USS Callister Infinity
Se a proposta da série era me deixar super confuso com o que penso, ela alcançou seu objetivo.
Não sei se sinto raiva ou se elogio o maior episódio da série, que aliás é praticamente um filme (de uma hora e meia de duração quase), pois ele consegue ser o melhor e o pior da série facilmente, dependendo apenas do ponto que quero criticar. Como falar de algo tão ambíguo e duplamente complexo?
Bem, vou dividir minha opinião em duas partes e, bora ver o que vai rolar.
Boa leitura
(dica, vire o celular pra ler)
A Tecnologia da Vez: O Mundo dos Jogos
Apesar de terem várias tecnologias em todo o episódio, como a máquina de clonar mentes, ou a imersão digital pelo "trequinho" redondo da têmpora, o foco dessa vez é o mundo do jogo no qual a "USS Callister" se passa.
Algo que ficou um pouco em aberto na primeira versão da história, pois lá o foco era só no servidor privado do vilão. Aqui, vemos o jogo real, onde os mesmos personagens de antes vão parar.
E, isso não é de todo bom ou ruim... e é aqui que eu divido minha opinião.
O Lado Ruim
Uss Callister foi um dos episódios de Black Mirror mais curiosos, que iniciou a 4° Temporada e além de explorar a sátira com Star Trek, fez um bom uso das tecnologias que a série havia apresentado até então, mostrando um sociopata que abusava das clonagens digitais e da realidade virtual, pra ter lazer ao custo das mentes alheias, em um simulador de sua série de ficção favorita.
O episódio em questão é muito bem amarrado e não deixa pontas soltas no fim, criticando a natureza humana e o valor da mente acima do corpo, e blá blá blá.
A questão é que ele tem sim espaço pra continuidade, assim com TODOS os demais episódios de Black Mirror.
Todos eles trazem um universo curioso a explorar e só não o fazem pois no formato adotado pela série, chamado "Antológico", não se faz continuações diretas. Pelo menos não é nada comum isso.
A graça de séries assim é a falta de compromisso em continuidade, o que permite que assistamos qualquer episódio, de qualquer temporada, sem precisar de uma carga anterior, sem ter de ver retrospectivas. Temos a liberdade de escolher por onde começar, ou melhor, tínhamos.
Depois do micro crossover que rolou no episódio "Brinquedo", era de se esperar que o precedente fosse a porta de entrada pras continuações, e porque não começar por uma das melhores histórias? A sátira a Star Trek, com tanto a se desenvolver e brincar, era a obra perfeita pra reutilizarem.
Assim, vem a continuação de USS Callister, com o "Infinity" servindo de subtítulo, apenas para também parodiar Star Trek (que fazia muito isso) mas deixar claro que não é apenas uma "Parte 2", afinal a história original era definitiva, mas para estabelecer uma continuação, uma expansão daquilo.
Trazendo os mesmos personagens, reajustando o contexto final para abrir espaço pra uma nova trama, e mudando conceitos aqui e ali, apenas deram vida ao primeiro episódio de continuação de toda a série, mesmo isso sendo uma afronta ao gênero Antológico.
O que impede agora que peguem o episódio do Porco e do Ministro e continuem com mais algum terrorista? O que impede que peguem o episódio do Lobisomem e continuem agora com Vampiros? Se tá liberado pegar histórias boas ou ruins antigas e retomar de onde tudo parou, o que que Black Mirror virou?
Falhas de Continuidade
na Continuação
Apesar da história original ser muito clara e firme no que mostra, para que houvesse uma continuação tiveram de criar muita coisa, e conectar ao material base.
Isso provavelmente seria um trabalho detalhista de encontrar furos no roteiro original e preenchê-lo com novos dados mas, ao invés disso, como o primeiro episódio da 4° temporada não tinha furos, optaram por enfiar explicações baratas.
Os personagens haviam escapado do terror e se libertado do sistema que os prendia no fim, mas para que a história continue eles precisam estar presos ainda, então transformam a liberdade em uma nova prisão mudando a palavra "Internet" por "Jogo", e de repente eles estão presos no jogo (do qual na lógica eles já haviam escapado antes).
