CríticaMorte: Enola Holmes 2 - Inspiração Falsa

Essa nova empreitada da Netflix se embasa em nostalgia, misturada com saudosismo, e sustenta seu roteiro em fatos reais, mas não como uma parte sólida e convincente, e sim como um tipo de artimanha extra pra tentar enriquecer a trama propositalmente enfraquecida da jovem irmã de Sherlock Holmes.


Algo que não acontece, uma vez que os múltiplos investimentos removem boa parte do brilhantismo da personagem, que compartilha seus holofotes com seu irmão, seu namorado, sua mãe, seus clientes, e até mesmo seus vilões.

Na necessidade auto imposta de desenvolver tramas antes já resolvidas, o longa cambaleia entre boas e más ideias, resultando apenas em uma obra medíocre.

Falarei mais a respeito a seguir, com alguns spoilers.

Boa leitura.

Apesar de ter assistido ao primeiro longa da irmã do famoso Sherlock Holmes, eu nunca pensei em escrever a respeito. Mas, recordo-me que gostei, a ainda na época fiquei intrigado com a existência dessa personagem que, até então, eu desconhecia.

Mesmo não sendo um fanático pelas histórias de Holmes, eu já assisti vários filmes e episódios das muitas séries, dentre outras obras protagonizadas pelo grande detetive, mas algo que eu nunca havia visto era a Enola.


Foi com muita surpresa mas igual satisfação que acompanhei seu surgimento, e me maravilhei com a detetive mirim da família Holmes, saída de livros paralelos as tramas do Holmes mais famoso, que tem seu título sob domínio público.

O primeiro filme foi agradável, e memorável (o que me faz lamentar ainda mais não ter redigido uma crítica em tempo, e agora é tarde pra reparar tamanha imprudência), e foi com bons olhos que me preparei pra essa continuação.

Curioso que, enquanto o primeiro filme adapta da história do livro "Enola Holmes - O Caso do Marquês Desaparecido" este alega adaptar o segundo livro, "Enola Holmes - O Caso da Senhorita Canhota" (livros de Nancy Springer). Só que também alegam se inspirar em fatos reais (sendo que Sherlock e Enola são personagens totalmente fictícios) de uma Revolução Feminina história do século 19... só que as duas adaptações não convencem.


Desde já adianto que não conheço as obras literárias, nem jamais as li. Mas como continuação cinematográfica fica evidente que optaram por usar o livro apenas como "pano de fundo", sendo que o real objetivo aqui era dar mais destaques pras originalidades e acertos do primeiro filme, e tentar surfar na onda dele.

Tanto que, reutilizam personagens já sem a menor relevância, forçando participações gratuitas que acabam sobrando, e isto vale pra personagens antes de destaque, como a Mãe de Enola, por exemplo, que no atual enredo parece não se encaixar mais.


Lembro-me que o grande foco no primeiro filme era o mistério sobre a mãe dela e seu paradeiro, ao resolver esse mistério (em paralelo ao principal, do tal Marquês sumido e suas problemáticas políticas e familiares) fica estabelecido que a mamãe Holmes não participaria mais, tendo sua influência sobre seus filhos (principalmente Enola, com quem ela mais conviveu e pôde educar) já encerrada, seguindo sua vida.

Aqui, ela retorna pra absolutamente nada. Apenas retorna como personagem observador que parece ter mais tempo pra seguir a filha do que continuar sues protestos e objetivos próprios, assim como disse que faria. 


Mas, nem é apenas na história que sua participação soa forçada. Enola constantemente tem flashbacks de ensinamentos de sua mãe, como no primeiro filme, mas dessa vez eles não são peças pra explicar quem Enola é, ou as origens de seus modos peculiares; aqui eles são tutoriais de táticas que Enola usará pra se salvar posteriormente.

São conselhos, alguns repetidos do longa anterior, outros adicionando eventos (não citados antes), que só servem mesmo pra entregar pistas amplamente forjadas, pro grandioso terceiro ato.


