CríticaMorte: Tin e Tina (Tin&Tina) - Finalmente um filme decente de terror

Eu não dava nada por essa obra, o trailer me soou tosco, principalmente pela caracterização bastante falsa dos personagens que dão título ao longa, porém, me surpreendi.

Este é um filme de terror puro, apenas terror, sem jumpscary, sem sangue pra todo lado, sem violência explícita, sem criaturas monstruosas, sem nem mesmo fatores sobrenaturais, mas ele é capaz de arrancar medo e pavor em suas 2 horas de duração.


É um terror bastante puxado pro psicológico, mas não vá achando que é "inteligente" ou que depende de interpretação. Na verdade, ele é apenas realista, um realismo esquisito, mas totalmente plausível, meio puxado pro lado religioso, mas sem nada assombroso. Aliás é essa plausibilidade que causa o verdadeiro terror. 

Amei, e falarei o que achei a seguir, afinal nem tudo é um mar de flores. 

E não se preocupe, não tem spoilers.

Boa leitura.

Qual o terror dele?


Tin e Tina é um filme de terror psicológico, que investe muito na nossa imaginação, através de um suspense constante e insinuações para que pensemos, e tentemos antecipar o que ocorrerá, esperando sempre pelo pior e inacreditável, e temendo pelo mais simples e sórdido. 

Ele coloca esses dois personagens, duas crianças de cabelos claros e "estranhas" para desviar nossa atenção, e isso funciona tremendamente bem, pois no fim, nos deparamos com algo perturbadoramente verdadeiro.


Mas ao mesmo tempo, ele trabalha bastante com suspense e mistério, e com o jogo de câmeras, cortes propositais de cenas e/ou interrupções de falas, ele nos conduz pela rota que quer para que caiamos nas armadilhas da nossa própria precipitação.

O negócio é genial, pois ele vende a ideia de que as crianças são o problema, ao mesmo tempo que nos mostra ali, escancaradamente, que o problema na verdade é todo o resto, e não aquilo que estamos olhando.


Desde a negligencia evidenciada dos pais, o relacionamento nada saudável deles, a casa mal estruturada e despreparada pra praticamente tudo, a falta de noção ética e social até mesmo das figuras religiosas (as quais tem grande impacto na trama). Isso tudo apenas configura uma situação estranhamente comum, mas ao mesmo tempo nos revela todos os males que pequenos erros podem causar.

Qual a história?


A história se passa em 1981, na Espanha, com um casal recém casado, mas que também acabou de perder gêmeos em um aborto espontâneo, vivendo juntos em uma casa isolada da família do marido, sem nem mesmo ter uma ideia de como lidar com a situação calamitosa na qual a esposa se encontra.

Apesar de terem tentado superar a perda com um cachorro, isso não basta pra tirar o peso da mente da moça, então a grande ideia é adotar crianças de um convento próximo. 


As crianças escolhidas acabam sendo contra o plano ideal, sendo mais velhas e doutrinadas pelo convento, mas ainda assim os pais concordam e levam o pequeno casal de irmãos pra casa deles, onde a religião e devoção das crianças, contraria a convivência mais mundana dos pais, criando assim conflitos sutis.

Conflitos estes que aumentam, e aumentam, até se agravarem com consequências cada vez mais terríveis, e até mesmo mortais.


O que faz ele ser bom?


O filme é excelente por vários fatores, desde as atuações, até a trilha sonora. O roteiro é espetacular, e a condução narrativa é muito bem explorada pelo jogo de câmeras, se tornando sublime.

Os atores são perfeitos, as crianças (mesmo com a caracterização estranha) acabam convencendo, e são tão medonhas quanto dóceis.


Os adultos também são bons, e cumprem bem o papel que lhes é dado de serem negligentes ao extremo, mas também entregando reações condizentes, quando estas lhes são permitidas pelo roteiro.

É que o roteiro é seleto, ele escolhe quando e onde mostrar algo "normal". Muitas vezes ele interrompe situações de forma não muito brusca, mas também sem qualquer naturalidade, o que cria estranheza, proposital para nos fazer olhar pra direção errada.


Então com a música de época (e em espanhol) tudo sempre fica animado de mais muito rápido, tão rápido quanto fica perturbador em seguida. 

Em uma parte há um plano sequência praticamente ininterrupto, arrancando tanta tensão e nos fazendo seguir a protagonista tão de perto, que chegamos a sentir as emoções dela, até mesmo pensando como ela pensa, gerando em nós os mesmos temores que ela tem.


É tão brilhante, que estou pasmo por ter duvidado de cenas anteriores e criticado elas mentalmente, questionando a lógica delas, ou o exagero de expressões. Mas me senti igualmente satisfeito quando percebi que, tudo foi propositalmente exagerado pra se enraizar em nossas mentes, e nos fazer lembrar disso rapidamente, quando essa lembrança fosse importante.

Falo basicamente de duas cenas, que não descreverei para não dar spoilers, mas que quando você terminar de assistir certamente lembrará também: História da perna e Asfixia.


São duas situações completamente anormais, com reações fora do comum, mas que são propositais para se tornarem memoráveis, e não havia outra forma de fazê-las. Inclusive, a falta de diálogo posterior a alguns eventos terríveis, não é um erro, mas um corte idealizado para nos fazer questionar mais e mais.

Ele tem sangue?


O filme não nos mostra tudo, fazendo elipses constantes e até mesmo "censurando" coisas que, poderiam ser melhor explicadas caso mostrassem. Contudo, ele se sustenta justamente no suspense gerado por essas censuras, pra nos fazer ter um terror aumentado, regado por agonia, que apenas se confirma quando os resultados são finalmente revelados.

Este é um filme assustador, e tem cenas perturbadoras, mas ele não precisa forçar nada na tela para que percebamos isso. É até mais assustador a falta de gore ou violência, pois o que vemos está muito mais na nossa cabeça, do que realmente ali.


Tem momentos em que o fundo tá até desfocado, mas a gente quer acreditar que aquilo é medonho, e esse querer se torna real, e o medo cresce, fazendo com que cada pequeno detalhe já nos faça ficar de pelos arrepiados.

Ele tem seus exageros sim, e algumas situações beiram o tosco de tão clichês, mas até isso se agrava quando o desfecho chega, tornando nossa expectativa a real vilã, de tudo que acompanhamos até ali.


E repito, o bom uso das câmeras, e da trilha sonora, com a edição final perfeitamente cortada, permite que essas realizações antes clichês, tornem-se agradáveis e impressionantes, e claro, terríveis de se ver. Eu bato nessa tecla várias vezes pois, foi o que mais me impressionou. A estrutura dele é perfeita, nem lenta, nem rápida de mais, apenas perfeita.

E o final, é bom?


O melhor de tudo, é que mesmo sendo um filme conclusivo, e com uma lógica inquestionável em seu desfecho, ele ainda nos permite imaginar além, e discutir sobre o que foi real, e o que não foi.

Existem muitos pequenos detalhes que podem ser explicados pela conclusão, sem a menor sombra de dúvidas, mas existem também detalhes abertos à interpretação, e no fim das contas, tudo se torna possível.


Esse é daqueles filmes que é bom assistir com amigos pra discutir depois, mas ele não deixa nada em aberto. Na verdade, ele é bem direto, apenas mostrando o que é real e pronto.

Engraçado que uma frase dita nele me veio à mente agora, e na hora eu ainda fiquei em dúvida sobre qual o significado dela: A ausência é a presença, esse é o grande mistério.


Assista... eu recomendo. 

E meu, parabéns Netflix, finalmente algo que presta!

Obrigado pela leitura.

See yah.

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