Resenha: Black Mirror - O Político e o Porco

Aqui começo uma longa jornada pelo passado.

Temporada 1 - Primeiro Episódio: 
"Hino Nacional"

capa black mirror episódio do porco

Black Mirror é uma série antológica de ficção científica que por muito tempo se destacou por sua criatividade. Cada episódio mostra uma história com início, meio e fim, se passando em um período da civilização moderna, e focando nos prós e contras de alguma tecnologia existente, ou não, tornando a experiência em assistir incrível e irônica ao mesmo tempo.

O incrível é que tudo sempre soou tão plausível, que é quase como assistir uma previsão perfeita das tecnologias que viriam no futuro. E o irônico é que depois de tantos anos, ao rever as primeiras temporadas dessa série que começou lá em 2011, é notável o quanto ela foi certeira em suas previsões até então.

Bem, hoje falarei do primeiro episódio da primeira temporada, o mais polêmico e que afastou muita gente, mas também um dos mais geniais. Um começo ousado que prepara o público para o que virá.

Enfim, bora falar do político comedor de porcos.

Boa leitura.


Terror Social e Psicológico

princesa da inglaterra sequestrada black mirror

Por onde começar? Bem, o primeiro episódio não trata do assunto principal que o destaca, afinal relações íntimas com animais está longe de ser uma tecnologia. Mesmo o episódio dando muita ênfase nesse tema, ele não é o foco, e nem é abordado de verdade. Parece confuso mas é fácil de explicar: Falam muito sobre isso, mas mostram outra coisa.

Apesar de ser cheio de drama e suspense, tudo é sustentado por um terror social leve. Como a história se passa em um contexto contemporâneo (2011), com a tecnologia vigente da época sem qualquer inventividade, a sensação é de que estamos assistindo algo que poderia ter acontecido ontem. É uma tragédia moderna, baseada puramente em impacto social.


O melhor disso é que se você entra em Black Mirror esperando grandes inovações tecnológicas, e um terror causado por elas, já fica meio frustrado pois nem é isso que é mostrado aqui. O foco aqui não é a tecnologia futurista, mas sim o uso das ferramentas atuais, como redes sociais, TV, internet, para amplificar o terror psicológico.

Além disso, não há nada gráfico, não é mostrado nada sexualmente explícito, e a pouca violência que tem não chega a ser chocante. Mas, como tudo é sustentado pelo suspense, a sensação de desconforto que o episódio causa é gigantesca, e ele afeta nosso psicológico.

Pessoas assistindo black mirror

Inclusive, quando certas coisas acontecem, a sensação causada é tão estranha e incômoda, que nos faz refletir sobre o assunto por horas, e pensar muito no que tudo realmente significava. Não é algo sobre o ato em si, mas sim sobre os limites da humanidade, e até onde os valores éticos e morais são capazes de chegar.

Para facilitar o entendimento, vou resumir a história de forma direta. Evitarei spoilers críticos, mas como a série já tem quase 15 anos, fica o aviso. 


Resumindo a História:
"Hino Nacional"

Não vou trepar com um porco

Tudo começa com o Primeiro Ministro da Inglaterra recebendo a notícia através de sua equipe, de que a Princesa da Inglaterra foi sequestrada, e o sequestrador fez exigências diretas e muito comprometedoras para o Primeiro Ministro, pra poder solta-la com vida. Lembrando que na Inglaterra, a Família Real tem grande importância pública e política como chefe de estado, mas o chefe político é o Primeiro Ministro.

E a exigência principal do sequestrador é absurda: O Ministro teria de se relacionar intimamente com um porco, com tudo sendo transmitido ao vivo por toda a Inglaterra em todos os canais de televisão.


Sem acreditar em tamanho absurdo, começam as discussões sobre quais seriam as providências pra lidar com isso, mas o problema é que além de faltarem apenas algumas poucas horas pro prazo estipulado pelo sequestrador, a informação ainda por cima já havia sido vazada.

Na verdade, a equipe do Primeiro Ministro pegou a informação no YouTube, e mesmo se esforçando pra excluí-la, ela já havia viralisado há horas, mas apenas nas redes sociais.

Viralizando na mídia

O restante do episódio é sobre o governo buscando acordos com a mídia para tentar evitar a difamação do Primeiro Ministro e proteger sua imagem, além de tentarem a todo custo descobrir soluções que não fossem ceder às exigências do sequestrador, mas conforme o tempo passa, por mais que tomem medidas, tudo corre em direção ao ato libidinoso com a Peppa Pig ao vivasso.

