é que apesar de dizer que não se importa, o medo de ficar sozinha a toma e ela começa a valorizar a companhia que tinha.


Mas é tarde, todos partem, e ela fica sozinha, com seu hotel afundando pouco a pouco na inundação.


Porém... diferente dos outros curtas, este acaba de uma forma menos cruel...


O gato viajante fez modificações na casa, e a transformou num barco para a proprietária. Tudo que ela precisava fazer era decidir partir, e empurrar uma alavanca. Fazendo isso, a casa se desloca e passa a flutuar, e ela a guia, de cima, como uma capitã.


Então ela ruma ao horizonte, ao lado dos outros gatos em seus respectivos barcos.


Fim.

Considerações finais

Pelo que entendi, o filme busca dar alguns puxões de orelha, com a questão do excesso de ambição, parasitagem social e desapego material junto com negação às mudanças.

Mas, eu não sou do tipo que entra nessas discussões, apenas... observo e fico quieto.

Fato é que, não da pra não ver isso, e sentir isso, e claro, se impactar com isso.

Mas no fim das contas, o que compensa é a obra como um todo que, tem uma boa história, bem contada, e igualmente inquietante.

E cara, é stop motion... dá mó medo... mesmo nem sendo esse o propósito.

Agora, olhando por outro ângulo...

Teria como incluir as 3 histórias num mesmo universo?!

Tipo, mesmo reforçando que fica evidente que são mundos diferentes pela raça dominante, e se... for uma história sobre evolução?

De fato, a primeira casa aparece num ambiente colonial e, ela tá repleta de natureza em volta. Não há outras casas, apenas ela, e ainda há muito pra desenvolver. Seria este o tempo em que os humanos dominaram e tomaram todos os recursos pouco à pouco.


Já na segunda casa, tudo já é em um período moderno onde uma cidade inteira foi construída, já sem quase nada de natural por perto. Nesse período os parasitas dominaram, não só os ratos, mas eles seriam os principais. Tomando conta do que os humanos criaram e aprimorando.


Já na terceira casa, houve a inundação e tudo foi arruinado, a natureza se voltou contra tudo isso e, restou só a casa num cenário pós apocalíptico, onde os Gatos, eternos predadores dos Ratos, tomaram conta do mundo. 


Faz sentido... humanos < ratos < gatos.

Moral da história: Cuide bem dos seus gatos, um dia eles podem cuidar bem de você.

Mas falando sério, isso tudo é uma mera coincidência de design proposital. Tanto que, na primeira história, existem 2 casas, e nem tô falando da antiga moradia dos humanos. A garotinha protagonista tinha uma Casa de bonecas que, ironicamente, tinha esse mesmo formato (com a cúpula no topo e tudo mais). Ou seja, é só uma liberdade poética.


É isso.

Obrigado pela leitura.

See yah!

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2 Comentários

  1. Caro Shady Morte.

    Adorei essa sua publicação, fazia tempo que um texto seu não me prendia assim, adorei o storytelling que vc utilizou pra contar as tres historias, e as imagens que vc usou são bem assustadoras involuntariamente.

    E gostaria de dizer tambem, que dessa vez por incrivel pareça, eu preferi sua "brisa" no final, do que ser mais pés no chão, olha só que ironico não é?

    E termino com um questionamento pra vc meu caro Shady, sera que VOCÊ cuida bem da sua gata?

    Abs,

    Bea Ospreay.

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    1. Srta Bia, bem vinda. Eu gosto muito quando comenta.

      Fico feliz por ter conseguido contar direito, sempre há aquela preocupação em exagerar ou faltar. Aliás, o mérito do terror das imagens é justamente do Stop Motion, isso apavora muito.

      Eu ainda pensei na possibilidade de nem colocar essa ultima parte mas, achei importante falar pois notei de ultima hora. De fato, logo você que geralmente não gosta muito quando eu saio da casinha. Que bom que deu tudo certo.

      Depende de qual gata você ta falando. Eu faço todo possível pra ser carinhoso e atencioso com minha a Agata, mas acabo sendo bruto com as demais...

      Obrigado pela leitura srta Bea.

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