Sorria 2
Evitei o título por achar que não seria nada de mais, e me vejo perturbado agora. Pra quem curte terror, é um prato cheio, e pra quem morre de medo por qualquer coisa, passe longe disso. Sorria 2 é mais que uma continuação, é um experimento psicológico de como fazer você se borrar.
Acho que o que mais gostei dele é que ele atinge público variados, com terrores variados, já que seu investimento está em muitas categorias. Tem terror psicológico, que faz a gente pensar pra caramba no que acabou de ver; terror visual, com umas atrocidades gráficas de dar pesadelos; horror bruto, daquele com tripas e sangue que parece tão real, que a gente traumatiza; terror com suspense, quase como se o filme tivesse tanto medo de si mesmo, que nós somos obrigados a esperar ele tomar coragem pra assistir mais das cenas; terror sonoro, sim, sonoro, daquele que a música em si e os barulhinhos ficam na memória; e terror social, daquele estilo que critica a sociedade e a gente, nos fazendo olhar pros lados e perceber que tudo na vida é um verdadeiro pesadelo.
E na moral, o filme é só a história de uma mina muito azarada que se lascou numa maldição macabra.
Mas, bora lá falar tudo a respeito e, espero que eu seja capaz de dissecar essa obra. Se não for... pelo menos tentarei.
Boa leitura.
Sorria 2, a Continuação
A premissa da franquia "Sorria" é que pessoas sejam perseguidas por alucinações, cada vez mais realistas, que torturam psicologicamente essas vítimas até elas estarem tão destruídas mentalmente, que desistem de viver.
E a maldição dessa alucinação passa pra testemunhas que assistem a morte dessas vítimas, infectando elas e assim seguindo adiante.
Só que o filme original nem tenta explicar a origem desse mal, algo que continua aqui. É um pouco diferente do que é comumente visto em filmes do gênero, pois sempre há uma necessidade enorme de dar respostas pro público, ao invés de apenas explorarem o medo do desconhecido. Eis um acerto aqui, pois sem dizer mais do que o suficiente pra entendermos o quão ameaçadora é a tal maldição, ele entrega apenas o medo.
Inclusive, por não me recordar tanto do primeiro filme, apenas da parte publicitária do pessoal sorrindo na multidão e seguindo a protagonista, eu achei que não conseguiria aproveitar essa continuação. Contudo, sem que ele precise revisitar eventos do anterior, ou explanar fatos antigos, ele funciona perfeitamente bem, independente de termos assistido o primeiro.
Caso você pule o primeiro filme, só vai ficar curioso pra saber o que rolou antes dele, graças a uma breve citação e claro, seu começo que deriva do desfecho do anterior. Mas, não é nada obrigatório, e você vai se chocar e traumatizar igualmente querendo ou não.
O mais irônico, é que até o final, que praticamente é idêntico ao do primeiro filme, surpreende mesmo se você pegar spoilers, pois o jeito como ele é encaixado na trama é tão inesperado, que não da pra não se impressionar.
É um filme de terror muito rico, e a tempos que não via algo tão bom, mas pra explicar bem isso, é preciso dividi-lo em seus diferentes medos.
Terror Psicológico
A parte psicológica dele está presente na parte das Alucinações. O filme inteiro é uma grande alucinação, onde sua história fica pulando de eventos reais e meramente ilusórios, sem nunca nos dar a chance de reconhecer o que é verdadeiro ou não.
Ele vai além de meros jumpscarys, e usa de planos sequência realmente longos pra fomentar o medinho do bizarro, e se desenrola do mais comum ao mais perturbador sem parar, e sem voltar atrás, até ser tarde de mais pra percebermos.
São longos eventos, tão realistas e críveis que não suspeitamos que já entramos na bolha do terror, e ao suspeitar, essa suspeita é posta em cheque quanto tudo simplesmente continua, derivando de baixas e perdas, tragédias e sustos, e construindo narrativas com consequências inclusive, mas tudo apenas pra nos perturbar, da mesma forma que a protagonista está sendo perturbada.