A personagem de pele azul havia sido reestabelecida a sua cor original no fim anterior, mas ela tinha de continuar sendo azul por mera questão de estética, então explicaram vagamente como "cura temporária para eczema", que não podiam reverter por falta de créditos.
Coisas assim, pequenas mudanças aqui e ali, um personagem removido da história sob a desculpa que explodiu fora de cena, são aspectos de uma continuação não elaborada com base no original, mas com o intuito de expandir, apenas isso.
Não tinha mais o que contar, o episódio já estava completo, então qual o sentido de mexer nele? Tanto que decidem fazer flashbacks pra mostrar coisas anteriores a ele, e deturpam ainda mais a memória do mesmo apenas mudando conceitos.
O Enredo
não tão inovador
Agora sem focar na tecnologia de cópia mental necessariamente, mas nas emoções dos personagens gerados no computador, tentando sobreviver no mundo hostil do videogame, enquanto os jogadores estranham a liberdade dos personagens não nomeados do sistema.
Assim, tudo se desenrola com a tripulação restante do USS Callister fugindo do sistema, monitorado inclusive pela empresa, mas escapando dos técnicos como se um simples código de programação não pudesse ser facilmente localizado como anomalia. O erro está ali, descrito na cara de todos, e eles não acham?
Sabe o que parece? O filme "Free Guy", inclusive imitando alguns erros de lá, como esse da incompetência dos administradores em entender um erro tão gritante, só que agora com temática espacial.
E isso escancara certa falta de criatividade, tornando tudo apenas uma nova e repetição de algo que nem deveria existir pra começo de conversa.
Uma Tragédia nova para o Desfecho novo
Após criar problemas novos para que os protagonistas tivessem algo pra enfrentar, a história finaliza com uma resolução nova que evoca mais tragédia neste universo.
Se a liberdade falsa que tiveram antes já não servia, agora uma nova liberdade falsa servirá, é isso que os roteiristas devem ter pensado.
Sem nem tentarem mudar muito, o que criam não é uma solução efetiva e inclusive causa graves falhas no roteiro geral da série, e a principal ao meu ver é o poder desenfreado da tecnologia.
Uma Inteligência Artificial é capaz de projetar sua mente num corpo vivo apenas se conectando por uma câmera? Que raios de solução estranha é essa? Se fosse de fato possível trazer pessoas do coma com cópias de suas mentes computadorizadas, será que já não teriam feito isso inúmeras vezes antes?
Aliás, não é exatamente isso que mostraram no primeiro episódio desta mesma temporada? Cópia de partes da mente devolvidas via sistema, e todo o problema que isso gerava pela questão de suporte técnico contínuo? Se nada disso era necessário significa que o primeiro episódio é irrelevante?
Ou melhor, se este se passa anos a frente, e de alguma forma essa tecnologia já se converteu em algo prático e tão simples que independe de fontes capitalistas e suporte, qual a lógica de ninguém mais utilizá-la? Afinal no hospital mesmo isso nem foi cogitado!
É preciso que um nerd virtual com complexo de Matrix descubra tal solução e reverta até mesmo a morte, diretamente de um computador? Consegue ver o quanto isso parece irresponsável no quesito criativo? É quase como se a série estivesse abandonando todas suas regras só pra justificar histórias que considera boas.
É uma Paródia de
Star Trek
No fim das contas, USS Callister Infinity mais parece um episódio de Star Trek, do que de Black Mirror.
Não se vê aquela crítica social distinta, nem uma abordagem profunda das tecnologias que mostram, nem um respeito com aquele vasto universo que vem construindo.
Tudo que temos aqui é uma história com ação, dinâmica, repleta de efeitos especiais e piadas com a cultura pop, mas sem nada do que Black Mirror costumava trazer.
O que salva essa temporada pra mim, é o episódio 1, e o drama do episódio 5, e ainda assim chega este e escancara a porta pra que até as boas histórias possam ser reescritas no futuro, através das suas continuações.