Pra piorar tudo, a imprensa tenta a todo custo faturar com esse furo (afinal são vários canais de notícia disputando pelo ibope), e a sociedade aguarda ansiosa tanto pelo macabro evento, quanto pelas informações sobre o que é verdade ou não nessa história toda, e também esperando por atualizações sobre a amada Princesa.

Sala de impressa preparando matérias em Black Mirror

Como os jornais precisam ser responsáveis com o que informam, eles levam muito tempo, e a população passa a discutir entre si, criando opiniões, apontando dedos, e procurando a verdade por conta própria. No fim, o que sobra é uma situação caótica, repleta de curiosos, que influenciam direta e indiretamente a opinião do principal afetado: O comedor de bacon.

E tudo acaba do jeito mais cruel possível, com o ato ocorrendo, o povo recebendo o que ansiava, a mídia conquistando o ibope que queria, a notícia transitando livremente pra todos, e o choque vindo com tudo na mente de todos os espectadores, que percebem que aquilo que mais antecipavam, não era o que realmente queriam vivenciar.

Público aguardando no hospital

A verdade vem brutal e traumatiza a todos, e o tema real se revela.


A Informação e Mídia

Sala de reuniões da Imprensa Black mirror

O tema verdadeiro é "Informação e Mídia", sendo essa a grande tecnologia moderna que tem seus prós e contras apontados. Ou seja, o foco real é como a mídia tradicional tende a moldar a opinião pública, mas também disputa por atenção com as outras inovações que surgem, inclusive mostrando ineficiência e se tornando até obsoleta por conta de regras e limitações que o tradicional tem, mas o novo não.

Sendo bem direto, o episódio trata mais sobre a luta dos jornais convencionais contra as redes sociais. Não é algo tão explícito a princípio, mas não demora até começarmos a notar o quanto isso é significativo na história.


E o engraçado, é que é justamente este um tema que venho pensando muito ultimamente. Escrever aqui por exemplo, é algo completamente obsoleto perto de outras formas de comunicação, bem mais práticas, e de entrega facilitada, que superam em muito os textos.

Mais vale assistir um vídeo de opinião de 1 ou 2 minutos, rápido e oferecido aos montes, do que parar algumas horas pra ler matérias, as vezes repletas de palavras complicadas pra parecerem mais "inteligentes", e que também podem ser difíceis de acompanhar ou até receber (por estarem fora de época, ou por nem aparecerem nas ferramentas de buscas).

Pesquisa de eleitores sobre o ministro black mirror

Vídeos superam textos em muitos aspectos, assim como notícias veiculadas pelas redes sociais tendem a ser muito mais abrangentes do que aquelas que saem na televisão, por exemplo.

Um acidente que ocorre na segunda feira, de manhã, em determinada rua, acaba sendo mais comentado pelas redes de fofoca facilitadas, como facebook, foruns, whatsapp, tiktok, instagram, twitter, etc, do que pelas grandes mídias tradicionais que precisam apurar os fatos, fazer controle de imagem e informação, produzir o conteúdo, verificar a qualidade do conteúdo, checar as fontes, checar a concorrência e só então informar, após chegar no horário certo pro comunicador expor a informação ao público.

Foruns sobre o caso do porco

Nesse meio tempo, geral já sabe do assunto, e muitos já até saturaram da informação, e esse trabalho todo da mídia tradicional só serve mesmo pra confirmar a autenticidade de certos dados. Isso quando a credibilidade deles ainda vale de algo né, pois também tem esse problema.


Fake News

O facebook é bem abrangente

No mundo atual, para que essas mídias sobrevivam, elas se adaptam, e acabam imitando certos aspectos que não são nada saudáveis para a própria credibilidade. Por exemplo, informar algo com opinião, torna a informação tendenciosa, e isso vai contra a natureza do jornalismo, que precisa se manter imparcial.

Mas é necessário fazer isso para conseguir chamar atenção do público, caso contrário quem vai parar pra assistir televisão, ouvir rádio, ou até mesmo acessar um canal de notícias no YouTube, pra ver aquela notícia, se outros fazem isso mais rápido, e são mais interessantes do que os tradicionais, e pior, tendo mais propriedade de fala por serem temas que parecem conhecer muito mais do que um jornalista qualquer.

YouTube viralizando em 2011

As vezes o público prefere muito mais se divertir enquanto se informa, e rir, do que apenas pegar os dados da forma bruta, insensível, formal e toda cheia de regrinhas que o jornalista transmite. E o jornalista que se permite ir além dessa formalidade toda, apenas deixa de ter compromisso com o jornalismo, e isso cria um empasse, já que sua credibilidade fica atrelada a sua opinião pessoal, e isso é terrível.

