CríticaMorte: Elemental - Um Filme Pixar Diferente

Eu não assistiria este filme se não fosse meu afilhado/sobrinho, e na verdade fugia do tema por um preconceito embasado no trailer. Ele passa a impressão de que o longa será só mais um "Romeu e Julieta" genérico, mas agora no mundo dos elementos naturais, sendo que na prática, é um filme que fala sobre Tolerância Racial, Miscigenação, e Imigração, de um jeito muito assertivo, sutil e engraçado.

É um tema relativamente sensível, que a Pixar junto da Disney souberam muito bem como contar, não apelando nem distorcendo nada, apenas contando uma boa história, em um ambiente bem familiar e contemporâneo, só que em um mundo fantasioso onde elementos tem vida.


E por mais que soe genérico, ele não é. Não há clichês, nem vergonha alheia, e mesmo sendo um filme destinado à crianças, ele funciona perfeitamente bem (talvez até melhor) com adultos. É uma grata surpresa da Pixar, e bem, sentia falta disso.

Bora falar mais a respeito a seguir, mas serei breve e sem dar spoilers.

Boa leitura

"O fogo se apaixona pela água mas não podem ficar juntos" só que não. O filme não é exatamente sobre esse relacionamento, apesar dele brotar em certo ponto, de um jeito bem convincente e natural, mas a história é sobre algo muito maior: sobre família, sobre amizade, sobre sociedade.


Logo no início já é estabelecido que ele será sobre uma comunidade grande de elementos, que conviviam em harmonia, até um elemento novo surgir e causar conflitos. Só que esses "conflitos" não são por ele ser hostil, ou ruim, e sim por não ser diretamente aceito pelos demais.


Em uma cidade onde todo elemento é bem vindo e tem seu espaço, o fogo acaba não sendo tão bem recebido por uma série de fatores. Ele não se dá bem fisicamente com os demais elementos (nem mesmo a terra), tem cultura própria e até idioma próprio, e acaba não sendo tão bem visto.


Mesmo assim, uma comunidade grande se estabelece em paralelo as demais, e coexiste em uma tênue harmonia, facilmente perturbada por qualquer intervenção do acaso.

Isso remete abertamente aos imigrantes nos EUA, especificamente os do Oriente Médio. Pessoas buscando uma nova vida, em um novo mundo, apenas sofrendo com preconceito e rejeição, talvez não explícita, mas sempre presente nos olhares e falas alheias.


O fogo não é expulso, mas é perturbado com a água, seu maior rival por assim dizer, assim como também não lida bem com a terra, ou com o vento.

Todo esse universo é criado minuciosamente, com cada pequeno detalhe apontando uma das características que serviriam de palco para a história principal. Ainda assim, essa ambientação é tão bem construída, que por si só já é uma baita história.


A água seria o norte-americano, ou apenas a pessoa branca, primeiro colonizador do local, que cedeu espaço pros demais elementos. Ainda assim, ela demarca território colocando seu elemento principal em toda parte.


A terra tem aspectos culturais que lembram os afrodescendentes, com os cabelos feitos de plantas, e um jeito mais tranquilo de lidar com tudo e todos.


O vento me lembra o povo asiático, com tecnologia a esbanjar, e um desenvolvimento acelerado, além de serem grandes esportistas e os mais bem sucedidos da cidade (ao menos é o que deixa parecer).


Como foi dito, o fogo representa os imigrantes do oriente médio, com características culturais semelhantes, uma linguagem diferente, e hábitos próprios, que apesar de mantidos, ainda são feito em respeito à cidade dos elementos, sempre buscando não interferir na cultura original do país, mas mantendo a sua. Tanto que eles aprendem o idioma dos demais, se comunicam com ele, e fazem questão de respeitar a todos (mesmo que hajam conflitos aqui e ali).


E bem, a grande história é mais sobre famílias, sobre sociedade, e não apenas sobre o amor de dois elementos. Tanto que, muito foca mais na relação pai e filha que a protagonista (Faísca) possui, do que no relacionamento que ela constrói com o Gota.


Os personagens são engraçadíssimos, cada um com suas características bem individuais e até clichês, mas também condizentes com os elementos respectivos.


A protagonista é estressada, e entra em combustão facilmente, mas isso não é algo jogado só por ela ser o fogo, e sim por causa de todo o estresse que ela acumula ao longo da vida.


Os demais fogo não são como ela, eles não explodem em fúria, eles buscam a tranquilidade principalmente por entenderem o risco que oferecem para a região que estão. Mas a personagem tem seus próprios pesares, preocupações, e isso afeta seu temperamento (convincentemente). 


O co-protagonista, do elemento água, é um agente do governo que transparece justamente as emoções de um funcionário assim. A princípio desumano e metódico pela profissão, mas depois mais flexível e exageradamente sentimental quando conhecido de perto. Ele é o contraste perfeito à protagonista.