Não adianta implorar, já tá tudo aberto, e guarde minhas palavras: Faltando criatividade pra trazer algo realmente novo, irão se aproveitar das 6 temporadas anteriores pra produzir continuações cada vez mais baratas.
É isso.
Espero que tenha gostado do artigo...
E, bora torcer pra que a série volte no futuro com histórias novas, e não só continuações mal feitas.
See yah.
O Lado Bom
Uss Callister (1° Episódio da 4° Temporada) tinha um ar bizarro de paródia de Star Trek, mas com uma pegada social. Um cara maluco que usava cópias digitais de seus colegas de trabalho pra brincar de Capitão Espacial em suas horas vagas, usando de crueldade para manter todos sob seu controle, era muito medonho.
Ainda por cima, tinha aquela parte em que percebíamos que a mente de todos os envolvidos era igual a de suas versões reais, então a crueldade humana do cara, mesmo que fosse contra cópias, era algo que deixava um gostinho amargo na boca.
Com o fim do episódio e a liberdade dos protagonistas que restam, além da punição do vilão, a satisfação é garantida mas, nem tudo é de fato explicado. Queremos ver o que vai acontecer a seguir, e assim como sempre ocorre, nos é deixado tudo para que imaginemos por conta própria.
Ao trazer "Infinity" a série tenta nos dar respostas mais completas, mostrando o que rolou a seguir e buscando expandir o universo que nasceu naquele episódio, e fazem isso muito bem mesmo tendo de corrigir e modificar alguns detalhes aqui e ali, sempre com uma dose de humor. O cômico, que confesso que é hilário, serve pra nos distrair e impedir que questionemos de mais.
Então, com uma liberdade ainda maior pra se desprender as próprias regras impostas nos padrões da série na época, agora eles apenas investem em mais humor, mais acidez também, menos crueldade visual (há pouco sangue e o que tem é censurado), e dão mais ênfase na questão da paródia.
E ao meu ver funcionou bem, pois conseguem passar uma sensação de ficção espacial, lembrando tanto aqueles episódios de Star Trek, mas brincando com a ideia, sempre retomando ao lado social com indiretas e comparativos constantes ao real.
Se estivéssemos num jogo onde os personagens coadjuvantes parecem vivos, qual seria nossa reação? Espanto, entusiasmo, curiosidade? É legal isso. Sem contar que ver a tripulação do USS Callister tendo de sobreviver na hostilidade do mundo virtual, agora já aceitando melhor a natureza digital deles mas ainda batalhando contra a parte humana que lhes resta.
Mesmo digitais, eles sangram ali, e a vida deles pode ser encerrada a qualquer momento, diferente do que acontece com os jogadores, que caso mortos podem voltar em seus avatares quase que instantaneamente. Mostrar como o peso difere pra cada um dos dois, enquanto também explora a vastidão do universo ao bom e velho estilo Jornada nas Estrelas é muito legal, e está bem feito.
Isso une as duas ideias, da tecnologia (que aliás nem preciso citar já que é quase a mesma do episódio que precede ele cronologicamente) com a da aventura espacial, que na verdade é digital. A ameaça do desconhecido é real de mais pros personagens que estão em um jogo de realidade virtual, é genial.
Uma Continuação Complementar
Apesar de algumas mudanças claras, é muito bom ver o jeito como expandiram tudo, adicionando mais camadas ao que já foi mostrado.
A Infinity é a empresa que desenvolve o jogo espacial e vemos como ela vem lucrando com isso, cobrando mais caro dos jogadores, vendendo recursos e atualizações, coisas que o mercado ama fazer, é algo que já esperávamos ver, mas tudo vai além disso.
Sabe a tecnologia de clonagem virtual? Ela foi mostrada no primeiro episódio de USS Callister de qualquer jeito, pois só era um meio pra introduzir a ideia do sociopata e seus métodos macabros, só que aqui isso tem consequência e motivos igualmente explorados.
Vemos de onde a tecnologia veio, e aquela dedução básica que éramos levados a fazer, de que era similar à tecnologia da "cozinheira digital" ou várias outras mostradas até então que faziam algo parecido, já não é tão necessária. Afinal, nos é ensinado que essa versão que o usuário tem é ilegal (o que faz muito sentido), e era usada antigamente na indústria do entretenimento adulto.
