O Filme Achado de Hoje: Wekufe - El Origen del Mal - O filme que mais demorei pra achar

Custei pra conseguir uma cópia desse filme, que já é antigo, de 2016, mas bem difícil de se encontrar até então.

É um dos filmes de festival de cinema que muitos que assistiram gostaram, mas que parece não ser o suficiente pra render exibições em streaming, então o filme ficou meio "perdido". Mas, de alguma forma achei ele, finalmente.

Pra minha decepção, e nenhuma surpresa, é um found footage genérico. Mas ele tem algo interessante que faz se destacar dentre os demais: Ele tenta subverter o estilo (fica na tentativa, mas tenta).

Falarei tudo o que achei do filme, e lamento se tiver spoiler.

Boa leitura.

Wekufe é um filme chileno, totalmente no estilo Found Footage, que tem duas propostas em paralelo, baseado nos protagonistas, Matias e Paula. Ou seja, são dois filmes em um: Um Found footage e um Documentário.

Matias é estudante de cinema que quer a todo custo fazer um filme de terror, estilo Found Footage.

Paula é uma estudante (acho que de jornalismo), namorada de Matias, que por sua vez está fazendo um trabalho em vídeo investigando uma lenda chilena, ou seja, um Documentário.

Os dois estão na mesma viagem, usando a mesma câmera, cada um pra fazer seu próprio projeto, e se ajudando. Matias acredita que filmar sua namorada no trabalho dela, pode ajudar a construir seu filme, com edições posteriores, enquanto Paula usa ele pra dar suporte ao seu documentário.

O interessante disso é que, enquanto na visão e versão de Paula temos uma narrativa bem construída e condizente, até mesmo realista e convincente, na versão de Matias sempre temos algo clichê, debochado, e tão cheio de elementos forçados que empurra o filme pra lata de lixo.

Paula chega a falar dos clichês clássicos de found footage, e debocha disso, mas ainda apoia seu namorado, da mesma forma que ele também a apoia.

A lenda que ela escolheu investigar é a do Trauco, um ser mitológico chileno, que estupra as mulheres na floresta, após seduzi-las em sonho.

A ideia do trabalho dela é explicar a origem da lenda, mesclando informações desde a chegada dos europeus no chile e a mistura de culturas. Nesse ponto, a exposição de fatos e a teorização sobre o que teria criado a lenda, reforça bem o realismo do longa.

Ela explicando, tanto com suas pesquisas quanto com suas entrevistas, que o Trauco é apenas uma deturpada máscara posta sobre os abusos sexuais na ilha, causados desde a época da colonização (afinal, os europeus estupravam as nativas), é algo que por si só já vale a pena de acompanhar.

Apesar de alguns coadjuvantes mal dirigidos que escancaram amadorismo nas atuações, tudo realmente soa como uma jornalista jovem querendo entrevistar locais, questionando tudo, e até mesmo explicando e conectando fatos históricos.

Ela chega a levantar estatísticas dos abusos cometidos em Chiloé, principalmente casos de abusos com mulheres e crianças, e traz um tom seríssimo pro filme, discutindo como isso acabou influenciando e fomentando as lendas regionais.

Mas, o melhor é o jeito como alguns locais respondem, negando tanto a lenda, quanto sua fonte. Todos reclamam de coisas muito mais físicas do que meramente sobrenaturais, como desmatamento provocado por empresas ou os abusos constantes, além do governo corrupto mascarando tudo.

Aliás, nem todos. Alguns acabam falando das lendas com entusiasmo, citando o passado, mencionando histórias de parentes que tiveram contato com sobrenatural, ou até mesmo oferecendo serviços de purificação ou proteção espiritual.

Do outro lado, tem Matias, forçando um filme de terror com edições sonoras, e encenações falsas de mais. Engraçado que Paula aponta a lógica absurda na edição de filmes desse estilo, pois os parentes dos retratados ficariam com toda certeza ofendidos ao ver como eles morreram, dando dinheiro pros cinemas. E no fim, é exatamente esse tipo de filme que vemos.

É um longo mockumentario sobre a cultura de Chiloé (uma ilha ao sul do chile), que tem como foco o Trauco, mas que acaba se expandindo pra toda a mitologia do Chile, citando até possíveis plágios folclóricos por parte de grandes autores, como Lovecraft e Edgar Alan Poe, ao relacionar e comparar seres da mitologia chilena, bem mais antigos, com os que eles escreveram, tipo Cthulho.

A palavra que dá titulo ao filme, Wekufe, é do dialeto indígena que significa algo como "O Mal", mas até isso é sempre debatido, afinal uma das pautas do filme é a colonização europeia no Chile, e como isso corrompeu a cultura deles (levando até o conceito de bem e mal).