Enola mesmo perdeu aquele charme de "semi-quebra" da quarta parede, encarando a tela em momentos específicos e nos comunicando, verbalmente ou não, seus pensamentos reais. Agora, isso ocorre sim, mas muito mais vezes do que realmente deveria. 

Tem momentos em que ela olha pra câmera e reage sem qualquer significado, mais parecendo a atriz simplesmente se soltando e quebrando a regrinha de "não olhe diretamente pra câmera". Mas, o bom é que os momentos certos são simplesmente perfeitos de tão bem encaixados, em prol do humor.


Seus disfarces também se tornaram randômicos e com um ar de "repetição de fórmula". Uma parte por exemplo, ela se veste de menino sem qualquer razão, e mesmo que deduzamos que foi pra fugir da polícia, torna-se algo totalmente desnecessário quando ela opta por se esconder! Me soou como uma tentativa de imitar o primeiro filme, mas sem contextos pra isso.


Sobre o mistério principal, e o secundário, é uma pataquada mal pensada que dá até vergonha assistir. Os personagens investigados passam a se comunicar com Cartas Poéticas Codificadas, ou Músicas Mapeadas, sendo estas pistas tão complexas que é difícil acreditar na natureza de sua elaboração, quem dirá sua decodificação.

Enola e Sherlock são gênios, mas nas horas de decifrar essas pistas em particular, senti que o roteiro deu uma ajudada monstruosa. Algo que também ocorre em todos os encontros mais importantes, de todos os personagens.


Inclusive o encontro desses dois irmãos, que simplesmente é injustificável inicialmente, mas é pouco a pouco empurrado goela abaixo, chegando ao cúmulo de conectar dois casos milagrosamente nas mãos dos dois maiores detetives, sem o mínimo de esforço pra fazer tal conexão soar lógica.


Pior ainda é incluir o maior rival de Holmes como peça central do novo mistério, e ao mesmo tempo, uma peça completamente solta! Estou até agora tentando entender o que o Moriarty tá fazendo no filme.

E só pra constar, a atuação dele ficou explicitamente canastrona e destoa da genialidade que ele mesmo diz ter. E digo ele pois não quero dar spoiler que na verdade o Moriarty de Enola Holmes é uma mulher.


Pode até ser algo que tenha no livro (eu não sei, eu não li, só vi resumos e só por isso já notei diferenças absurdas), mas no filme, o ponto mais fraco é quando ela se revela e simplesmente ativa o modo "vilão do Scooby Doo". 

Nunca vi discurso mais expositivo que o dela, e a troco de absolutamente nada! A personagem toma a frente da investigação sobre ela mesma, se denuncia e se julga no ato, achando que tá arrasando, pra no fim apenas, ser presa (e claro, fugir fora de cena né).


Vilão genial esse que fez Sherlock quebrar a cabeça por meses, enlouquecendo praticamente, mas achando todas as pistas certas assim que sua irmã surge. Terem dado um novo sexo pro Professor James Moriarty (aqui chamada de Mira Troy, anagrama de seu nome real) só deu uma pitadinha extra na reviravolta, surpreendendo sim, mas ao mesmo tempo descartando a surpresa com a péssima escolha de roteiro (e lamento dizer, atuação).


Pra quem não sabe, Moriarty é maior vilão das histórias de Holmes, gerando os embates intelectuais mais arrojados dos quais Sherlock se vê, quase sempre, fadado a derrota. Aqui, bem... ele é falastrão, ou falastrona.


Tem mais, Henry Cavill como Sherlock é perfeito, um Homão de Aço, um Bruxão, mas não era uma série sobre Enola? Digo, um filme sobre Enola? A ideia que ele passa é que ela é a coadjuvante de um filme de Sherlock Holmes, mesmo ela tendo mais tempo de tela que ele, e mesmo a série... digo filme... levando seu nome no título.

