CríticaMorte: Oddity - Terror e Criaturas Explicados

Um novo filme de terror da Shudder, que pode não ser dos mais assustadores, mas certamente é um dos mais intrigantes. Ele tem fantasmas, psicopatas e até mesmo golem, sendo o primeiro filme que me lembro que fala de tal entidade. 


Apesar dele não abordar profundamente nenhum desses conceitos, a pincelada que dá é o bastante pra criar suspense, intrigar, e gerar uma boa narrativa. Como terror funciona, e não é nada expositivo, o que acaba sendo uma faca de dois gumes. Pra quem conhece o que é mostrado, entende os sinais e dicas compreendendo toda a trama, o que pode não funcionar pra quem não sabe o que são essas criaturas mencionadas.

Então bora explicar tudo! Terá spoiler.

Boa leitura.


Resumindo Oddity


O filme conta uma história fracionada, evitando dar respostas cedo de mais, e se passando em vários pontos diferentes do tempo. Partindo de uma moça chamada Dani Timmis (Carolyn Bracken) trabalhando na reforma de uma casa.


Então ele mostra essa moça sendo abordada por um estranho com olho de vidro, na mesma casa só que de noite, enquanto seu marido Ted Timmis (Gwilym Lee) trabalha como psiquiatra chefe em um manicômio, de onde esse homens estranho teria fugido. 


Não é mostrado se ela abriu a porta ou não, mas o cara chamado Declan (Jonathan French) faz de tudo pra convencer ela a abrir, dizendo que viu alguém entrando na casa antes dela, e só queria salva-la.


Então vemos o hospital psiquiátrico, com um paciente que desenha bem pra caramba, escutando barulhos nos corredores, que o aterrorizam de noite. Quando deixa o quarto, ele encontra um corpo com a cabeça esmagada em outro quarto, e o olho de vidro entre os pedaços de miolos.


Sem explicar nada, apenas jogando as peças aqui e ali, o filme pula pra um ano depois, numa loja de itens amaldiçoados, onde uma senhora cega e grisalha chamada Darcy Odello (também interpretada por Carolyn Bracken) recebe o médico, conta uma estória sobre um de seus itens amaldiçoados recém adquirido, e enquanto conversam vem a tona a informação de que a moça vista anteriormente, é irmã gêmea dela, só que doente, cega, e médium.


Além disso, o médico joga a informação de que ele já tem uma namorada nova chamada Yana (Caroline Menton), e ainda convida a irmã da ex pra casa dele onde ela faleceu, como se isso fosse algo normal a se fazer.

Também é revelado que o assassino da ex dele morreu, no hospital psiquiátrico, por conta de um suposto enfarte, e o olho de vidro é dado pra moça cega, que era médium pra variar, e queria tentar descobrir o que levou ele a matar a irmã dela. E assim somos introduzidos a todos os fragmentos para que o resto do suspense se desenrole.


Com uma nova garota passando a noite na casa, enquanto o namorado trabalha num hospício, ficamos intrigados pra saber o que houve com a outra, e qual o pesadelo reservado pra nova. Isso juntamente com a moça cega idêntica a moça que morreu, que ficará na casa com ela, fazendo uma companhia desconcertante, ao lado de um boneco de madeira gigante.



O Golem


A primeira coisa bizarra que aparece e fica sem a menor explicação é o golem, um boneco de tamanho humano, feito todo de madeira, e completamente assustador com uma expressão boquiaberta medonha, esculpido para causar pesadelos.

Esse manequim obviamente é um dos "monstros" do filme, e a ênfase dada a ele o tempo inteiro serve pra criar tensão. Sabemos que ele fará algo, é nítido que aquilo não é normal, mas não sabemos quando, porquê ou como ele agirá... mesmo já tendo visto o que ele é capaz.


Acontece que Golem é uma entidade do folclore judaico, em que os judeus colocam pergaminhos e itens pessoais, para pedir proteção. Geralmente são feitos de barro, argila, pedra ou qualquer coisa capaz de ser moldada ou esculpida (como madeira), e apesar de não terem vida, eles podem ficar ativos caso recebam uma ordem de seus criadores, pelos tais pergaminhos. São como robôs mágicos, dedicados à proteção e servidão de seus criadores.


Nada disso é sequer citado no filme, apenas há muito suspense sobre o jeito que a protagonista lida com tal boneco, e alguém que não conhece nada sobre tal entidade, apenas compartilha do temor de alguns personagens diante ele.