Nesse debate rola também a discussão do que é real e o que não é, e há o clássico depósito de clichês, com personagens indo pra onde não deviam, provocando quem não deviam, e chegando ao clímax, totalmente ferrados.

Não há muitos elementos de terror. Tudo é só construído como um documentário, com entrevistas, e um suspense crescente, por conta da dúvida sobre pra onde a história ta indo.


Eles até conseguem nos fazer refletir sobre o Trauco, e realmente conseguem construir o vilão de um jeito que ele assuste. Mas, é pelo lado mais real possível.

Inclusive, eu me lembro de quando pensei como seria mais assustador, em filmes desse gênero, a descoberta de que o monstro no mato era na verdade uma pessoa muito perigosa e perturbada, ou um animal selvagem. Isso já seria impactante o suficiente.

E é isso que vemos, quando a protagonista acaba virando alvo do Trauco. 

Mas o Trauco no fim era só uma máscara, assim como ela tanto afirmou, para algo muito maior e terrível.

Paula consegue sua matéria, e gera um documentário bem profundo que acaba com ela própria sofrendo.

E Matias tem seu filme de terror, pagando com a própria vida ao descobrir a verdade que não devia.

Ele testemunha a própria namorada sendo estuprada, por um maluco com uma máscara, e apesar de ser salvo na última hora, por uma guerra de facções (os locais contra o governo), ele acaba sendo degolado como queima de arquivo.

Paula fica catatônica, após o trauma, e apesar de também ser sonambula, ter tido um Wekufe dentro de si, e ter de fugir da polícia também, pois acusaram ela do assassinato do namorado...

Ela ainda consegue editar o filme e publicar... ou pelo menos passar num festival de cinema.

Pois é.

Não me arrependo de ter demorado tanto pra assistir. Mas me arrependo de ter ansiado tanto por isso.

O filme é bom, e ruim. Sabe construir uma boa atmosfera, tem um conteúdo bom e funciona bem como documentário. 

Mas ele pega nas atuações, e principalmente nos efeitos práticos e sonoros (no fim um cara atirando com um rifle, bem no ápice da história, ficou tão falso que deu vergonha e destruiu o desfecho.

Erraram ao deixar o Matias editar. Melhor seria manter a ideia de Paula, e ser mais cético pra que no final, tudo soasse tão cruel que nos faria pensar.

Fiquei temeroso quanto a probabilidade de ter algo sexual explícito, mas ele puxa muito mais pro psicológico do que pro físico, e apesar de terem situações com tal conotação, nada é mostrado.

Ao menos este é um filme que ensina muito sobre um ponto do Chile, e guia nossa visão sobre o que deve ser temido no mundo real.

Enfim, é isso.

See yah.

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2 Comentários

  1. Olá Shady Morte, sou Javier Attridge, diretor da WEKUFE. Em nome de todo o elenco e equipe, quero AGRADECER por esta crítica estelar. Estamos muito honrados e lisonjeados por você ter dedicado seu tempo para revisar e divulgar nosso filme. Saber que nosso pequeno filme de guerrilha está sendo assistido por fãs de terror em todo o mundo é um passeio surreal e louco, mas também fantástico. Colocamos muito trabalho e amor para fazer este filme, é uma tarefa titânica fazer um filme de terror independente na América Latina e é ainda mais difícil divulgá-lo para o mundo. Mas o apoio e a generosidade de pessoas como você fazem valer a pena.

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    1. Sr Javier, é um tremendo prazer ler suas palavras. Na verdade fiquei lisonjeado com a resposta, e é uma baita surpresa, jamais imaginei que um texto meu te alcançaria.

      Minha crítica foi meio ácida, e eu pesei a mão no fator crítica. Como fã do gênero found footage, me atrevo a ser bem incisivo ao apontar tanto o que me agrada quanto o que me desagrada, mas repito que vi bastante potencial na sua ideia. O jeito como foi feito, em duas visões em contraste, pra mim foi um ponto bem positivo.

      Imagino a dificuldade, e você se saiu bem, parabéns. Nos dois formatos que você realizou, o "mockumentario" de Paula foi o que mais me agradou. Gosto dessa pegada mais realista. No caso do found footage do Matias, eu me convenci pelo personagem, por isso enfatizei o lado negativo da produção dele (e creio que tenha sido proposital não é?). Afinal, como você mesmo citou, seu filme é sobre a guerrilha (que fica ali em segundo plano, enquanto nossa atenção é desviada para o terror fabricado).

      Estou grato por ter dado atenção às minhas palavras, e feliz por ter encontrado seu filme.

      Você foi gentil sr Javier Attridge, este que vos fala se sente envergonhado agora.

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