Não entendi a presença dele, e senti que a belíssima atuação de Millie Bobby Brown teve que competir com o roteiro do próprio filme que estrelava, pra manter algum destaque.


Alias, minha confusão sobre ser filme ou série é que, a sensação que o longa dá é que é um episódio grande de uma série mesmo. Tanto que ele nem esconde a forte dependência do primeiro filme (nos obrigando a conhecer eventos dele, pra entender o mínimo aqui).

Pra piorar, a resolução é fraquíssima, mesmo se valendo de um evento histórico, mostrado, mas de última hora e desnorteado junto ao enredo.


O caso principal, que inicia com o sumiço de uma jovem ruiva e encerra com uma Fábrica de fósforos abusiva de mulheres, se inspira na história de Sarah Chapman e a primeira revolução feminina industrial, causada por ela 1888.

Isso é citado no filme é claro, durante os créditos, com as fotos reais das moças. Mas, apesar disso ter sido um evento importantíssimo, no filme é arrastado de qualquer jeito.


A revolução começa por um motivo muito mais grave que o real, no mundo real, a demissão da moça fez ela soltar a voz, e motivar suas colegas a lutarem por seus direitos. Mas, no filme, todo um plano mirabolante e maquiavélico envolvendo Tifo, assassinatos, e conspiração, foi o estopim pra jovem erguer a cabeça e... fazer tudo errado.


Ela primeiro tenta expor a fábrica pro governo (puxando um personagem do primeiro filme só por ser um par romântico com Enola) com provas coletadas aos poucos, e só no fim percebe que a única forma de vencer, é fazendo todas trabalharem com ela por isso.

Ela esquece o luto recente pra subir na mesa e gritar pras mulheres enfrentarem o sistema, e mesmo sendo rejeitada, bate o pé e por causa dessa batida, muda a opinião de todas as moças, pra caminharem pelas ruas e... não resolverem nada.


Pois quem resolve mesmo é o namorado de Enola, quem acaba levando o responsável pelos crimes pra cadeia.


Ou seja, a impressão que tive é que inseriram esse evento adaptado ao que tinha de superficial no livro, pra tentar criar uma história mais autoral, plenamente conectada com a do primeiro filme, mas já independente dos livros (nos quais se inspirou e se não me engano, chegou a gerar conflitos de direitos no passado).

E, por fim, temos o fiel escudeiro de Sherlock Holmes, o encarecido Watson. 


O filme nem tenta esconder seus objetivos ao repetir várias vezes que Holmes tá sozinho, que Enola é sua possível aliada mas que, ela não deseja isso, e no fim, nos trás seu novo colega de quarto, no pós crédito, reforçando que os idealizadores optaram por abandonar a ideia de Enola Holmes, e focar apenas em "Holmes".

Deveriam mudar logo o nome do filme, e parar de fingir que é adaptação dos livros, pois repito, até eu que nem li, consigo perceber que tá diferente.


Não senti aquela essência da mocinha independente lutando pra mostrar que é tão, ou até mais inteligente que seus irmãos.

Não peguei aquela vibe de investigação criminal repleta de suspense, e peças de quebra-cabeças que só a astúcia de Enola seria capaz de resolver.


Não me empolguei com as cenas de ação (todas elas, sem exceção, fora de sintonia com a trama), nem com qualquer um dos embates. Tanto que cenas como a fuga dos policias na rua, ou a perseguição de carroças, ou a grande batalha final, simplesmente nem precisavam acontecer, de tão incongruentes que soaram.


Não me cativei pelos personagens novos, muito menos sofri pelas baixas dos mesmos (que infelizmente tiveram seus papeis revertidos pro elenco do filme anterior), pois nem tive tempo para tal.

Mas... gostei do romance criado entre Enola e o Marquês. Netflix sabe como investir em romance e drama.


Também gostei do humor, que é sagaz e certeiro, nos fazendo rir de bobeira.

Enfim...

Enola Holmes 2 é um bom filme, mas nem se equipara ao primeiro.

É isso.

See yah.

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