CríticaMorte: The Substance - Explicando o filme

The Substance


Este é um filme de terror/horror, que com certeza atrai pela capa, e é justamente a capa seu enredo. Ele foca muito na questão da estética feminina, mas ele também é rico em ficção científica, sanguinolência e um terror psicodélico e impressionista. Mas calma, ele não é complicado de assistir ou entender, só é desconfortável. 

Nele, vemos uma moça muito famosa lutar contra a degradação natural da própria fama, por conta da idade e distanciamento dos padrões hollywoodianos, até que ela descobre uma forma de rejuvenescer, ao custo de sua própria integridade física e moral.

Este longa retrata literal e figurativamente a experiência da fama, com destaque para a substituição de elenco com o passar do tempo. Daí por este ângulo, a sensação desconfortável de assisti-lo já configura aquele clássico "terror social", onde nos apavoramos ao testemunhar o quão frágeis somos frente aos olhares sociais. Mas, ele não se limita a isso, e aposta grande no terror visual e visceral, buscando chocar aqueles que são fortes psicologicamente, mas tremem diante da brutalidade da carne.

Sendo ainda mais ousado, ele apela pra nudez total, mas ironicamente em parte alguma do filme ele aborda o tema da pornografia ou erotização. Chega a fazer alusão aos exageros do cinema e a objetificação do corpo feminino (principalmente), mas tudo é feito em prol do enredo principal, e nada é gratuito.

Enfim, bora destrinchar a narrativa e explicar pormenores tudo que "The Substance" (A Substância) tem para contar.

Boa leitura.



Terror Corporal


Uma moça na flor da idade acaba por não ser mais tão reconhecida, afinal seu corpo não atrai mais os olhares carniceiros do público. Daí ela vê uma chance de se atualizar, e abraça sem pensar.

Essa questão do antigo substituído pelo novo, do feio pelo bonito, do desgastado pelo inédito, é um modelo estrutural comum em toda sociedade. E é nisso que o filme se escora completamente.


Demi Moore no papel de Elisabeth Sparkle faz praticamente um papel de si mesma, uma atriz famosíssima e reconhecidíssima de Hollywood, que apesar de linda, é desconsiderada pra grandes papeis por conta da idade. 


Então ela descobre uma maneira de passar o bastão adiante, e contar com um corpo mais novo para poder reascender a chama da fama, mas isso cria empecilhos pra ela, que começa a lutar contra a própria vaidade e inveja, sabotando a si mesma.


Enquanto no mundo real uma solução comumente aplicada pra isso seria treinar alguém mais jovem pro papel, ou quem sabe passar a bola pra um filho ou apadrinhado, aqui a solução é fantasiosa, aliás, muito mais voltada pra ficção.


Ficção Científica


Através de clonagem, a protagonista dá a vida a uma versão mais jovem, mais atualizada, e mais perfeita de si mesma, chamada Sue. Essa versão tem a mesma mente, memórias, e é a mesma pessoa, além disso enquanto ela fica ativa, a versão antiga fica inativa.


Há todo um procedimento complexo e misterioso, repleto de injeções, transfusões de sangue, e até dissecação, tudo feito em casa com um kit sem muitas explicações, que ela adquire por indicação de um estranho.


Nesse sistema, ela tem de seguir a simples regra de alternar entre os dois corpos, semanalmente, podendo ficar apenas 7 dias em cada versão, sem nunca criar exceções. O problema começa quando a personalidade dela se altera nos corpos, alimentada por uma inveja crescente das duas vidas e suas diferenças gritantes.


O corpo de Elisabeth (Demi Moore) fica como a âncora da pessoa que ela é, e o corpo de Sue (Margaret Qualley) precisa sempre se atualizar voltando pra ela, caso contrário as consequências são terríveis pra ambas.


E nesse vai e vem, a mente dela começa a vivenciar diferentes perspectivas sociais, e isso reestrutura sua própria visão de mundo.


Psicologia


Nessa parte é literalmente pura conversão psicológica. Há uma mensagem sobre o quanto uma pessoa muda sua forma de pensar e agir, baseando-se em sua visão de si mesma, e de como é abordada pelos que a cercam.

Torna-se mais amarga e bruta com a rejeição, mais alegre e receptiva quando ovacionada, e isso aumenta exponencialmente conforme a pessoa se sente mais querida ou rejeitada.


A protagonista Elisabeth, por mais que seja maravilhosa, não se enxerga assim, e aos poucos perde a autoconfiança, mergulhando em amargor e depressão. Já Sue, vivencia a alegria que se ausenta em sua "mãe", e não demora até cair na plenitude da cegueira emocional, se iludindo pelos elogios meramente físicos que recebe, mas aproveitando eles com afinco.

