CríticaMorte? Alice em StopMotion (1988) por Jan Švankmajer (Něco z Alenky)

Sei lá, eu saio desta sem entender bem o que vi mas, também não sei se devo apenas ignorar e seguir em frente. Por isso escreverei algo a respeito...


Boa leitura...

Enquanto buscava algo pra assistir, me deparei com a sugestão de ver um stopmotion inspirado na clássica história de Alice No País das Maravilhas. O longa, com 2 horas, é uma arte surrealista que mistura pessoas reais e stopmotion.

Ele parece seguir levemente sua inspiração, mas isso esse fator narrativo é o de menos. O curioso dele está no seu formato, que apesar de nada ter de "assustador", é bem bizarro e incômodo.


O filme conta a história de Alice, uma garota com uma imaginação bastante fértil que, enquanto brinca com suas bonecas e demais objetos que encontra, passa a misturar o real com o surreal, dando origem às mais diversas estranhezas.


Ele é antigo, de 88, mas ele quase não tem falas, não tem nenhuma trilha sonora, e os efeitos práticos utilizados são satisfatoriamente bem executados, e envelheceram muito bem. Inclusive, eu que tenho pavor desse tipo de arte, fiquei horrorizado ao ver os fantoches, bonecas e esculturas de animais empalhados, se movendo livremente quase como se fosse reais.


Óbvio que aquelas incômodas pausas da arte em si, fazem a realidade sumir totalmente, mas o mais curioso é que o filme mistura isso, as vezes mostrando os objetos em movimentação real, as vezes com montagem de câmera, e nessa mistureba tudo apenas vai fluindo. 

Além disso ele não conta com falas além das de Alice. A garotinha fala pelos personagens (assim como qualquer criança brincando) e faz questão de destacar isso, citando quem falou o que (e com um corte rápido de câmera pra sua boca recitando as falas).


Aliás, muito do filme se sustenta por nossa própria imaginação, algo que ele até sugere no começo, nos pedindo para "fecharmos os olhos". A ideia é para que não exijamos muito dos cenários, e usemos nossa imaginação pra preenche-los com o que o som ambiente evoca, com o que Alice narra, e com o que nosso próprio senso de espaço demanda.

Isso apenas renova a vitalidade da obra, permitindo que ela seja exibida inclusive em tempos modernos sem perder seu poder narrativo, achei isso muito intrigante.


Tudo no filme é bem teatral, a personagem só passeia por sua própria casa, as vezes por cômodos inteiros, as vezes por algumas escrivaninhas, cômodas e gavetas. Tudo que ela observa, seja grande ou pequeno, tem espaço em sua grande trama, e nos basta apenas entrar na aventura pelos olhos dela.

As vezes são introduzidas sutis referências ao convívio social e familiar de Alice. O jeito como ela observa os fantoches se movendo em uma busca ensandecida por suas tarefas cotidianas, caindo na repetição e nesta permanecendo, consegue até mesmo nos fazer refletir.


Mas nem todos os personagens da obra original de Lewis Carroll são mostrados. Eu que pouco conheço do livro, e quem dirá da animação (que jamais vi!), senti falta de um personagem icônico que é o Gato Sorridente.

Mas, mesmo com a ausência dele, a obra traz uma perspectiva no mínimo criativa do Coelho Branco, do Chapeleiro Maluco e da Lebre de Março, da Lagarta, e da própria Rainha e suas cartas.


O Coelho aqui é apenas um coelho empalhado, que Alice brinca vestindo como uma pessoa. Ele o tempo inteiro retira o relógio de bolso de dentro de seu próprio corpo, limpa a madeira picada com espuma que o preenche, comendo tudo de novo as vezes, e sai corrido sempre dizendo que está atrasado.


Ele é a grande busca de Alice, que o segue cegamente para a exploração do inóspito ambiente em que habita, fuçando onde não deve, e comendo o que não pode.

Alice em si é como qualquer criança, vendo, tocando e cheirando coisas que chamam sua atenção, e claro que ela sempre tenta provar. Sejam pedras, fuligem, tinta, doces duvidosos, tudo que pode experimentar, ela o faz. Obviamente que isso não é nada saudável, e ela sabe bem disso, razão inclusive pela qual sua brincadeira ganha um ar de julgamento no final.


Bem, quando ela come algo ela pode crescer ou diminuir, e o efeito de transição usado é genial, onde ela passa por 3 formas rapidamente: Ela criança humana, ela vestida como uma boneca, e ela em forma de boneca.


O tempo todo o filme alterna entre essas aparências e é algo muito bem feito. Até quando ela está como boneca e se movimenta, tirando as já esperadas pausas e travadas na animação, ainda é tão perfeito que se mistura bem á realidade, tudo combina, mesmo quando fica perturbadoramente estranho.


O Chapeleiro Maluco e a Lebre aqui são representados como bonecos grandes (em tamanho real mesmo). O Chapeleiro é um Fantoche de Madeira estilo ventríloquo, com cordas e tudo mais.