Preferem as "fake news" que são pelo menos interessantes e divertidas, do que a verdade chata e tediosa do mundo que nos cerca. 


Jornalismo em Crise

A mídia não mostra

A questão da morte do jornalismo se torna tão presente neste episódio, quanto no nosso dia a dia. Volto a mencionar minha própria experiência, onde questiono constantemente o que faço, e se isso realmente tem algum propósito além do mero prazer em escrever.

Há muito mais pessoas com essas mesmas informações que passo aqui, e mesmo que não tenham, o que impede que alguém chegue até esse material, e transforme ele em um vídeo, transmitindo a mesma informação, com o mesmo valor técnico, mas para um público muito maior, roubando o público que chegaria até aqui, e literalmente defasando esse material?

Bastidores do jornal Black Mirror

Isso acontece muito na mídia atualmente, e se tornou praticamente uma guerra. O primeiro a informar corre o risco de ser plagiado pelo melhor comunicador, ou, o melhor material é aquele que entretém mais, e não necessariamente é o verdadeiro.

São tantos problemas que surgem nessa disputa, que no fim das contas, o que importa de verdade é o que a massa aceita como real, e não o que realmente é real (isso ficou muito redundante mas deu pra entender?)

Legal isso né? E é só a ponta do iceberg em "Hino Nacional" o primeiro episódio de Black Mirror.


Os Abutres

Jornalista mandando nudes pra conseguir matéria black mirror

Tem tanta coisa incômoda nesse episódio, que fica até meio difícil pontuar. Mas bora tentar...

Primeiro, temos o fato da imprensa ser uma mercenária da informação. Os caras são capazes de tudo pra obter furos, comprometendo a própria índole só pra conseguir lucrar com isso. É gente vendendo pack de pezinho pra serem privilegiados com dados inéditos; é gente colocando a vida em risco pra conseguir boas imagens; é gente sensacionalista querendo provocar a atenção; enfim, é todo tipo de gente apenas caçando algo pra ganhar em cima.

RTS significa Royal Television Society é um prêmio britânico concedido a grandes jornalistas que fizeram matérias importantes no ano da premiação.
RTS significa "Royal Television Society" e é um prêmio britânico concedido a grandes jornalistas que fizeram matérias importantes no ano da premiação, similar ao prêmio Pulitzer (estadunidense),


E a empolgação dessas pessoas, que parecem ignorar que estão lidando com vidas, é algo muito incômodo. Pessoas indo como abutres na carcaça alheia só pra se alimentarem, sendo que tudo isso mexe com a reputação alheia.

O incômodo nisso não está no que a série mostra, mas perceber que a vida é exatamente assim. Quantos noticiários você já não viu onde o jornalista está cagando pro entrevistado, e só quer mesmo ganhar em cima dele, pegando alguma fala polêmica, uma lágrima derramada, algo que renda o bloco?

A vida para de importar diante da notícia, e tudo que querem ver é algo que prenda a atenção, que entretenha, divirta, mesmo que custe caro pro indivíduo. 

Jornalistas lucrando com tragédia

É o que vemos no episódio, o tamanho desdobrar da grande mídia em busca de mais dados, de mais fatos, de mais imagens, de mais alguma coisa pra noticiar a frente dos demais, só não é pior que as redes sociais, que saem espalhando tudo sem ter o mínimo compromisso ético, sem ligar pro tanto que vão prejudicar uns aos outros. É só fofoca por fofoca, e que se danem aqueles que forem prejudicados com isso.


O Público

O público sorrindo em Black Mirror (a velha tava empolgada pra ver porcaria na tv)

Só que isso não fica só na conta das mídias não tá, afinal os espectadores são tão culpados quanto aqueles que comunicam.

Esperar pelo pior para assim ter entretenimento virou algo comum, e a vida é totalmente banalizada por conta disso. As pessoas gostam de assistir tragédias, mesmo que se espantem, mesmo que demonstrem desconforto, a grande maioria corre para acompanhar a desgraça alheia.

Basta sair aquele vídeo de briga, ou aquele caso de conflito, um acidente que rolou do outro lado do planeta e já tem gente interessada, não com as vidas perdidas, não com os machucados, mas com a desgraça mesmo.

O povo se arrependendo do que viu em Black Mirror (cortei a velha pois ela continuava empolgada com a porcaria do ministro)

O episódio destaca muito bem isso, principalmente com a cena da multidão assistindo a televisão. A cidade toda para para ver o que é completamente grotesco, mas crível (de fato o mundo pararia pra testemunhar tamanha atrocidade), e depois de saciarem o desejo da curiosidade, passam a se espantar ao contemplarem a própria moral indo pro fundo do poço.