Não é nem pelos elementos opostos que a união se destaca, mas pelas personalidades opostas. É improvável vê-los juntos, e por incrível que pareça, a união de ambos é natural.

Em termos de humor, o filme tem piadas visuais e algumas piadas adultas disfarçadas, mas o engraçado disso é que até quem nem entende, ri, só pela forma como tudo é mostrado.


Não há aquelas cenas vexaminosas de humor pastelão exagerado, repleto de vergonha alheia, e sim momentos doces e agradáveis, e um visual magnífico.

São tantos detalhes na animação que, só de reassistir nota-se mais e mais. Prestaram atenção até em pequenas coisas como, o tipo de tecido que os elementos usam, o material que cada um utiliza pra conseguir manipular objetos em comum, e as consequências do contato de um elemento com o outro.


Várias magias da natureza são replicadas na animação e, é apenas muito belo de se assistir.

Com música, também não há como não se impressionar! Um trilha sonora escolhida a dedo, que alcança nossos peitos e arranca nossas lágrimas. Além de é claro, nos fazer rir quando preciso...


Por fim, vale dizer que há muitos "furos de roteiro", mas são coisas que não são importantes pra se saber. É que, como a problemática gerada aqui é muito ampla mas ao mesmo tempo íntima, várias situações acabam sem uma resolução aparente.


O longa cutuca uma realidade muito maior do que a que ele desenvolve, pois foca na história da garota de fogo. Porém em momentos surgem perguntas como "O que fez eles se mudarem da Terra do Fogo?" ou "Quem rompeu a Barragem no começo?". Coisinhas bobas, que podem ter explicação ou não, mas no fim também são indiferentes pra trama principal.


Servem pra introduzir um problema, mas não precisam ser explorados a fundo. Claro que, eu prevejo gente tomando esses pontos sem respostas pra inserir teorias da conspiração, ou sair mesclando universos incompatíveis (a trágica ideia estapafúrdia do "Universo Compartilhado Pixar"), mas sinceramente, Elemental é algo único, que existe em seu próprio e gigantesco universo, e agrada muito por isso.


Não devemos confundir easter eggs, referências, crossovers e cameos, ainda mais nos filmes da Pixar que adoram brincar com isso. Falo muito melhor do assunto no meu post especial sobre a diferença entre tudo isso.

Torço porém pra que não façam continuação. Este é só mais um daqueles muitos mundos vastos que a Pixar consegue dar vida, mas que por mais que tenha espaço pra ser mais e mais explorado, pode não agradar por prolongar ideias já saturadas. É como Soul.


E aqui, tudo o que ele quis mostrar de importante, ele mostrou. Todas as ideias boas, todas as mensagens de reflexão, todas as referências à sociedade do nosso mundo atual, isso tudo já foi muito bem ilustrado.

Gostei do que assisti, e até achei ele leve de mais para o assunto que aborda. Curioso como o racismo e a xenofobia são ilustrados aqui de um jeito "carismático", mas igualmente sério e alcança nossas crianças, com a mensagem de que "Isso é errado, não faça". É até mais fácil sacar o porquê quando vemos elementos naturais antropomórficos, do que quando testemunhamos as exatas mesmas situações com nossos coleguinhas.


Bom filme.

See yah.

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2 Comentários

  1. CARACA, achei que era um filme igual aquele joguinho lá de flesh, Fire boy and Water girl, me surpreendi agora haha.
    Legal que qualquer coisa envolvendo elementos eu sempre associo a Avatar: The last airbender, porque acho que ele criou um padrão pra como o cinema retrata eles, e de fato, a História principal do desenho é justamente sobre como o Fogo (elemento da violência e dor) se sobrepõe aos outros (o colonizador) a força e ainda extermina uma cultura inteira (os dobradores de ar) mas ai é só uma semelhança mesmo, o daora mesmo é que esse filme pega essa ideia e faz uma doidera com ela, no fim é só inspiração kkkkk.

    Pelo trailer achei que era bem genérico, na verdade, pelo trailer nem achei que era da pixar, achei que era só da Disney mesmo, enfim, fiquei bem curioso pra assistir, de verdade kkkkk.

    é isso, belo texto senhor carinha, see yah!!

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    1. Também fiquei surpreso quando vi a introdução abajurcida da Pixar, e confesso que quando notei que tinha dedo deles, fiquei um pouco mais empolgado. Eles erram, mas erram bem menos que a Disney, então as chances de se agradar eram grandes.

      Eu ignorei o filme e fugi dele justamente por achar o trailer bem sem graça. Fiquei perplexo quando vi que tudo nele era interessante de mais, e já comecei a pensar em escrever ainda no começo do filme. Valeu muito a pena assistir, tu vai curtir acredite.

      Obrigado poxa... tive medo de errar aqui. Mas, foi!!!! Enfim, see yah sr Wilson!!!

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