Mas, há dicas sutis de seu significado, que vistos de ângulos diferentes causam estranheza. A forma como o médico reage ao ver o boneco pela primeira vez (sem que vejamos o boneco, apenas a reação dele), e saber que é pertencente a família da protagonista a gerações, difere da reação que sua namorada atual tem, drasticamente. 


Quando ele é revelado pro público, isso causa um impacto na gente, justamente por ele ser assustador, e a reação normal ser a da namorada do cara. Já ficamos com uma pulga atrás da orelha sobre os dois principais já nessa parte, tentando entender como que algo assim é normalizado pra eles.


Ainda tem outro momento em que a moça pegadora de viúvos decide xeretar na cabeça do Golem, e dentre os buraquinhos encontra um monte de fotos enroladas, tufos de cabelo, dente e até sangue. A forma como a protagonista briga com ela e pede pra devolver os itens causa ainda mais medo, principalmente se levar em conta que só tem ela, a moça que ela odeia, e um bonecão de madeira cheio de rituais estranhos presos numa casa, de noite. 


Só que é tudo um desvio de atenção para tentar fazer com que não percebamos o real terror da história.


Os Fantasmas


Que também não é o caso dos fantasmas. Eles estão ali, aparições me fotos e assombrações pra criar incômodo, mas não são os vilões.

A razão pra primeira moça ter morrido é puro suspense, e ela já tinha uma suspeita de espíritos assombrando sua nova casa, mas isso em nada tem a ver com os problemas reais que ela enfrenta.

Claro que o filme se aproveita do mistério para desviar nossa atenção e brincar com nossa curiosidade, o que talvez não funcionem nada para pessoas acostumadas a reviravoltas do tipo. Fãs de M. Night Shyamalan que o digam!


O fantasma recorrente é o espírito da moça assassinada ali, o que convenhamos era de se esperar. Aparições dela na própria câmera que deixou pra registrar coisas sobrenaturais (por pura crença mesmo), acabam sustentando a ideia de que tem algo demoníaco na casa. Só que, é apenas ela tentando avisar.

Já que sua morte foi em condições misteriosas. O filme mantém isso revelando como ela morre apenas perto do fim, sem enrolar pra mostrar seu assassino, mas o bom é que tudo se monta com calma, e sem exagerar em diálogos expositivos. Eles mostram bem o que precisam, quando precisam, e entendemos que o fantasma da moça tava ali pra dar um alerta pra nova moça.


Ainda tem um pouco mais de mistério sobre o fantasma ser real ou uma tentativa de causar terror, por parte da moça cega. É que é revelado que ela é irmã gêmea idêntica da moça que morreu, apesar de em nada se parecer com ela (pelo cabelo e os olhos). Talvez essa sugestão seria mais fácil de captar caso ela também tivesse cabelos longos e escuros, mas o filme não se escora muito nisso de toda forma. Antes da resposta vir, pode até ser que deduzamos que a suposta assombração seja só a moça, querendo ferrar com a mente da nova namorada do seu ex-cunhado.


O Psicopata


Tudo vai pra um lado menos sobrenatural, quando nos é revelado que teve mão humana no meio do assassinato. Um cara mascarado usou um martelo pra matar a gêmea da cega, isso em uma barraquinha de acampar, enquanto ela temia coisas do além.

Isso serve bem pra lembrar que enquanto prestamos atenção no sobrenatural, o natural é e pode ser ainda mais terrível pois é mais tangível, cruel e letal do que meros espíritos. O ser humano é violento, e nunca se sabe quando o mal está a espreita.


O filme nem esconde quem é o assassino, dando seu nome como Ivan (Steve Wall) assim que ele aparece, e o suspense é mais sobre suas motivações. Mais uma vez, pra quem já tá acostumado com estórias assim, é comum não se surpreender com a culpa caindo no mordomo (nesse caso no assistente), bem no estilo de Agatha Christie, e revelações de que as motivações do assassino talvez fossem mais íntimas e pessoais do que qualquer outra coisa, acabam não sendo tão chamativas.


Mas, no meio da lambança de entidades variadas competindo por atenção, psicopatia e crimes reais passam longe das nossas cabeças, até que tudo é respondido.

Ivan foi contratado para matar a esposa do cara interesseiro. Básico do básico, mas seria isso o pior?