O Verdadeiro Final

Ministro comendo porco

Bem, aqui venho falar do final do episódio, e lamento, terá mais spoiler. Mas adianto que ele é positivo, apesar de na verdade ser cruel.

Durante os créditos, contrariando qualquer noção lógica, é revelado que 1 ano depois a Princesa está se casando e feliz, e o Primeiro Ministro continua bem, no cargo, com seu casamento feliz, e sem sequelas aparentes.

Princesa viva e feliz, grávida e se casando

A mídia informa tudo, e inclusive fala sobre o sequestrador que havia sido encontrado morto, e como ele foi insignificante, como um cineasta que acabou gerando esse grande conflito no passado mas, tirou a própria vida.

Lucifer de Supernatural morto depois de mandar o ministro dormir com porco

Só que tudo na verdade é só manipulação da imprensa, pra moldar a opinião pública e readaptar os fatos para que caibam no que convém a eles. 

É que no fim, a Princesa sobrevive, independente do Primeiro Ministro. Ele acaba comprometendo a própria imagem pessoal, o casamento, e faz o inimaginável para tentar salvar a princesa (e sua imagem pública, afinal o povo clamava para que ele cedesse a pressão do sequestrador), acasalando com uma porca na frente de todos, mas a princesa é solta 30 minutos antes sem ele nem saber.

princesa achada na ponte

Durante o episódio inclusive, o dedo dela é supostamente cortado fora e enviado pra uma emissora de televisão, pois o governo tinha tentado enganar o sequestrador preparando um dublê de corpo pro ministro. No fim, o dedo nem era da princesa, mas sim do próprio sequestrador.

Dedo da princesa cortado fora

O cara se enforca, e nunca explica suas motivações para causar todo esse alvoroço, mas a mídia faz questão de usar isso a seu favor.

Cara enforcado depois de ver televisão

Afinal, com o Primeiro Ministro exposto de forma íntima e bizarra por todo o país (se bobear o mundo), eles tinham notícia pra vender, dar, doar e sobrar, mas ainda havia o compromisso ético e principalmente monetário com o governo.

A verdade não podia ser exposta, então eles sumiram com o fato do sequestrador ter soltado a princesa antes, e trabalharam as informações para que o Primeiro Ministro saísse como herói, mesmo tendo feito algo tão nojento na frente de todos, sem de fato ter precisado.

Ministro vomitando depois de 1 hora com o porco

Apesar de funcionar bem, e de conseguirem manter a imagem falsa de um político benevolente, o psicológico do cara estava destruído, e sua família também. Por trás das câmeras ele aparece ainda sem conseguir falar com a própria esposa, e muito provavelmente ele nunca superaria nada disso.

Fim do casamento do ministro

Mas o que importa pro povo, é que ele pareça bem, assim como a mídia só tem a ganhar com boas relações públicas e um governo estável, mesmo que não esteja de verdade.

O que levou tudo isso a acontecer, não tem a menor importância, e o sequestrador nunca ganha espaço pra se explicar. Ele é apagado, assim como qualquer resquício do evento, e a longo prazo tudo só cai no esquecimento afinal, esse é o poder da manipulação midiática.

Pra imprensa estão todos felizes

E sabe o que é mais bizarro nisso tudo? Nada impede que já tenhamos vivido algo assim inúmeras vezes, no mundo real.

Parece absurdo pensar que talvez políticos já tenham se deitado com porcos na nossa frente, e simplesmente nem saibamos disso, pois a televisão, as redes sociais, a mídia como um todo, no fim sempre fala a mesma língua: Os poderosos controlam a verdade.

A verdade é que os políticos escondem a verdade

É isso.

Espero que tenha curtido... e que venham mais Black Mirror.

See yah!


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2 Comentários

  1. Esse episódio definitivamente não é para qualquer um. Que sensação horrivel, e que experiencia incrivel é assistir essa série. Sério, a muito tempo eu não refletia sobre a realidade dessa forma e por causa de um produto do entretenimento. Incrivel!

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    1. Eu nem me recordava que era tão boa. De fato na época eu não estava pronto pra falar sobre Black Mirror... hoje consigo entender melhor. E, o que ajuda é ter com quem conversar a respeito. Refletir sobre Black Mirror é muito louco.

      Fico feliz por ter curtido viu, e bora pro resto!!!!! Brigado por comentar.

      Excluir

Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.

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