É, na minha singela opinião, o melhor uso da técnica de alucinações, sonhos e flashbacks, pois não temos certeza se o que assistimos é uma mera visão da protagonista, ou de fato uma continuação da maldição dela.
E quando a resposta chega, estamos tão confusos quanto ela, e isso nos pega de jeito, exatamente como pega ela, mostrando que no fim das contas, o terror é muito maior do que podíamos sequer cogitar.
Terror Visual
A estética do filme é medonha, e não falo apenas de sorrisos estranhos na cara de coadjuvantes aqui e ali, apesar disso ser muito assustador mesmo não havendo uma ameaça ali.
É algo com a luz e sombra, algo com o movimento da câmera, o jeito que ela segue a protagonista de perto, ignora pontos de interesse quase como se fosse um personagem assistindo, e até evita olhar diretamente pra locais que nós queremos muito ver.
Sabe aquelas cenas de espelho, em que o fantasma aparece atrás da pessoa, num movimento rápido de câmera? Então, aqui é diferente, a câmera parece ter medo de olhar, mas quando olha, ela não para, ela não foge, ela fixa a visão como se também tivesse medo de se virar, e perder aquela cena.
E, o jumpscary que deriva disso assusta, pois é abrupto e chocante, mas não exagera, apenas mostra que havia mesmo algo a se temer.
Cortes secos e rápidos são comuns, mas nem por isso o filme se dá a liberdade de dar sustinhos. Na verdade os maiores e piores momentos são aqueles mais lentos, em que nada acontece, pois esse nada gera um suspense tão grande, que é de gelar a espinha.
E sobre a parte técnica então? Usaram de coreografia para compor excelentes sequências que nem usando efeitos digitais conseguiriam. Tem uma parte, de uma multidão sorridente se movendo apenas ao olharmos, que cara, é divino de se assistir.
A câmera nos representa, e nos inclui na cena. A protagonista em si não pode se mover desviando o olhar da multidão pois eles se movem apenas quando não observados, e a câmera tenta focar na protagonista, mas ela também teme por desviar o olhar da multidão, e cara, isso é montado com tanta fluidez, que assusta, mesmo soando muito óbvio e previsível.
Tem um detalhe nos reflexos que é impressionante. Da pra ver a multidão ali, e isso apenas da uma perspectiva além da protagonista, dando aquela impressão de que somos nós ali, de costas pro mal, e com medo de nos virar. É sutil, mas genial.
Horror Bruto
Mas o sangue quando jorra, é espantoso de tão real, e desde o começo o longa já escancara que isso será uma característica muito presente.
Usaram e abusaram muito de corante vermelho, e a violência ligada a ele não é nada ignorada. Mesmo um pequeno pedaço de vidro penetrando na pele é muito doloroso de ver, e o filme aproveita isso, pra escancarar e causar agonia.
É bruto, é cruel, e choca pelo realismo extremo. Um trabalho técnico e prático de muita qualidade, que levanta suspeitas sobre serem tudo próteses mesmo, ainda mais pelo exagero dos detalhes.
Terror com Suspense
O pior é que nem sempre ele faz isso, e as vezes ele usa e abusa do suspense pra nos manter ali, presos.
As vezes tá óbvio que vamos levar um susto, a cena é construída pra isso, sabemos que tem algo de errado e que do nada algo vai pular na tela, mas o filme segura isso, vai segurando, enrola, não deixa nada acontecer, pra no momento que nem esperamos bum, nada acontece.
Pra logo em seguida algo acontecer, quebrando nossas expectativas e, logo depois outra coisa acontece, tirando nossa fé na segurança de expectador, e ai quando olhamos pra trás, em nossas confortáveis cadeiras, tememos por conta daquela silhueta no cantinho esquerdo do armário, que parece estar sorrindo, e olhando fixamente pra gente... sério o que é aquilo?