Tudo isso funciona bem tanto pra trazer lógica, quanto pra preencher lacunas antes não tão abordadas, e ainda por cima é somado ao enredo atual que torna tudo ainda mais fluído.
Um Enredo
criativo
Isso abre espaço pra mais, o mais que querem tanto nos mostrar e contar. Um mundo onde há consequências, e não apenas um terror rápido e psicológico para nos fazer refletir por um tempo, e depois esquecer.
O vilão da história morreu? E como isso vai afetar o mundo? Pois é, se antes havia dúvida não há mais, e sabiamente a série mostra como tudo se desenrolou, alguns meses depois.
Um jornalista investiga o caso, unindo fatos recentes com os antigos e deduzindo um furo que provavelmente lhe renderia um pullitzer, e a empresa tenta se safar escondendo o envolvimento, mas ela própria guarda seus mistérios e culpa direta em tudo que aconteceu.
Sem fazer exatamente um "retcom", mas mostrando um passado não antes abordado, a série consegue contribuir pra história original trazendo detalhes que não dávamos muita importância, e vai alinhando tudo para que tudo faça de fato muito sentido.
A Química da Equipe
E claro, o ápice está no jeito como os personagens sobreviventes passam a se unir pra continuarem sobrevivendo. A tripulação busca contribuir como pode, e eles acham meios para existir, e não é fácil.
Num mundo onde jovens só querem extravasar causando as mais variadas atrocidades, personagens vivos sofrem muito pra se manter. E ainda vem a empresa e a dependência deles ao sistema imposto, e pronto, temos os caras mais ferrados do que se estivessem nas mãos do vilão original.
É algo dinâmico sabe? E com toda a ação, quase não vemos o tempo passar de tão imersos que ficamos.
Então, quando a conclusão chega, ela é bem válida, não é de todo ruim nem boa, apenas soluciona todos os problemas para todos, e traz aquele ar estranho que Black Mirror tem como marca registrada, da tecnologia indo além do que ela foi programada pra fazer.
Eu fiquei perplexo, mas ao mesmo tempo aceitei a ideia e no fim, apenas me deixei levar pela experiência e curti, algo fácil de fazer se nos deixarmos enxergar o lado cômico que querem mostrar, e não procurarmos apenas críticas e polêmicas.
Uma Nova Cara
pra Black Mirror
Sempre houve humor ácido, sempre tiveram essas inovações questionáveis, e até certa redundância em tecnologias. O "trequinho" por exemplo já tá nuns 6 ou 7 episódios e, sempre é quase a mesma coisa.
Mas eu fico impressionado como mesmo assim, a cada nova versão eles parecem tirar algo inédito.
Dessa vez, o aspecto de continuação também se soma ao que a série busca trazer de novo, afinal não é algo feito de qualquer jeito, eles fizeram bem, e com o episódio certo.
Todos os episódios da franquia tem espaço pra continuação, é um fato, mas nem todos tem um universo tão dinâmico quanto este dos jogos.
A ideia do jogo digital e das IAs mais vivas do que nunca pode ter sido mostrado em outras obras, mas ainda não havia ocorrido em Black Mirror, não deste jeito.
E usar a roupagem de Star Trek parodiado como ponto de partida pra investir nesse lado da tecnologia, foi muito bom, pois evitou a necessidade de ter de contar como as IAs "despertaram", e já veio forte pra apenas desenvolver a história.
Se quiser entender melhor os personagens, basta assistir o episódio prequel, e a experiência será satisfatória e complementar. Mas, mesmo assistindo individualmente, sem nunca ter visto o de antes, ainda é curioso como ele se basta bem, mantendo o conceito das antologias.
É isso.
Eu não sei se consegui ser claro mas, eu gostei do episódio, apesar de alguns pontos terem me desapontado um pouco.
Eu fico ansioso pra ver o que terá no futuro de Black Mirror, um pouco receoso pelas falhas mas, empolgado com novidades.
See yah.
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