Isso cria excesso de confiança em uma, e desprezo total na outra, e as duas versões perdem o equilíbrio que deveriam manter, para que suas formas não se prejudicassem. 

Tem até a questão da mente jovem ser mais inocente e suscetível aos erros que a mente mais velha, e toda a questão de maturidade emocional, que acompanha o físico. Mesmo Elisabeth e Sue sendo a mesma pessoa, com as mesmas memórias e experiências, a forma como cada uma lida com essas sensações, só as distancia.


Aliás, vale mencionar que isso lembra muito Doctor Who! Não pela ficção em si, mas pela transição de corpos alterar a percepção de mundo. Não é apenas a questão de troca de atores, mas o jeito como cada um sente seus arredores e se encaixa, mudando seu jeito de reagir. Em Doctor Who, de temporada em temporada, o protagonista muda seu corpo, para trocar de ator nos bastidores, mas para renovar sua essência na série, e nos novos rostos, ele muda tanto o jeito de agir que tudo em seu entorno é afetado, mudando tudo junto.

Isso também reflete algo bem real, como por exemplo uma pessoa que viveu em sobrepeso a vida inteira, ao emagrecer passa a ver o mundo de outro jeito, pois o mundo a vê de outro jeito, e as sensações novas atingem bem mais que sua vida recente, afetam sua vida passada, suas memórias, cria uma sensação de reflexão constante, e muda seu jeito de pensar.


É quase como se fosse outra pessoa, muitas vezes se afastando de seus círculos atuais, e buscando novas amizades, novos contatos, novas vivências.

A Estética, bem como a forma como ela é debatida no social, é algo que afeta drasticamente a psique humana, querendo ou não.


Nudez de Sexualização


O corpo humano é bem explorado nesse filme, principalmente os das protagonistas, e a nudez é absoluta, mas apenas em situações onde elas estão sozinhas, e se admiram. Há uma questão moral nisso, bem mais que visual, e apesar de até ser possível contar a mesma história "censurando" as cenas em que elas aparecem completamente despidas e se apalpando, é necessário mostra-las assim para que o impacto final seja certeiro.


É que, diferente de nudez gratuita, há uma razão para que as personagens se vejam, e sejam vistas totalmente expostas. É a questão da atratividade e pura estética, sem vulgaridade.


O curioso é que nos dois casos, Elisabeth e Sue são belíssimas, mas nós as enxergamos como o filme quer que enxerguemos. Ele consegue fazer com que percebamos defeitos onde não há, faz com que reverenciemos brilhos e curvas, quando na verdade nada disso faz diferença.

Ele nos mostra de forma nua e crua, como somos superficiais, e os momentos em que as personagens são postas em situações reveladoras, sentimos desconforto, apenas isso.


Esse desconforto também surge nas cenas de sexualização, onde as protagonistas dançam e se apresentam na televisão, como ginastas aeróbicas. Roupas justas e curtas, com posições desconcertantes e tendencialmente provocantes, para a televisão é um show, mas do jeito que é mostrado no filme é bizarro.


Pois mesmo havendo enquadramentos pervertidos, sempre há destaque pras caras e bocas dos espectadores, e suas expressões distraídas. Sentimos repulsa desses personagens, e da nojeira explícita nas expressões destacadas, que evitamos fazer algo similar, automaticamente. Nos vemos testemunhando algo sórdido e vulgar, mas com um olhar temeroso e repulsivo.


O Final


O desfecho acaba sendo alegórico em parte, mas muito visual e fácil de captar. Nele, a velha versão confronta a nova versão, e em meio ao arrependimento faz escolhas equivocadas.

Daí vem a luta, e por fim a nova versão prejudicada, tentando criar mais uma nova versão, ainda melhor, ainda mais perfeita. Um clone do clone.


Só que disso, nasce algo bizarro, e esse bizarro carrega a essência das duas versões anteriores. A confiança absoluta no novo, e a estrutura do velho, que pouco a pouco são moldados e esmagados pela realidade.

Assim, a protagonista aprende a se aceitar como é, e aceitar que tudo tem um fim, tudo tem um basta. Forçada a isso talvez, mas ela aprende.


Encerramento


O filme é bem mais interessante do que achei que seria, e apesar de atraído pela capa minimalista, eu fiquei bem satisfeito com o que assisti.

É terror, um bom terror, que lembrou bastante filmes dos anos 80 com efeitos práticos exagerados, e muito, mas muito sangue pra toda parte.

Ele é todo simbólico, e tem um ritmo perfeito, sendo fácil de compreender, e fácil de acompanhar. Mesmo nas cenas mais psicodélicas, ele ainda é muito claro de si, e sabe o que quer comunicar.