Terror Sonoro
A música tem uma presença avassaladora e, apesar do filme as vezes flertar com um musical, afinal a protagonista é uma artista do ramo, ele sempre interrompe isso pra continuar no caminho do pavor.
É diferente daquele filme da filha do M. Night Shyamalan, onde a trilha sonora se mistura totalmente, mas ele também aproveita suas letras e da música em si pra criar conforto e desconforto, melhorando a experiência horrível de assisti-lo.
Acho que o auge está nos créditos finais, em que gente, toca uma música que penetra mesmo na alma. Com gritos, suplicas, choros, meu, aquilo parece um hino satânico. A última vez que fiquei tão espantado com uma música, foi no filme "A Entidade", que também tem uns acordes esquisitos e impressionantes.
Mas, também tem a parte dos sons, sem usar os famigerados "Bam", o filme aproveita do silêncio, pra espantar com barulhos comuns do dia a dia. Vidro quebrando, risadas, passos, só o básico mesmo, sequenciado por gritos, choros, e ainda mais risadas. É medonho, de um jeito diferente.
O melhor de tudo é que o filme não nos prepara com músicas sequência, que se interrompem quando algo vai acontecer. Ele simplesmente silencia tudo, nada acontece, e quando a musica começa algo acontece, ou não. Não da pra prever, apenas temer tudo a qualquer momento.
Terror Social
Mas se acha que é apenas aquele terror clássico do sobrenatural, acredite, ele vai além disso. Há uma história subliminar, que caso você opte por eliminar o conteúdo fantástico, também vai ficar perturbado.
A história de uma pessoa pedindo socorro, pedindo ajuda, enquanto é forçada a conviver e sobreviver por conta da pressão popular, com pessoas enfiando goela abaixo o que ela deve ser e fazer. Isso é o que o filme quer contar.
Parece aquele clichê do artista que tem tudo de bom e do melhor, mas no fundo está depressivo e precisando de ajuda, mas, vai além, pois ele mostra uma pessoa comum, sim, na posição de um artista bem sucedido, mas sem nunca enfatizar essa parte.
Acompanhamos uma garota que apesar da fama e do sucesso, está a tempos enfrentando a si mesma, enfrentando a pressão, enfrentando a solidão e os pensamentos ruins. Tal tortura a torna cada vez mais afastada da realidade, e o mundo, assim como todos que a cercam, parecem apenas manequins a forçando a viver.
É cruel notar que essa é a forma como muitos se enxergam, apesar dos pesares e além das aparências, sofrendo em seu íntimo sem que ninguém se importe, até ser tarde de mais.
E, olhando por esse ângulo, basta retirar a parte da entidade demoníaca parasitaria que infectou a mente dela, e analisar isso como um mal chamado depressão, notando que as consequências geradas por ele seriam praticamente idênticas.
Surtos psicóticos, ações violentas, auto sabotagem, busca por entorpecentes e vícios, e por fim suicídio. Esse tipo de coisa foi praticamente normalizada na sociedade, e pra quem olha de fora, é apenas a prova da fraqueza humana alheia. Mas pra quem observa de dentro, o terror é constante.
E o filme nos permite ter essa perspectiva, olhando a mente humana de alguém em tais condições, por dentro.
O Final
Se deu pra notar, eu amei e realmente fiquei amedrontado.
Mas, vai de você compartilhar dessa mesma experiência.
Acredito que, independente de notar todas as nuances do filme, ele realmente vai satisfazer seu desejo por ter medo.
Então, se tiver na dúvida se vale a pena depositar duas horinhas da sua vida, acredite, vale.
E, caso já tenha visto e não tenha entendido o final, eu explico:
Alguns desistem depois de muito lutar, e já estão tão perdidos que mal entendem o que os arrastam pra isso. Até parece que só querem que o máximo de pessoas vejam, e sejam afetadas pelo trauma, mas em seu íntimo tudo que querem é por fim à tortura.
É isso.
See yah!
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