O Canibal


Em rápida referência a Hannibal Lecter, tem um canibal na história, preso no manicômio, que é usado para se livrar de testemunhas. 


Um jeito cruel, mas funcional para calar a boca de quem não está afim de colaborar, e isso ainda serve pra tornar o vilão ainda mais maligno diante do público.


Os Acidentes


O filme não ignora a óbvia condição perigosa em que a protagonista fica. Ela é deficiente visual, solta em uma casa em que nunca esteve, ainda em construção, cheia de escadas, e onde sua própria irmã faleceu.

Além do impacto psicológico, a moça ainda fica sozinha com uma desconhecida, e pra piorar tudo ela é médium, vive disso, e tem sensibilidade ao sobrenatural.


Se tem algo pra dar errado, é colocar ela nessa situação. O curioso é que ela sabe bem o risco que corre, e ela também sabe como se defender (eis o Golem), mas ela assume um papel de vingança, acima de qualquer outra coisa.

Já não tem mais o que perder, a irmã se foi por nada, e ela sabe toda a verdade por sua mediunidade, então no fim o que nos resta é assistir ela lutar para levar sua vingança adiante, e torcer pra que os vilões sejam punidos, ela escapando ou não disso.


A culpa dela também em punir inocentes é algo crucial, sustentando mais ainda nossa empatia pela personagem, mas também alimentando o puro terror. É incômodo ver que ela matou a única pessoa que tentou ajudar, por ser levada pelo real vilão, a acreditar na mentira.

E, mais louco ainda perceber que foi o real vilão que entregou a verdade, ao dar o olho de vidro do suposto assassino da irmã dela, sem acreditar que ela poderia ver a verdade ao toca-lo. 

Acidentes causando mais acidentes... eis uma variável válida do terror.


A Bruxa


Errado chamar a moça cega assim, mas no fim das contas ela é como uma feiticeira, que usou o Golem da família pra levar vingança aos que mataram sua irmã. O ritual de proteção comum dela, acabou usado pro mal e isso é um baita perigo.

Ela mesma diz que matou o cara do olho de vidro, pois ela enviou o Golem pra esmagar a cabeça dele. Não é mostrado, mas é o que aconteceu. 


A culpa que ela tem é por ter acreditado no ex-cunhado, então agora ela precisa pagar pelo que fez de errado, e ainda levar justiça a alma da irmã. Só que ela própria cai numa armadilha do médico.



O Cara da Campainha de Hotel


Por fim, o fantasma que aparece no último frame do filme, é resultante de algo fora da trama principal.

É que, a moça cega tinha uma loja de coisas estranhas e amaldiçoadas, um monte de itens bizarros que tinham variadas histórias. Ela só nos conta uma história, que o médico debocha pra demonstrar sua descrença na ex-cunhada.


Só que essa história é uma última carta que ela tem, para levar vingança até ele: A campainha amaldiçoada pertenceu a um hotel, onde o rapaz que a tocava morreu em um "acidente" numa escadaria, empurrado por um dos hóspedes. Todos que tocaram a campainha depois da morte dele, passaram a morrer em seguida, ao ver seu fantasma.

Por isso a campainha foi parar nas mãos dela, e ninguém mais poderia toca-la para não ser assombrado até a morte. Esse item chega ao correio do médico, depois dele conseguir escapar da vingança certa... e cético como é ele toca a mesma.


O longa até brinca conosco, revoltos pelo cara ter escapado, e torcendo para que a moça cega tivesse falado a verdade, e no fim, ela falou mesmo.

Isso ainda deixa vários pontos em aberto, como o fato de alguém ter enviado a campainha pra ele, e a possibilidade de vários outros itens amaldiçoados terem terrores diferentes a se explorar.


Acaba que o filme nos faz pensar, e até desejar por um pouco mais desses objetos macabros...

Mas, conhecendo o mal das continuações, prefiro muito mais ele como ficou.


Encerramento


Enfim, "Oddity" não é medonho, mas é muito bem executado. Tem alguns momentos lentos, só que ele nunca perde o foco, a menos que seja necessário.

Pra quem conhece tramas do tipo, ele não chega a surpreender, mas ele tem vários pontos fortes, além de ótimas atuações e bons efeitos práticos.

O uso do Golem pra mim foi novidade, e gostei mais da abordagem aqui, do que a vista em um episódio de Supernatural.

É isso.

See yah!

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