É pra ter nojo do que se vê, é pra ficar perplexo, é pra sentir incômodo, logo, terror.


Considerações Extras sobre o Filme


No Brasil, o filme será chamado "A Substância", numa tradução direta mesmo. E tem algo que gostaria de comentar a respeito...

Daria pra "derrotar" a premissa do filme num simples acordo formal. É que, muito do problema gerado pra tadinha da protagonista, é por ela não saber como falar consigo mesma. 

Bastava ela deixar uma cartinha pra sua outra versão, explicando a situação dela, que elas poderiam revezar tranquilamente. Curioso que o filme tenta prever esse problema, com a versão mais jovem assumindo desde o começo que deve ser compromissada com os 7 dias, mas no primeiro desvio dela, a protagonista apenas ignora, mesmo tendo consequências gravíssimas.

Ela nem precisava contar com o apoio da outra metade, e podia apelar pra ameaça, uma vez que a versão mais velha é chamada de "Matriz", e pode a qualquer momento encerrar a clonagem. Ou seja, da mesma forma que a versão mais jovem podia estender sua existência ao custo da condição física da sua versão mais velha, a mais velha podia encerrar tudo a qualquer momento.

Mas ao invés de se falarem, elas brigam, como mãe e filha que buscam o mesmo objetivo, mas são incapazes de coexistir ou se comunicar.

Outra coisa, o filme tem umas ótimas referências de horror, e teria me ajudado muito nuns desenhos que fiz. 


Tem uma cena do filme em que "dentes são arrancados" que caramba, seria A Referência pra arte, mas é também um pesadelo recorrente pra muitos então... foi até fácil ilustrar.


Outra cena mostra um quarto secreto no banheiro, confeccionado para "armazenar corpos"... 


É exatamente como uma cena que tentei ilustrar em outra arte, com uma temática similar, mas por falta de referência acabei deixando bem fraquinha...


Enfim, só quis comentar mesmo, e deixar essas imagens que achei legais como comparação e quem sabe, futura referência.


É isso.

Obrigado pela leitura, espero não ter falado de mais, mas ter dito tudo que precisava!


See yah!


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6 Comentários

  1. Esse eu achei interessante a premissa. Vou assistir hehe. Obrigado pela recomendação!

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  2. Que crítica maravilhosa. Não podia esperar menos. Sempre muito lúcido nos artigos.
    Gente do céu, Demi Moore com 61 anos continua maravilhosa. Hollywood tem essa mania besta de diminuir as mulheres.
    Estou super curiosa para ver esse filme, uma pena que já saiu de cartaz nos cinemas da cidade em que moro.
    Espero que esse seja o tipo de filme que seja comentado por décadas e mais décadas, tal como A Mosca.

    P:s: adorei os desenhos que fez. Muito bem feitos e expressivos.

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    1. Srta Sammy, que saudades!

      Este é um daqueles filmes que se tornam cult, e não duvido que futuramente seja bem comentado sim, pelo menos torço por isso pois eu realmente gostei do resultado. Sem querer ser ousado de mais mas creio que ele merecia até uma indicação ao Oscar, pelo menos ele cumpre todos os requisitos pra ser premiado.

      Espero que consiga assistir logo, creio que sairá em streaming em breve, então torço pra que curta.

      E... sério rs... obrigado, eu sinto um pouco de vergonha... mas to mó feliz!

      Obrigado de mais por comentar srta Sammy!!!!!

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  3. Um pouco atrasado para a festa,mas depois de assistir esse filmaço eu tenho uma teoria, além daquela de Hollywood descartar mulheres idosas por novas.

    Tenho uma teoria de que o filme tbm é sobre pressão de mães sobre filhas, querendo suas filhas sejam como seus clones e façam aquilo que elas nunca conseguiram quando jovens.

    Por exemplo: concurso de beleza mirins: muitas mães inscrevem suas filhas pq era o sonho delas (não de suas filhas), o q acaba mexendo com a cabeça das crianças.

    E meio que Elizabeth "dá a luz" a Sue. Vejo mais como uma filha dela, do que "ela mesma" ou uma versão melhor.

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    1. Bem apontado.

      A sugestão de que elas representam mãe e filha faz total sentido. Inclusive tem aquela parte do filme em que para justificar a ausência, a mais jovem diz que cuidará da mãe doente por uma semana, o que no fim das contas se torna uma realidade, já que a mais velha passa a agir como uma mãe a ser cuidada.

      Essa pegada da filha forçada a seguir os passos da mãe, tem muito disso sim, e acaba indo pra questão da inveja misturada com ciúmes, e a projeção dos desejos da mãe forçados sobre a filha.

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Obrigado de mais por comentar, isso me estimula a continuar.

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