SérieMorte: Treta (Beef) - De 8 a 80 muito lento

Não tinha certeza se queria mesmo assistir "Treta", uma vez que me foi recomendado sem qualquer sinopse do que seria, sem gênero citado, nem estilo. Apenas me disseram "Veja". E bem, topei o desafio.


A série é estranhamente lenta, e o tempo todo me vi tentando entender onde ela queria ir, e o que ela queria contar. Logo de cara pensei em desistir, até começar a me sentir atraído, e não entendia a razão disso.

Foi só no final, no último episódio dos 10 que a compõe, que saquei que, era mais que uma série, era poesia.

Falarei tudo o que achei a seguir e... pouparei spoilers. 

Quando é bom eu sempre evito.

Boa leitura.

"Treta" é uma série de drama, mas sem ser dramática de mais. É estranho mas, ela tem seu ritmo lento de forma que nos deixa entediados, mas ainda atentos e presos ao que os episódios contam, com os personagens se relacionando, brigando, conversando, divertindo, e por ai vai.


Ela tem humor, "ação", diálogos, um tiquinho de romance, e muita intriga, mas ela trabalha isso tudo de um jeito esquisito e brusco, sem dizer onde quer chegar, nem dar qualquer indicio de qual seria seu tema real.

Pouco a pouco, eventualidades são mostradas e por mais que esperemos, nada do que aguardamos é entregue, e nada também ocorre pra nos surpreender quando achamos que isso ocorrerá, da mesma forma que tudo empolga e puxa nossa atenção quando menos esperamos.


É difícil explicar, e é exatamente sobre essa dificuldade que a série trata. Ela não é pra ser explicada, ou entendida, ela apenas deve ser sentida. Mas ela faz sentido, não sendo algo completamente alegórico ou fantasioso, ela é real, mesmo quando vai além da própria realidade.

A história base é simples: Um cara ferrado na vida tem um problema no trânsito com uma moça, também ferrada na vida, e ambos passam a querer ferrar um ao outro, mesmo sem nem se conhecerem, mas as coisas param aí.


Ela não foca em um jogo de vingança, pois rapidamente para de mostrar isso pra seguir por um caminho completamente fora do convencional.

Enquanto o cara é alguém destruído pro mundo, a moça é alguém destruída pra si mesma.


Ambos presos aos seus problemas, e fadados a aceitar suas falhas, erros, perdas e até mesmo vitórias, pois estas são temporárias e, eles sabem muito bem disso.

Mesmo que a trama passeie por uma variedade grande de personagens, tudo sempre remete aquela dupla, que cria um vínculo maior que qualquer romance clichê, sem nem mesmo estarem juntos em cena o tempo todo, mas pensando um no outro o tempo todo.


Eles se aproximam pelo ódio que um sente pelo outro, só que esse ódio não deriva das pessoas que são, pelo que fizeram, fazem ou fariam um ao outro, e sim por serem mais parecidos do que queriam aceitar.

É como olhar pro espelho, e ver uma imagem que reconhecemos, mas não aceitamos.


Enquanto uns se viram, outros quebram o vidro, e alguns apenas aceitam, e tentam mudar, enfeitando, ou trabalhando em algo que faça aquela imagem se tornar mais agradável pra eles.

Como cada pessoa lida com seu reflexo, é o que essa série quer tanto mostrar.


E, ao meu ver, ela foi eficaz nessa tarefa.

Porém acredite, não é muito fácil assisti-la pois repito, seu ritmo é lento e leva todo o tempo do mundo (ou ao menos seus 40 minutos por episódio em média) pra contar tudo, absolutamente tudo, da vida desses dois protagonistas.


Só que essa vida não é contada de forma linear, paralela ou até mesmo simultânea. Aqui, temos a história contada como a vida ocorre, aos trancos e barrancos, em plena aleatoriedade.

Aí que está a poesia. A rima surge dos arcos aparentemente desconexos se conectando, mas não por conveniência de roteiro, e sim por naturalidade emocional.


Os personagens sentem, e seus sentimentos, ações e reações são condizentes com o que sabemos deles, e o que sabemos de nós mesmos.

Muito da série se constrói em cima de nossas concepções do que é real, natural, ético e moral pro ser humano.


Tudo se baseia no social, e de certa forma, essa série é um estudo social apresentado para que observemos e compreendemos como nossa psique é conturbada.

A falta de comunicação, a insistência em erros, a busca por objetivos vagos, o insaciável desejo por conquistas e reconhecimento, a constante batalha contra os obstáculos que surgem, o desejo da morte, e a aceitação da vida, são só alguns dos pontos mostrados nessa obra.


Apesar de bela, eu não diria que é uma das melhores séries que já vi, pois ela realmente cansa, e demanda todo seu longo período pra conseguir nos marcar.

Essa não é daquelas séries que podemos ver um pouco, nos divertir, descansar, e voltar depois pra ver um pouco mais. Ela é uma tacada única, onde devemos maratonar pra conseguir aproveitar.


Até porque, sua continuidade é estritamente imediata. Por mais que ela encerre cada episódio com um bom desfecho, ela nos obriga a continuar para que não percamos as sensações que ela passa (não é nem pela informação).

E essa obrigação é algo que a mim incomoda, pois acho terrível começar a ver algo, que não consigo parar, mesmo querendo, pois sei que sacrificarei um tempo investido, e perderei aquela emoção.


Contudo, compensa. A experiência resultante dessa maratona gera uma emoção especial, além de trazer uma reflexão curiosa sobre nós mesmos.

O tema "depressão" tem uma das melhores (se não for a melhor) abordagens que já vi em uma obra. Você no mínimo vai conseguir aceitar esse problema, enxergando ele de várias formas diferentes.


E, não se preocupe com gatilhos, pois além de não haver violência nem nada explícito, a série trabalha o tema com sutileza e em momento algum extrapola na exposição. Na verdade, muitas das vezes em que a série mostra algo relacionado a depressão, é em forma de percepção. 

Nós vemos, sentimos, ouvimos, mas em momento algum isso é de fato exposto. 


São pelas expressões dos personagens diante falas completamente randômicas, que conseguimos ver. 


São pelas ações e decisões, que acabamos sentindo, e não pelos eventos em si ou suas consequências.


É através da trilha sonora (ou até mesmo da ausência total dela) que conseguimos ouvir, e não pelas conversas.


Algumas ideias só são plantadas, e nós sabemos o que significam, mesmo que não sejam diretamente explicadas, pois elas simplesmente são sentidas, por notarmos semelhanças com pensamentos que tivemos, ou até mesmo por pensarmos igual aos personagens.


Engraçado que as vezes eles nem precisam falar pra que saibamos exatamente o que se passa em suas cabeças, e é tão legal ver isso funcionando, e sendo respeitado (pois não enfiam diálogos forçados pra explicar, eles apenas nos deixam perceber).

Todo esse processo, compensa muito acompanhar, por isso eu recomendo que veja.


Mas não espere nada espetacular. De fato, a trama vai de oito a oitenta extremamente rápido no clímax final, e isso chega a aterrorizar.

Nesse ponto, ocorrem os ápices de agressão e violência, mesmo que não haja exagero. 


Só que até isso é subvertido depois, com humor, em uma longa experiência filosófica, e profunda, que conclui tudo com perfeição.


Vale a pena assistir, mas se for ver, não pare. 

Veja.

See yah!

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