A Lebre é um urso de pelúcia com um sistema de corda mecânica nas costas. Ela só se move quando lhe dão corda.


Ambos interagem junto a à mesa de chá, em um looping sem fim de uma festa na qual Alice, mesmo sem ser convidada, participa. É bem maluco mesmo, com a Lebre consertando relógios passando manteiga e os botando no chapeleiro, que só reclama que nada funciona e vive trocando de lugar quando suas xícaras sujam.


E por fim aparece uma lontra grande e empalhada que limpa tudo, renovando a festa infinitamente.


No caso da Lagarta, ela vem em duas etapas estranhas. A primeira parte que me fez lembrar dela foi quando Alice passa por uma "metamorfose", saindo de seu próprio casulo (que era a boneca). Foi apenas genial como montaram as cenas, isso depois dela ser perseguida pelos brinquedos e criaturas empalhadas que ela danificou brincando.


Enfim, ela se transforma e pouco tempo depois, encontra uma sala com meias vivas no solo. Uma dessas meias ganha Dentes e Olhos e conversa com ela, se identificando como a Lagarta. Acredite, isso é mais perturbador assistindo.


Aí ela oferece os dois pedaços do cogumelo, um que aumenta, e um que diminui, algo usado não para afetar Alice (que já tinha crescido e diminuído comendo o que não devia antes) mas sim a realidade em torno dela. O louco disso é que o cogumelo é apenas uma maçaneta de madeira que Alice começa a roer os pedaços.


Tem uma cena onde Alice usa esse cogumelo pra descobrir o que ocorre em uma pequena casa de bonecas. De dentro dela são jogados utensílios domésticos e ouve-se um choro de bebê constante, e fica um mistério sobre o que tem lá dentro. 


Uma hora o Coelho branco é visto lá dentro, com um bebê, e quem joga as coisas era o próprio coelho estressado, até que ele joga o bebê, e quando Alice o pega, é um porco! Tipo, é muito maluco isso.


O porco quando visto como porco faz barulho de porco, e quando está fora de tela faz barulho de bebê, ambos bem irritantes. Se Alice em sua imaginação via algum bebê dessa forma, ou se ela pegou um porco mesmo de sua fazenda e tentou brincar com ele fingindo ser um bebê, não da pra saber, mas, fato é que ela fazia questão de incluir tudo em suas brincadeiras.


Na parte da Rainha, quando são mostradas as cartas, inclusive algumas com os personagens saindo das cartas (como a própria rainha faz), a cena clássica do jogo e croquete com Flamingos é realizada, mas não dura muito e logo Alice vê animais reais substituindo as cartas recordadas. 


Como não há trilha sonora, apenas um tick tack incômodo (e fora de ritmo só pra incomodar) e as vezes sons de fazenda, ou até praias e florestas, é possível deduzir que a ideia é mostrar a imaginação da criança trabalhando. Ela mistura o que vê com o que houve, e transforma tudo em real ou não.


O próprio começo mostra bem isso, com Alice ao lado de alguém humano mesmo (mas que se comporta de uma forma mecânica e anormal), e joga pedras num laguinho, tudo para depois mostrar duas bonecas lado a lado, e Alice jogando pedras numa xícara. Rapidamente fazemos a conexão, e aquele ambiente externo era só a mente dela remodelando seu próprio quarto.


Isso pouco importaria se, no final do longa, ela não tivesse pego uma tesoura real e dito algo perturbador como "Cortarei sua cabeça". Considerando o quão imersa ela estava em sua própria imaginação, imagina até onde ela poderia ir com isso!


Acredito que Tim Burton e American Mcgee foram algumas das pessoas que notaram toda a dualidade metafórica das obras e Lewis, e com base nisso produziram seus filmes e jogos. Inclusive, os dois jogos de Alice do American Mcgee são meus favoritos!

Por isso, ver o mesmo sendo feito no passado nessa bela obra em stopmotion me faz apenas ter curiosidade, muita, sobre o quão além podem ir em adaptar tais contos.


E olha que ainda em Alice's Madness Returns eu fiquei perplexo com certas subversões do fantástico, imagina o que mais poderiam produzir se as ferramentas lhe fossem dadas!!!

Infelizmente, Tim Burton nem teve envolvimento com a sequência dos filmes em "live action", e no caso dos American Mcgee's Alice, o terceiro jogo se perdeu em um audacioso projeto de anos, que foi podado graças a EA Games.

O que temos é só esperança de que mais versões perturbadoras ganhem vez, e quem sabe, algo tão surrealista, intrigante e macabro quanto este filme possa ser replicado um dia.


Enquanto esperamos, é possível encontra-lo no YouTube de graça e completo, e apesar de ser um filme lento, com poucas (quase nenhuma) falas, e uma atmosfera vazia, ele é rico em detalhes, e vale a pena ver... mas ele não assusta.

Só é bem bizarro (Véi! a menininha falando em sueco, russo, eu sei lá que idioma é, vai me dar pesadelos! E eu achando que o que dava medo eram os bichos mortos se mexendo!)

É isso.

See yah!


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